Capa da publicação Comissões Parlamentares de Inquérito: requisitos e peculiaridades à luz da Constituição e do STF
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A criação das comissões parlamentares de inquérito:

requisitos constitucionais debatidos na doutrina e na jurisprudência

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25/04/2018 às 16:00
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Os requisitos necessários para a instauração de uma CPI estão previstos na Constituição, sendo relevante a abordagem dos principais aspectos de cada um deles, bem como da controvérsia havida nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial.

INTRODUÇÃO

Para a instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em conjunto ou separadamente, o art. 58, §3º, CF, estabelece os requisitos necessários. Deve haver o requerimento de um terço dos membros de uma das casas ou de ambas; o fato a ser investigado deve ser determinado; e deve ser definido um prazo para que os trabalhos sejam concluídos.

O Supremo Tribunal Federal possui posicionamento consolidado no sentido de que, uma vez preenchidos os três requisitos acima citados, a instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito estará viabilizada no âmbito das Casas Legislativas.

Em conformidade com o texto constitucional, os Regimentos Internos do Senado Federal, em seu art. 145, e o da Câmara dos Deputados, em seu art. 35, assim como a Lei nº 1.579/52, na parte em que foi recepcionada, apenas reiteram tais exigências constitucionais.

Não obstante, a taxatividade do texto constitucional, acerca dos requisitos de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito, reiterada pelos regimentos e pela Lei nº 1.579/52, e o entendimento consolidado do STF, essa questão está longe de ser pacífica, daí porque a necessidade de um estudo detalhado desses requisitos.


1.    REQUERIMENTO DE UM 1/3 DE SEUS MEMBROS

A Constituição Federal, ao prescrever este requisito como um dos necessários para a instauração de uma CPI, reconheceu um direito público subjetivo das minorias parlamentares e protegeu o direito de oposição, de forma a evitar que a minoria viesse a ser oprimida pela maioria parlamentar. Esta, portanto, poderá ter seus atos investigados, independentemente de sua vontade, o que vai de encontro ao que enseja o regime democrático.

O estabelecimento de um quorum específico pela Constituição Federal, além de garantir a efetiva deflagração das CPIs quando requeridas por 1/3 dos membros da Casa Legislativa, também impediu que tais comissões pudessem ser criadas por um número de parlamentares muito pequeno, o que certamente acabaria por desvirtuar a finalidade pretendida pela constituinte ao instituí-las. Nesse sentido, para Jessé Claudio Franco de Alencar:

Dados os excepcionais poderes de investigação das Comissões de Inquérito, justifica-se a preocupação do constituinte em evitar sua utilização por parcela do Congresso que ele entendeu não ser suficientemente representativa, já que as CPIs facilmente poderiam se transformar em instrumentos de perseguição por interesses políticos escusos ou pessoais. (ALENCAR, 2005, p. 30).

Destarte, uma vez reunidas as assinaturas de um terço dos membros no requerimento de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar fato determinado por prazo certo, tal requerimento será entregue ao Presidente de uma das Casas do Legislativo ou ao Presidente do Congresso Nacional, conforme o tipo de comissão a ser criada. O Presidente, em sua condição de órgão dirigente da Mesa da respectiva Casa ou do Congresso, e até mesmo em função da própria “estatalidade” do ato de constituição das CPIs, tem o dever de viabilizar a organização e o funcionamento dessas Comissões Parlamentares de Inquérito, adotando, para tanto, seja no âmbito administrativo, seja no plano da gestão financeira de recursos públicos destinados a custear as atividades de tais órgãos de investigação legislativa, as medidas necessárias à efetiva instalação das referidas CPIs.

Em 2005, O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão no julgamento do MS nº 24.831/DF, no qual foi debatida a viabilidade de instauração da denominada “CPI dos Bingos” pelo Senado Federal. Tal inquérito parlamentar objetivava apurar a utilização das “casas de bingos” na prática do delito de lavagem de dinheiro, assim como esclarecer a possível conexão dessas mesmas casas e das empresas concessionárias de apostas com organizações criminosas.

Na ocasião, 39 senadores assinaram o requerimento de criação dessa comissão, ou seja, mais do que o mínimo exigido pela lei, qual seja o de 27 senadores (1/3 dos membros). Ocorre que alguns líderes dos partidos majoritários mantiveram-se inertes quanto à indicação dos representantes das suas respectivas bancadas para compor tal CPI. E o Presidente do Senado Federal se omitiu em dar prosseguimento à instalação da comissão, alegando que não lhe competia indicar os seus membros, com base na ausência de previsão nos arts. 66 e 78 do Regimento Interno do Senado Federal.

