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Poderes das comissões parlamentares de inquérito

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12/06/2018 às 15:00

Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 conferiu às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, excluindo atos restritos ao princípio da reserva de jurisdição, como a decretação de prisões e buscas domiciliares sem ordem judicial.

  • Para que a quebra de sigilo bancário e telefônico seja válida, as CPIs devem observar requisitos como fundamentação adequada, respeito ao princípio da colegialidade e proteção ao direito de defesa do investigado, evitando assim devassas indiscriminadas da intimidade dos cidadãos.

  • O caráter inquisitorial das CPIs não demanda a aplicação do princípio do contraditório durante as investigações, mas assegura aos investigados direitos como o privilégio contra autoincriminação, assistência por advogados e acesso a provas documentais não sigilosas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os poderes investigatórios que são conferidos a uma CPI pela Constituição não são ilimitados, tendo em vista o princípio da reserva de jurisdição e a proteção aos direitos individuais, que visam a obstar a prática de abusos.

INTRODUÇÃO

Na visão de Alexandre de Moraes, o art. 58, §3º, da Constituição Federal, foi extremamente lacônico e impreciso, ao prever que as CPIs terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, tendo em vista a regra da inexistência do juiz-investigador no ordenamento jurídico brasileiro, sendo essa tarefa deixada a cargo das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público, em face da adoção do processo acusatório (MORAES, 2011, p. 1013).

Destarte, os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais conferidos constitucionalmente às CPIs consistem nos poderes instrutórios que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, de forma a possibilitarem a indagação probatória necessária à consecução das finalidades dessas comissões.

Porém, para Luis Roberto Barroso, a atribuição às CPIs dos poderes de investigação de autoridades judiciais pretendeu que a Comissão Parlamentar de Inquérito tivesse o poder de atribuir às suas determinações o caráter de imperatividade. Ou seja, suas intimações, requisições e outros atos pertinentes à investigação deviam ser cumpridos, e em caso de violação, ensejaria o acionamento de meios coercitivos.

Esse entendimento se justifica em razão do quadro jurídico-político vigente à época da Constituição Federal anterior, visto que, até então, prevalecia o entendimento do Supremo Tribunal Federal assentado no Habeas Corpus nº 32.678/DF de que os cidadãos não estavam obrigados a comparecer e testemunhar nas Comissões Parlamentares de Inquérito.

Estas, portanto, não estavam dotadas de poder coercitivo investigatório, caindo, inevitavelmente, num vazio por falta de instrumentos legais na condução dos trabalhos. Tal situação jurídica foi revertida com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que como se sabe, outorgou expressamente às CPIs poderes de investigação próprios de autoridade judicial (PORTO FILHO, 2008, p. 81).

 Segundo o mesmo autor, tais medidas, contudo, não seriam autoexecutáveis pela comissão, sob a alegação de que como qualquer ato de intervenção na esfera individual, resguardada constitucionalmente, deveriam ser precedidas de determinação judicial (BARROSO, 2008, p. 12). Tal entendimento, porém, será refutado mais adiante.

Em razão dos poderes instrutórios que lhe foram conferidos, o art. 2º da Lei 1.579/52 estabelece que, no exercício de suas atribuições, poderão as CPIs determinar diligências que reportarem necessárias e requerer a convocação de ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.

No entanto, tais poderes, apesar da inquestionável importância político-institucional da atividade de controle e fiscalização exercida pelo Poder Legislativo, são regidos por normas que, visando a coibir eventuais excessos, impõem insuperáveis limitações jurídico-constitucionais ao exercício das prerrogativas parlamentares na investigação de fatos determinados. Dessa forma, uma CPI não pode exceder os parâmetros que delimitam a extensão dos seus poderes investigatórios, sob pena de incidir em abuso de poder. 

