Aplicações e ausências dos sistemas internacionais de direitos humanos nas penitenciárias pernambucanas

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24/06/2017 às 22:46
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3 O PAPEL DOS SISTEMAS REGIONAIS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O emergir de novos Sistemas Regionais de Proteção e a expansão daqueles já efetivos tem exposto a crescente internacionalização dos direitos humanos em grau regional. Esse evento vai ao encontro da ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve ser diminuída ao domínio intrínseco dos Estados, pois se revela um tema de legítimo interesse internacional.

A dificuldade do consenso entre os Estados membros, no âmbito do sistema global de proteção, onde os debates têm lugar na Organização das Nações Unidas baseadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, abalam a capacidade sancionadora de suas deliberações e impede a criação de órgãos jurisdicionais internacionais. Por consequência, resultados variados têm sido possíveis nos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Fundamentais. Baseados nos iguais princípios inspiradores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Sistemas Regionais tornam possíveis por meio de procedimentos de fiscalização e sanção as de violações dos direitos humanos.

Por fim, cabe destacar que os Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos se apresentam de forma não dicotômica, e sim complementam ao sistema global, municiando-lhe de justicialização vital à promoção e ao respeito dos direitos humanos por parte dos Estados.


4 SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O SGPDH, conhecido também como Sistema da ONU ou de Sistema Universal, em que seus fundamentos acendem, guiam e provocam o aflorar das demais ferramentas normativas futuras. Tendo como origem normativa direta a Carta das Nações Unidas de 1945, a qual, ao precisar que os Estados componentes devem oferecer a proteção dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais e estabelecer o início do desenvolvimento da universalização dos direitos humanos, exige, assim, a obrigação de efetivação desses direitos, sob a atenção de um sistema de monitoramento, supervisão e controle.

O Sistema Global compõe o esqueleto da ONU, do qual tem como órgãos capitais o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social e o Secretariado.

4.1 Os principais instrumentos normativos do Sistema Global

O Sistema da ONU é composto por instrumentos normativos gerais e especiais e por institutos e mecanismos de observação, vigilância, gerência e fiscalização dos DH. Os gerais são basicamente aqueles que constituem a chamada Carta Internacional de Direitos Humanos, que é formada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 

O motivo de ser gerais implica em direcioná-lo a toda e qualquer pessoa humana, indiferentemente de qualquer característica de gênero ou etnia. Além destes, da mesma forma, compreendem o conjunto normativo do Sistema Global as várias Convenções Internacionais, as quais são consideradas como instrumentos normativos especiais, por isso não gerais, pois são voltadas diretamente à prevenção da discriminação ou à defesa de pessoas ou grupos de pessoas especialmente vulneráveis, que têm direito a tutela especial.

4.2 Os principais organismos e mecanismos do Sistema Global

Para que ocorra a vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização do cumprimento dos instrumentos normativos gerais e especiais foram gerados organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais, respectivamente. Annoni (2004) esclarece a diferença entre eles:

Essa proteção extraconvencional diferencia-se dos demais mecanismos de proteção das Nações Unidas, justamente por ter sido fundamentada na Carta da ONU e na Declaração Universal de 1948. Não há recurso a acordos específicos; ao contrário, busca-se extrair a proteção dos direitos humanos da interpretação ampla dos objetivos de proteção aos direitos humanos da ONU, e do dever de cooperação dos Estados para alcançar tais objetivos. [...] Os procedimentos convencionais distinguem-se dos procedimentos extraconvencionais, já que esses obrigam os Estados contratantes, enquanto os procedimentos extraconvencionais buscam vincular os membros da Organização, sem o recurso às convenções específicas. [...] O termo extraconvencional, apesar de inexato, é utilizado justamente para enfatizar a diferença entre procedimentos coletivos nascidos de convenções específicas [...] e os procedimentos adotados pela Organização que nascem baseados em dispositivos genéricos [...]

Ainda nesse tocante, vejamos os principais organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais.