A celeuma no julgamento deste mandado de segurança girava em torno da seguinte indagação: “Pode a maioria, abstendo-se de indicar representantes de sua bancada para compor determinada CPI, frustrar, com tal comportamento, o direito da minoria em ver instaurada uma investigação parlamentar?”.

A resposta é clara. Tal circunstância não poderá impedir que se componha, efetivamente, a comissão requerida, pois a voluntária abstenção dos líderes majoritários não tem, nem pode ter, o condão de inviabilizar a criação, a organização e o funcionamento de uma CPI, eis que a vontade da Constituição – que atribui às minorias legislativas o direito subjetivo à instauração da investigação parlamentar – não pode ser neutralizada ou desrespeitada pela omissão, intencional ou não, daqueles representantes dos partidos majoritários.

O ministro Celso de Mello, em brilhante voto no julgamento do referido Mandado de Segurança, assim se manifestou:

Existe, no sistema constitucional brasileiro, em favor das minorias parlamentares, o reconhecimento do direito de oposição e da prerrogativa da investigação parlamentar, especialmente se se considerar, nos termos do art. 58, §3º, CF, que esse poder – impregnado de irrecusável significação político-jurídica – revela-se oponível, até mesmo, às próprias maiorias que atuam no âmbito institucional do Legislativo.

(...)

Na realidade, a exegese abusiva da Constituição e do próprio Regimento Interno – especialmente naqueles pontos que não permitem qualquer margem de discrição aos corpos legislativos –, não pode ser tolerada, sob pena de converter-se em inaceitável instrumento opressivo de dominação política, além de gerar uma inadmissível subversão do ordenamento positivo fundado e legitimado pela própria noção de Estado Democrático de Direito, que repele qualquer desrespeito dos direitos públicos subjetivos titularizados pelos congressistas, mesmo os que compõem, como na espécie, os grupos parlamentares minoritários.

O reconhecimento do direito de oposição, de um lado, e a afirmação da necessidade de se assegurar, em nosso sistema jurídico, a proteção às minorias parlamentares, de outro, qualificam-se como fundamentos indispensáveis à satisfatória legitimação material do Estado Democrático de Direito.

Para que o regime democrático não fique apenas no papel, para que saia do campo conceitual, torna-se necessário garantir às minorias, mesmo em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios necessários ao exercício efetivo de um direito fundamental intimamente relacionado com as instituições democráticas: o direito de oposição. Esse direito, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática concreta, para que não se transforme numa promessa constitucional inconsequente.

Portanto, o inquérito parlamentar exerce um papel extremamente relevante ao garantir a efetividade do direito de oposição, pois enseja, a quem promove a investigação, a possibilidade de averiguar e coibir os abusos e ilicitudes cometidos pelos órgãos e agentes do Governo e da Administração, mesmo contra a vontade da maioria.

Essa garantia instrumental, reconhecida às minorias legislativas, visa a assegurar maior eficácia ao seu desempenho na investigação dos próprios detentores do Poder, impedindo que estes, por intermédio dos blocos hegemônicos do Parlamento, obstem, através de artifícios regimentais ou manipulações interpretativas, a instauração e a realização do inquérito parlamentar.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu, no julgamento do mandado de segurança sub examine, a existência de um estatuto constitucional das minorias parlamentares, estatuto este que conduziu, e deve conduzir, tal corte, a proclamar o alto significado que assume a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, para o regime democrático. Afirmou-se que o referido direito transcende o caráter meramente interno da conduta omissiva imputada, in casu, ao Presidente do Senado Federal, e que tal estatuto protege os grupos minoritários em atuação nos corpos legislativos, assegurando-lhes, dentre outras prerrogativas de índole político-jurídica, aquelas concernentes ao direito de fiscalizar, ao direito de opor-se ao próprio Governo e ao direito de promover inquéritos parlamentares, quando essenciais à apuração e à neutralização de abusos praticados pelos agentes estatais.

Assim, uma vez presentes os requisitos previstos na Constituição (subscrição do requerimento por 1/3 dos membros da Casa Legislativa, indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e temporariedade da CPI), se a maioria parlamentar não proceder à indicação de membros para compor a comissão requerida, numa tentativa deliberada de frustrar o direito subjetivo de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito, assegurado às minorias parlamentares pelo art. 58, §3º, da Constituição Federal, o presidente da Casa Legislativa ou do Congresso Nacional deverá, na forma que determinarem os respectivos regimentos, adotar os procedimentos necessários à efetivação da comissão. Dessa forma, não cabe a ele fazer julgamento de mérito ou de conveniência sobre a instauração da CPI, mas realizar todos os atos necessários e possíveis para possibilitar a consecução dos trabalhos, inclusive interpretar os regimentos internos para a devida instalação.