Vê-se, assim, que as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm poderes absolutos – haja vista a inadmissão de núcleos orgânicos investidos de poderes absolutos pelo regime democrático de governo –, uma vez que sofrem restrições impostas pela Constituição da República e limitam-se pelos direitos fundamentais dos cidadãos, que só podem ser afetados excepcionalmente, nos termos que a Carta Política estabelecer.

No julgamento do MS 23.452/RJ, o ministro Celso de Mello, em seu voto, afirmou:

Na realidade, a concepção de poder – na estrutura de um Estado fundado em bases democráticas – deve conviver, necessariamente, com a ideia correspondente de limitação e de controle. Esse paradigma de contenção, cuja observância se impõe aos detentores e exercentes do poder estatal, reflete um dos elementos essenciais que dão substância, no plano da teoria da Constituição e da organização da sociedade política, à noção mesma de Estado Democrático de Direito.


1. O PRINCÍPIO DA RESERVA DE JURISDIÇÃO

Importante analisar, agora, o postulado da reserva constitucional de jurisdição, tendo em vista sua indiscutível importância político-jurídica, uma vez que se destina a proteger valores essenciais resguardados pela própria Constituição. Ao mesmo tempo, representa um relevante fator de limitação jurídica aos poderes de investigação de uma CPI.

Não obstante a amplitude da competência investigatória das Comissões Parlamentares de Inquérito, não se revela lícito a qualquer órgão parlamentar de investigação a prática de atos sujeitos ao princípio constitucional da reserva de jurisdição, ou seja, a prática de atos cuja efetivação a Constituição Federal atribuiu, com absoluta exclusividade, aos membros do Poder Judiciário.

O ministro Celso de Mello assim definiu tal princípio:

O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de verdadeira discriminação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios de autoridades judiciais.

O princípio da reserva de jurisdição consiste em confinar ao âmbito do Poder Judiciário a prática de certos atos que impliquem a restrição a direitos individuais especialmente protegidos. A partir da aplicabilidade desse princípio, haveria poderes de investigação que apenas as autoridades judiciais estariam legitimadas a exercer (BRANCO, 2009, p. 913).

Em outras palavras, essa cláusula de primazia judiciária exige, para a legítima efetivação de determinados atos, especialmente daqueles que implicam restrição a direitos, que sejam eles ordenados apenas por magistrados. Dessa forma, o princípio da reserva de jurisdição representa, na concreção do seu alcance, um expressivo instrumento de proteção das pessoas em geral contra as ações eventualmente arbitrárias do Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que se projete a atividade estatal.

Devido à cláusula de reserva de jurisdição, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado no sentido de que uma CPI, por exemplo, não tem poderes para decretar a prisão cautelar de qualquer pessoa, nem para ordenar, por autoridade própria, buscas domiciliares.

A busca domiciliar, nos termos do art. 5º, XI, da CF, verificar-se-á com o consentimento do morador, sendo que, na sua falta, ninguém poderá adentrar na casa, visto ser considerada um asilo inviolável, salvo em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro, durante o dia ou à noite, mas, durante o dia, somente por determinação judicial, não podendo a CPI tomar para si essa competência, que é reservada ao Poder Judiciário (LENZA, 2011, p. 465). É o que se abstrai do seguinte trecho de ementa:

(...) A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI)- traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado.

(...)

(STF - MS: 23452 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/09/1999, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086)

Pedro Paulo de Rezende Porto Filho acredita que dois fundamentos teriam levado o STF a restringir os poderes investigativos das Comissões Parlamentares de Inquérito. O primeiro seria que as CPIs não podem ser consideradas órgãos imparciais, na medida em que, representando a longa manus do Poder Legislativo, são organismos políticos impregnados de posições partidárias – o que não deixa de ser legítimo. E o segundo consiste na importância atribuída a certos direitos fundamentais envolvidos em conflitos. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal preferiu deixar a decisão sobre a relativização de tais direitos na mão do Estado-imparcial, no caso, do próprio Poder Judiciário (PORTO FILHO, 2008, p. 84).