4.2.1 A Comissão de Direitos Humanos

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da ONU foi o órgão central do Sistema Global, sua origem ocorreu em 1946, por ação do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), também da mesma Entidade.  A CDH era formada por 53 Estados, com mandato de três anos, tendo como missão promover e proteger os direitos humanos, em todo o mundo. De 1946 até 1967 – fase normativa - a Comissão se dedicou, quase unicamente, na confecção do arcabouço legislativo reservado à promoção dos direitos humanos, singularmente na Declaração Universal de 1948 e dos dois grandes Pactos Internacionais, de 1966.

Imputada de não ter o poder necessário para tomada de decisões mais eficientes, relativas às denúncias de maculação de direitos humanos, e de ser seletiva e excessivamente politizada, sobre as medidas a serem praticadas contra Estados violadores de direitos humanos e até mesmo de ser condescendentes com diversos países que sobrepunham seus interesses acima dos direitos humanos, a Comissão de Direitos Humanos foi diluída e substituída pelo novo Conselho de Direitos Humanos.

4.2.2 O Novo Conselho de Direitos Humanos

O novo Conselho de Direitos Humanos da ONU, criado pela Resolução 60/251, aprovada pela Assembleia Geral de 15 de março de 2006, em substituição à diluída Comissão de Direitos Humanos, surgi em um quadro de tentativa de reestruturação da ONU, na procura de reconquistar a credibilidade atemorizada, acima de tudo em face dos graves acontecimentos como a invasão não autorizada do Iraque em 2003, que colocaram em risco a competência do órgão.

Formado por 47 países, inclusive do Brasil, eleitos em 09 de maio de 2006 por um ciclo de 03 (três) anos, e separado geograficamente, o novo Conselho tem como substancial vocação institucional nutrir o respeito universal pela defesa de todos os direitos humanos e liberdades essenciais de todas as pessoas, sem discriminação de gênero raça, cor, etnia entre outras.

O Conselho tem sede em Genebra, na Suíça, como órgão auxiliar da Assembleia Geral devendo se congregar, periodicamente, em 03 (três) períodos mínimo de sessões anuais, incluindo a fase de sessão indispensável, que tenham um intervalo de tempo total não inferior a dez semanas, podendo, ainda, realizar, por pedido de um integrante do Conselho, apoiado por um terço dos membros, sessões extraordinárias.

4.2.3 Os Comitês de Direitos Humanos

            Os Comitês são classificados como recursos convencionais de proteção dos direitos humanos, pois são geralmente desenvolvidos por meio de Convenções Internacionais. São integrados por especialistas em assuntos de direitos humanos, e também são independentes e autônomos, estando disposição do Comitê.

4.2.4 Os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho

Dentre os procedimentos extraconvencionais de proteção dos direitos humanos, do Sistema Global, cabe destacar os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho. O primeiro tem sua incumbência estabelecida pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, órgão ao qual devem apresentar contas anualmente, durante a reunião da Comissão, em Genebra. A Comissão sistematiza dois tipos de mandatos: temáticos – quando se aludem a situações específicas de direitos humanos; e por países – quando se aludem à situação dos direitos humanos em determinados países.

Em termos gerais, eles são conferidos de poderes para apurar situações infringência aos direitos humanos, através de visitas in loco, recebendo queixas ou comunicações, e oferecer recomendações de como as solucionar. É uma contribuição, no plano internacional, para que os países consigam elaborar seus acordos com os direitos humanos, resultando da corroboração de instrumentos internacionais e dos seus próprios instrumentos nacionais (Constituições, Leis Ordinárias entre outros) de proteção dos direitos humanos.

Já o segundo (Os grupos de trabalho) é montado com o objetivo de aceitar denúncias e efetuar propostas relacionadas a situações de direitos humanos, até novos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. No presente, há dois grupos de trabalho permanentes em exercício (Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários e o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária), ambos compostos por cinco membros e vinculados à Comissão de Direitos Humanos, os quais estão relacionados com a proteção dos direitos civis e políticos.