Há uma corrente que defende a ideia de que cabe somente aos partidos políticos o direito de indicar os representantes para composição da CPI. De acordo com essa corrente, o requerimento de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito é mera condição de procedibilidade, sendo que a instalação de fato decorre estritamente da vontade dos partidos políticos.

Para os defensores dessa corrente, a inviabilização da criação de uma CPI por falta de indicação de representantes não geraria prejuízo ao regime democrático, nem representaria qualquer tipo de concordância tácita a eventuais denúncias. Isso porque para eles, a Comissão Parlamentar de Inquérito objetiva apenas apurar a responsabilização política dos envolvidos, cabendo à Polícia Federal e ao Ministério Público, investigar e processá-los. Ademais, essa corrente afirma que a inviabilidade de processamento das CPIs pelas maiorias partidárias seria uma exteriorização da liberdade política, e que esse seria o preço do regime democrático.

Vê-se que esse entendimento não deve prosperar, haja vista que o exercício de oposição é o verdadeiro consectário da democracia. Destarte, a criação e o processamento das CPIs é um direito autônomo e independente da vontade dos partidos políticos dissidentes.

O SFT decidiu, no julgamento do MS 24.831/DF, que a instauração de CPIs depende unicamente da satisfação dos três requisitos constitucionais, ou seja, da subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, um terço dos membros da Casa Legislativa, da indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e da temporariedade da CPI. Preenchidos referidos requisitos constitucionais, revela-se imperiosa a instalação da comissão de investigação.

Acerca da proporcionalidade exigida pela Constituição, em seu art. 58, §1º, referente à participação de cada partido na composição de qualquer comissão, o legislador constituinte pretendeu equilibrar os opostos – minoria e maioria. Contudo, ela não pode ser considerada um empecilho para o exercício do direito de fiscalizar. Talvez por isso o constituinte tenha utilizado a expressão “tanto quanto possível”, querendo dizer que se a proporcionalidade partidária não puder ser obedecida, deve-se prestigiar a efetivação das comissões. Dessa forma, caso a maioria não exerça a prerrogativa de indicar seus representantes, cabe ao presidente da Casa indicar outros, podendo ser até mesmo do bloco minoritário.

Pedro Paulo de Rezende Porto Filho afirma que:

A Constituição Federal de 1988, desconfiada do legislador e de seu próprio povo, preferiu eleger limites materiais e formais para a adoção de algumas decisões políticas. Em outras palavras, foi criado um rol de direitos e garantias, dentre eles, alguns procedimentos formais, que são intangíveis, ou seja, não há possibilidade de modificação, alteração ou supressão, ainda que pela maioria dos parlamentares ou mesmo pelo próprio povo. (PORTO FILHO, 2008, p. 44)

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Como já foi dito, a instauração da CPI depende apenas da obediência aos requisitos constitucionais, de modo que tal direito não pode ser obstado pela simples vontade da maioria do Parlamento. O exercício do direito de oposição pelos partidos minoritários, com os instrumentos que a Constituição lhes prescreve, tem por base o sistema jurídico de freios e contrapesos essencial num regime democrático.


2. APURAÇÃO DE FATO DETERMINADO

Outra exigência trazida pelo art. 58, 3º, da Constituição Federal, para a instauração de uma CPI é a obrigatoriedade de o objeto de investigação ser determinado.

Com essa exigência, a Constituição pretendeu evitar que as Comissões Parlamentares de Inquérito exercessem poderes de investigação gerais e indiscriminados, no que se refere à abrangência do seu objeto. Este não pode ser muito amplo, a ponto de inviabilizar o êxito dos trabalhos e facilitar a prática de abusos.

Em outras palavras, as investigações genéricas, que envolvam a apuração de fatos indeterminados e de situações irrelevantes para o interesse público, não podem ser realizadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade.

Nesse sentido, Paulo Gustavo Gonet Branco afirma:

Como imperativo de eficiência e a bem da preservação de direitos fundamentais, a Constituição determina que a CPI tenha por objeto um fato determinado. Ficam impedidas devassas generalizadas. Se fossem admissíveis investigações livres e indefinidas haveria o risco de se produzir um quadro de insegurança e de perigo para as liberdades fundamentais. (BRANCO, 2009, p. 902)

No mesmo diapasão, para Jessé Claudio Franco de Alencar:

A caracterização precisa do fato a ser apurado é, portanto, indispensável à legalidade da Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo elemento fundamental do próprio requerimento de criação da CPI. Tal exigência se explica pela força coercitiva das Comissões (poderes de investigação próprios das autoridades judiciais), pois enorme seria o risco de abuso de poder ou de utilização indevida, se a CPI fosse instituída sem objeto específico. (ALENCAR, 2005, p. 48).