Ainda acerca da limitação dos poderes investigatórios de uma CPI, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assentada no sentido de que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos, não podem desrespeitar o privilégio contra a autoincriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha, nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância, como por exemplo, por crime de falso testemunho. Isso porque a regra geral sobre a prisão prevista no art. 5º, LXI, determina que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente – e não de CPI –, ressalvados os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

 Tudo o que foi dito pode ser constatado no trecho da ementa abaixo transcrito:

(...) OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS . - Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República. É essencial reconhecer que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos - sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer. Doutrina. Precedentes. LIMITAÇÕES AOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO . - A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais" (art. 58, § 3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes, como o poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a pessoas sujeitas à investigação parlamentar. A circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal a advertir que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD). (...)

(STF - MS: 23452 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/09/1999, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086)

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No mesmo diapasão, o pensamento de Luis Roberto Barroso:

É bem de ver, no entanto, que poderes de investigação não se confundem com competências jurisdicionais em sentido material. Não cabe às comissões parlamentares de inquérito dizer o direito em qualquer hipótese, praticar atos materiais coercitivos ou determinar providências acauteladoras. Isto significa que elas não produzem decisões de conhecimento – sejam condenatórias, constitutivas ou declaratórias – nem de execução. Tampouco estão investidas do poder cautelar genérico próprio dos juízes e tribunais, com base no qual se podem tomar medidas, inclusive constritivas de direitos, destinadas a assegurar a eficácia da decisão que se venha a proferir. Mas, também aqui, tais comissões podem ter legítimos fundamentos para pretender sejam tomadas medidas acauteladoras como a prisão provisória, a indisponibilidade de bens ou a proibição de alguém ausentar-se do país. Neste caso, deverão apresentá-los à autoridade judicial competente, com o requerimento adequado. (BARROSO, 2008, p. 19)

Sobre as medidas assecuratórias, que são aquelas pertinentes à eficácia de eventual sentença condenatória, Pedro Lenza cita Cássio Juvenal Faria, que em trabalho sobre as CPIs, asseverou que os provimentos dessa natureza, como o sequestro, o arresto e a hipoteca legal, previstos nos artigos 125 e seguintes do Código de Processo Penal, bem como a decretação da indisponibilidade de bens de uma pessoa, medida que se insere no poder geral de cautela do juiz, são atos tipicamente jurisdicionais, próprios do exercício da jurisdição cautelar, quando se destinam a assegurar a eficácia de eventual sentença condenatória, apartando-se, assim, por completo, dos poderes da Comissão Parlamentar de Inquérito, que são apenas de “investigação”. (LENZA, 2011, p. 465).

Numa abordagem diferente, Paulo Hamilton Siqueira Jr. afirma que a cláusula de reserva judiciária não alcança as Comissões Parlamentares de Inquérito no que se refere aos poderes de investigação, pois se assim o fosse, o próprio texto constitucional teria previsto a ressalva. Tal entendimento não se distancia muito do até aqui exposto, visto que o citado autor concorda que o princípio da reserva de jurisdição persiste quando o caso se tratar, por exemplo, de julgamento ou de cerceamento de liberdade. Tanto é assim que ele conclui que a Constituição parece não ter consagrado uma reserva total da função jurisdicional, mas uma reserva parcial, pois no que tange à investigação, não se verifica a necessidade de uma intervenção inicial do Poder Judiciário (SIQUEIRA JR., 2007, p. 86).

Desta feita, se a prática de atos cobertos pelo princípio da reserva de jurisdição forem úteis ou necessários para a investigação levada a efeito na Casa Legislativa, caberá à Comissão Parlamentar de Inquérito voltar-se para o Judiciário, requerendo de forma motivada a decretação da medida extrema.

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Sobre o autor
Caio e Silva de Moura

Especialista em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Caio Silva. Poderes das comissões parlamentares de inquérito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5459, 12 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58692. Acesso em: 19 dez. 2024.

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