5 O BRASIL E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

            Nos últimos anos o Brasil aprovou uma grande quantidade de tratados internacionais se mostrando ascendente neste tipo de norma no nosso ordenamento jurídico, sem acrescentar ainda, os casos submetidos a Corte Suprema brasileira. Exemplo disso é a inclusão, mais precisamente em 2009, de duas normas inquestionáveis para o povo brasileiro, a Convenção sobre os Direitos Humanos, a qual tem por objetivo a defesa das pessoas que apresentam algum tipo de deficiência, e o Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

            E importante realçar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 apresenta uma valorização dos direitos humanos internacionais, abrigando em seu bojo duas vertentes dos DH: a processual (estruturas de interpretação internacionalista) e a material (observação aos tratados inseridos no seu art. 5º).        

5.1 O Conselho de Direitos Humanos e o Brasil

A participação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos iniciou em 2006, decorrente da campanha de política externa realizada no governo de então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com direito a reeleição em 2008 e chegando a ficar até 2011. A atuação do Governo de fato ocorreu, chegando a ser elogiado pelo seu desempenho no combate a fome e a pobreza, tornando-se referência para o mundo, porém em outro ponto, também muito delicado, o Brasil deixou a desejar. O tema sistema prisional e violência institucional fico esquecido, vejamos o que diz Asano e Nader (2011):

com base em resultados expressivos, o governo Lula tornou-se referência internacional no combate à pobreza e à fome. Disseminou sua experiência e se dispôs a cooperar com outros países. Mas se foi referência nessa temática, não o foi em outras, especialmente no que se refere ao sistema prisional e violência institucional. Nesse caso, foi objeto de análise e alvo de diversas recomendações da comunidade internacional. Em suas relações com países não-democráticos e que violam sistematicamente os direitos humanos, o governo Lula privilegiou o diálogo e louvou a soberania. Diz tê-lo feito por acreditar na diplomacia discreta e “sem superioridade moral”. Infelizmente, em certos casos, os limites tênues entre diálogo, omissão e conivência ficaram patentes. No sistema multilateral de direitos humanos, o governo Lula foi protagonista de iniciativas importantes. No entanto, em prol da universalidade no tratamento de questões de direitos humanos, contribuiu, em alguns casos, para o enfraquecimento de mecanismos internacionais de direitos humanos. Foi ambíguo com relação ao reconhecimento e tratamento de violações sistemáticas a direitos humanos em países específicos. Condenou a seletividade, mas também a praticou em determinadas situações (ASANO; NADER, 2011, p. 129-130).

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            A então ministra brasileira dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, firmou, na 19ª Seção do Conselho de Direitos Humanos – Suíça, em 2012, a obrigação do Brasil de respeitar a posição do Estado assumida perante as normas internacionais de direitos humanos. Ela destacou, em sua exposição oral, que o Brasil estava trabalhando para cumprir os tratados apoiados e fez menção as políticas públicas desenvolvidas nos últimos anos.

A primeira presença da Nação na Revisão Periódica Universal, em 2008, houve 15 reclamações do CDH, as quais foram aceitas e a República se comprometeu em criar um sistema nacional de nacional de indicadores de direitos humanos e a preparação de um relatório anual.  Na 21ª SCDH, segunda participação do País na Revisão Periódica Universal, que ocorreu em 2012, explicações, mais precisamente 170 infrações, tiveram que ser apresentadas ao Conselho, isso com relação aos descumprimentos dos compromissos no sistema penitenciário nacional, entre elas mais de 30% dos presos provisórios.

Entre as alegações apresentadas pelo Brasil na sua segunda participação, apenas 159 foram levadas em consideração, ficando 10 recebidas parcialmente e uma não acolhida em sua totalidade, a que justificava a não desmilitarização da Polícia Militar dos estados, sob o pretexto de que se tratava de ato que fere a Constituição Federal de 88.

5.2 O Brasil e o Sistema Interamericano

Em 1948, na IX Conferência Internacional Americana foi firmada à Organização dos Estados Americanos (OEA), a qual foi aprovada pela Carta de Bogotá, e no mesmo momento foi ratificada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, com a finalidade de desenvolver a proteção regional aos Direitos Humanos nos países americanos. Um detalhe importante é que a OEA foi concebida entre 1889 e 1890, na Primeira Conferência Internacional Americana, nos EUA, e é a organização regional de direitos humanos mais antiga do mundo.