Ademais, o fato a ser investigado precisa ser determinado para garantir ao eventual acusado o exercício do seu direito de defesa, pois não há como contestar o que foi genericamente imputado. A determinação do fato a ser apurado também visa a possibilitar o controle por parte de todas as pessoas que venham a ser chamadas a depor, ou que tenham que prestar informações ou documentos, para poderem avaliar a pertinência de sua participação na investigação.

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados procura conceituar o que seria fato determinado em seu art. 35, §1º, in verbis:

Art. 35. (...)§ 1º Considera-se fato determinado o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão.

Desta feita, as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem investigar aspectos genéricos da vida em sociedade, em busca de um fato de seu interesse a ser descoberto durante a investigação. Nem podem investigar fatos que possam abranger diversos assuntos, pois os investigados e as pessoas convocadas a colaborar devem avaliar antecipadamente a extensão e o alcance do fato investigado, e isso só é possível se este for concreto ou específico.

Como já foi dito, não é todo e qualquer fato que será investigado pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. Acontecimentos ligados à vida privada dos indivíduos, fatos que envolvem entidades não relacionadas com o Poder Público e a perquirição de ilícitos penais são situações que não podem ser objeto de investigação, visto serem praticadas com abuso de poder.  Além disso, não podem ser investigados supostos fatos ilícitos com base em simples conjecturas, sob pena de as CPIs tornarem-se inócuas.

Em resumo do que já foi exposto, o requisito de haver um fato determinado para a constituição das CPIs serve para podar a extensão dos seus poderes de investigação, ao mesmo tempo em que controla o abuso do poder parlamentar. Sobre esse controle exercido pelo Poder Judiciário, importa transcrever um trecho da ementa do julgamento do MS nº 23.452 pelo STF:

(...) O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES . - A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal . - O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da Republica. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República. O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO . - O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória.

(...)

(STF - MS: 23452 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/09/1999, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086)    

Outrossim, o requisito do fato determinado também guia os rumos da investigação, ao exigir a vinculação de cada ato ao objetivo da comissão, de modo a permitir aos interessados realizarem um juízo de pertinência sobre seu envolvimento.

Nesse sentido, Paulo Gustavo Gonet Branco assevera:

A exigência de que, no ato de instauração da CPI, seja indicado com clareza o fato bem delimitado que ela se propõe a investigar mostra-se importante para o próprio controle das atividades da comissão. A CPI não pode alargar o âmbito do seu inquérito para além do que, direta ou indiretamente, disser respeito ao objetivo para o qual foi criada. (BRANCO, 2009, p. 902)

A condição concernente ao objeto determinado, para a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito, não impede a apuração de fatos conexos ao principal que surgirem durante a investigação. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, consagrado desde 1994, no julgamento do HC nº 71.231: “A Comissão Parlamentar de Inquérito deve apurar fato determinado (CF, art. 58, §3º). Todavia, não está impedida de investigar fatos que se ligam, intimamente, com o fato principal”.

 Não se pode confundir fatos conexos com fatos novos. Estes não têm pertinência aos objetivos da apuração parlamentar, enquanto que aqueles resultam do encadeamento com o fato determinado objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito. Apenas os fatos conexos podem ser aditados ao objeto das CPIs. Tudo o que disser respeito, direta ou indiretamente, ao fato determinado que ensejou a CPI pode ser investigado (BRANCO, 2009, p. 902).

Nesse sentido, assevera Yuri Carajelescov: 

A expressão “fato certo” não significa que as comissões parlamentares de inquérito encontram-se encapsuladas na apuração de fato único. Com efeito, uma comissão parlamentar de inquérito constituída para investigar determinado fato de repercussão política, social e econômica não deixa de estar autorizada a investigar fatos outros de interesse público, desde que guardem estreita ligação com o núcleo da apuração para a qual foi instituída e que também estejam inseridos no âmbito da competência do parlamento que a criou, permitindo, dessarte, a elaboração de um retrato mais fiel quanto possível do objeto investigado. (CARAJELESCOV, 2007, p. 106)

O fato determinado a ser investigado pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, todavia, deve ser da competência do Congresso Nacional e suas Casas, competência esta que será objeto de tópico específico nesse trabalho. Vale adiantar que o fato determinado deve ser relevante e pertinente, de modo a ter relação direta com as atribuições da Casa Legislativa ou, ainda, com as atribuições do respectivo ente federativo.

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Sobre o autor
Caio e Silva de Moura

Especialista em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Caio Silva. A criação das comissões parlamentares de inquérito:: requisitos constitucionais debatidos na doutrina e na jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5411, 25 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58660. Acesso em: 23 abr. 2024.

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