Aplicações e ausências dos sistemas internacionais de direitos humanos nas penitenciárias pernambucanas

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24/06/2017 às 22:46
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6 SISTEMA PENITENCIÁRIO PERNAMBUCANO

Os questionamentos quanto às condições das prisões brasileiras não são recentes, isso pode ser observado nos mais variados meios midiáticos. O sistema penitenciário pernambucano têm algumas agravantes em relação aos outros do Brasil, é considerado o sistema mais superlotado do País1, com capacidade para 10.500 presos e conta com aproximadamente quase 32.000 detentos, isso em agosto de 20152.

A situação ainda é mais grave do que mostram os números acima, segundo um relatório publicado pela organização internacional de direitos humanos, não-governamental, Human Rights Watch, as autoridades pernambucanas contam como vagas oficiais os leitos improvisados pelos próprios presos, elevando assim a capacidade das penitenciárias de forma inapropriada. Há relatos que no Presídio de Igarassu, mesmo com essa situação, a quantidade de vagas disponíveis é de uma para cada sete enclausurados.

6.1 A superlotação   

Dentre as muitas denúncias gravíssimas à Corte Interamericana de Direitos Humanos estão às superlotações das unidades prisionais pernambucanas. O Sistema conta com quase três vezes mais que sua capacidade. Em fevereiro de 2015, a ONG visitou as várias prisões do estado e constatou a grave crise: uma das unidades foi o Presídio Agente de Segurança Penitenciária Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA) que acolhe por volta de 1.900 prisioneiros, mas sua capacidade é de um pouco mais de 460 leitos. Nessa mesma Unidade existe um espaço com 50 vagas destinado aos presos homossexuais, porém existiam mais 170.

O local de descanso dos cativos é improvisado de todas as formas (madeiras, papelão, lençol, entre outros), além disso, o sistema de esgoto das celas fica a poucos centímetros daqueles espaços. Outro detalhe que ocorr no interior da clausura é a existência de apenas dois vasos sanitários para 170 usuários, os quais também servem de “cama” para dormida dos detentos.

Situação análoga vive a Penitenciária Agro-Industrial São João, que abrigava 2.300 prisioneiros,  mas  com  capacidade para  apenas  520  homens.  O  espaço para dormir  não é diferente da PAMFA, pois os presos se abrigavam nos mais diversos locais e inclusive de baixo das mesas dos refeitórios e também sentados no corredor das celas. Outro cenário ainda mais grave foi encontrado nos leitos da “disciplina”, os quais acomodam detentos que cometem falta grave, por um curto período de tempo (duração máxima de trezentos e sessenta dias), da mesma forma eles alojam pessoas que foram ameaçadas por outros enclausurados. A ala conta com seis camas de cimentos para uma população de 60 homens (chegando a abrigar mais de 100), os quais vivem em meios às fezes (pois só há um vaso sanitário), mofo e suor, observando neste último item, os enclausurados são encontrados sem camisa por conta do calor forte e a alta umidade.

            Além das condições humilhantes e degradantes “comuns” da Penitenciária Agro-Industrial São João, o espaço destinado à disciplina supera esse estereótipo. A figura do “chaveiro”, detento que controla o deslocamento dos outros presos, é quem estabelece as regras da disciplina nas celas fixadas para esse fim. Há a previsibilidade de duas horas de banho de sol por dia para aqueles que estão nessa condição, porém essa regra na maioria das vezes não é cumprida e os aprisionados ficam semanas sem a luz do sol. Isso reflete uma grave ausência de inúmeros direitos no ordenamento jurídico brasileiro e também fere normas internacionais de Direitos Humanos.

6.2 As violações de Direitos Humanos nas penitenciárias pernambucanas e a possibilidade de inovação dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos

            As violações no interior das unidades prisionais de Pernambuco não são difíceis de visualizar. Muitas ausências do que prevê os Sistemas de Direitos Humanos são decorrentes da superlotação desses estabelecimentos, entre elas a falta total de condições básicas de saúde, a inexistência de controle interno por parte da Gestão da penitenciária e a lentidão injustificada no julgamentos do processo judiciais são as violações que estão no topo da lista demanda pela Comissão Internacional de Direitos Humanos ao governo pernambucano.

Entre os graves problemas de saúde se tem as doenças respiratórias, as quais chegam a registrar uma situação 100 vezes mais elevada que a média da população do Brasil, segundo o Ministério da Justiça3. O quadro pernambucano é tão grave que só fica atrás do estado do Mato Grosso, que apresenta 3.601 casos por 100 mil presos, chegando a quase 160 vezes aquela média.

 As terríveis condições de saúde se agravam pela total deficiência de saneamento básico e água potável em muitos estabelecimentos prisionais estaduais, e entre as dificuldades existentes, temos: a não existência de água corrente, pois os detentos fazem uso de baldes para captar a pouca água fornecida para fazer tudo, inclusive beber, sendo ofertada por no máximo 30 minutos em um intervalo de três vezes ao dia; os poucos vasos sanitários estão sempre quebrados e/ou entupido de fezes, inviabilizando as boas condições de higiene pessoal dos enclausurados; o esgoto é sempre exposto e corre a céu aberto, ou seja, não tratamento de esgoto podendo surgir uma série de doenças decorrente disso; e o lixo se acumula por todos os lados, até mesmo no interior das celas, atraindo insetos como ratos, baratas e escorpiões.