O Pacto de São José da Costa Rica instituiu, além de efetivar o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que entrou em vigorou em 18 de julho de 1978, quase nove anos após sua aprovação. Isso com o objetivo de garantir o respeito aos direitos fundamentais ao cidadão, bem como atribuir ao Estado os fatos de desrespeitos a tais garantias, pois, cabe destacar, que o princípio fundamental da dignidade da pessoal é superior a qualquer ente.

Nesse sentido, observando a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em seu artigo 33, temos a responsabilização do Estado frente à comunidade internacional:

Artigo 33. São competentes para conhecer dos assuntos relacio­nados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados     Partes nesta Convenção:

a. a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante de­nominada a Comissão; e

b. a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denomi­nada a Corte. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HU­MANOS, 2016).

Assim, vemos que as ferramentas de reparação dos direitos suprimidos existem, com o propósito de cumprir a obrigação de salvaguardar os direitos humanos. Não esquecendo que qualquer pessoa, grupo ou órgão não governamental (reconhecido legalmente) pode formalizar denuncia, queixa ou qualquer tipo de ofensa aos direitos humanos a Comissão Internacional de Direitos Humanos.

Por fim, cabe analisar também como requisito de admissibilidade a ine­xistência de litispendência internacional, ou seja, se a mesma questão não está pendente de análise em outra instância internacional (PIOVESAN, 2008).

5.3 Caso Pizzolato

Um dos casos conhecidos internacionalmente, que estampa as condições de ofensas aos direitos fundamentais de pessoa humana, foi a prisão do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. O ex-banqueiro foi sentenciado por lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva no Escândalo do Mensalão, caso em que parlamentares do Congresso Brasileiro vendiam seus votos para aprovar projetos de interesse do Poder Executivo.

Ele foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal nº 470, a 12 anos e sete meses de prisão e, em sequência, fugiu para a Itália, onde foi preso por portar documentos falsificados. Em seguida, o governo brasileiro foi até a embaixada brasileira em Roma, interpondo um pedido ao governo italiano de extradição de Pizzolato com base em sua condenação, já transitada em julgado, na Corte Suprema do Brasil (STF). Sendo tal pleito aceito inicialmente com uma ressalva pelo parquet italiano, a de que o governo do Brasil informasse se o local da prisão do mensaleiro poderia garantir os “direitos fundamentais da pessoa humana”.

Em resposta ao pedido brasileiro, o governo italiano negou a extradição do Pizzolato, pois o local apresentado para cumprimento do cárcere, Presídio da Papuda no Distrito Federal, não atendia as exigências para abriga-lo. Em sequência, a soltura dele foi concedida para aguardar, em liberdade, a decisão sobre quais rumos tomaria o cumprir sua pena. Com isso o governo do Brasil apelou à Corte de Cassações de Roma contra a negativa no pedido de extradição, implicando na aceitação do pedido, porém os advogados do réu peticionaram questionando novamente as condições do local da pena no Brasil. O requerimento foi aceito e uma nova avaliação em outro presídio foi solicitada pelo Conselho de Estado italiano, em uma penitenciária diferente (complexo penitenciário do Vale do Itajaí e na Penitenciária Regional de Curitibanos, em Santa Catarina).

Assim, mais precisamente em outubro de 2015, a administração brasileira apresentou ao Ministério Público Italiano provas de que as condições de segurança e infraestrutura poderiam comportar o detento sem ofender a sua integridade física e moral, a luz da dignidade da pessoal humana. Dessarte, Henrique Pizzolato foi deportado para o Brasil sobre um forte esquema de segurança, realizado pela Polícia Federal, passando a ocupar uma cela no primeiro Presídio indicado, o da Papuda – DF.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo produzido com o fim de obtenção do grau de bacharela em direito pela Faculdade Metropolitana da Grande Recife em 2016.2

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