Outra prática condenável por todos os órgãos que vistoriaram as unidades é a figura denominada oficialmente pela administração dos presídios de “representantes”, todavia conhecido popularmente pelos encarcerados como “chaveiro”. O nome faz jus a sua função, ele que é cuidar do acesso interno as celas e controlar a disciplina entre presos, já que sua condição impõe medo nos demais e normalmente tem condenação por crimes muito graves, como por exemplo: homicídio. Ressaltando que ele comete inúmeros abusos, tais como venda de espaços para dormitório; extorsão, sob pena de espancamento; controle do tráfico de drogas; controlam as “milícias”4; entre outros crimes.

   O Sistema Internacional de Direitos Humanos tem como pilar vital a preservação da dignidade da pessoa humana. Frente às numerosas ofensas já descritas a Comissão das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal aprovou novos modelos para garantir condições mínimas aos confinados que preservem a respeitem as condições básicas de sobrevivência. Esse preceito foi sancionado em 2015 sob o nome de Regra Mandela5, com o objetivo de garantir aos presos segurança, saúde, água potável, alimentação adequada, entre outros elementos essenciais para uma vida digna.

            Dessa forma, observamos que, além da numerosa fonte de direitos a dignidade da pessoa humana, a Regra Mandela trouxe mais uma inovação para servir como parâmetro na reestruturação do presente modelo de sistema penal brasileiro e, de certa forma, visa a atenuar os abusos cometidos pela administração carcerária. Esta modernização ergue-se com regras mínimas e cirúrgicas para combater a ausência do Estado, além disso, volta seu olhar para o resgate daqueles que estão privados de sua liberdade sofrendo tratamento desumano.


CONCLUSÃO

A existência real e a concretização dos direitos humanos não são consolidadas apenas com a declaração normativa de tais direitos. A ação de um Sistema Global poderoso e operativo de promoção, proteção e reparação dos direitos humanos é uma imposição da metodologia de internacionalização construída na história recente da humanidade, para a preservação da dignidade da pessoa humana.

O Sistema da ONU, composto por várias estruturas e ferramentas tradicionais e extratradicionais, consolidado em diversos tratados multilaterais de direitos humanos, defronta-se com o duelo de promover seu renovado aprimoramento institucional, em procura da credibilidade abalada, em face, mormente, dos novos conflitos apresentados na comunidade internacional.

Certamente que a formação do novo Conselho de Direitos Humanos da ONU apresenta uma boa perspectiva de consolidar-se, de fato, como órgão capaz de praticar sua vocação institucional mais relevante de certificar a preservação universal dos direitos humanos. No entanto, é equitativamente certo que muitas lutas ainda faltam ser vencidas, para que todos os direitos humanos sejam assegurados a todas as pessoas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

ANNONI, Danielle. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba/PR. Ed. Juruá, 2004.

BARROS, Ana Maria de; JORDÃO, Maria Perpetua Socorro Dantas. A Cidadania e o Sistema Penitenciário Brasileiro. Revista Unieducar. 2011. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ppgdh/images/documentos/anamb1.pdf>. Acesso em: 07 de set. 2016.

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro/RJ. Ed. Campus, 1992.

BORGES, Alci Marcus Ribeiro; BORGES Caroline Bastos de Paiva. Breves considerações sobre o sistema global de proteção dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=10503&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 19 ago. 2016.

 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 2a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. 297 p.

CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos. 2ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. – (Coleção sinopses jurídicas: v. 30).

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-americana.html>. Acesso em: 18 ago. 2016.

GOMES, Luiz Flávio. Comentários a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. 3ª.Ed. São Paulo: RT, 2011.

HUMAN RIGHT WATCH. O estado deixou o mal toma conta. Disponível em:<https://www.hrw.org/sites/default/files/report_pdf/brazil1015port_forupload.pdf>. Acesso em: 07 set. 2016.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MICHAEL, Vieira Dantas. Os Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://jus-academic.blogspot.com.br/2012/06/os-sistemas-regionais-de-protecao-dos.htmlf>. Acesso em: 19 ago. 2016.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2006.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

REGRA MANDELA. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/05/39ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e944ba2.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.


Notas

1 Departamento Penitenciário Nacional, “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias", junho de 2014,

http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf (acessado em 07 de outubro de 2016).

2 Relatório da Human Rigths Watch “O Estado deixou o mal tomar conta”, “A Crise do Sistema Penitenciário do Estado de Pernambuco", https://www.hrw.org/pt/report/2015/10/19/282335 (acessado em 07 de outubro de 2016).

3 DEPEN, “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias", junho de 2014, http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf (acessado em 07 de outubro de 2016).

4 “Milícias” é o termo utilizado para designar grupo de presos que atendem as ordens dos “chaveiros” e são recrutados para agredir outros detentos que não obedecem as ordens dele ou o devem dinheiro.

5http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/05/39ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e3944ba2.pdf (acesso em: 03 de novembro de 2016).

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Artigo produzido com o fim de obtenção do grau de bacharela em direito pela Faculdade Metropolitana da Grande Recife em 2016.2

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