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O princípio da proteção da confiança aplicado à Administração Pública

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14/07/2017 às 13:20
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2. Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que o princípio da proteção da confiança tem fundamento o sobreprincípio do Estado de Direito, mais especificamente em um de seus corolários, qual seja, o princípio da segurança jurídica, na sua acepção subjetiva, a partir da ideia de estabilidade das relações jurídicas, o que tem forte apelo diante de atos da Administração Pública.

Assumindo a distinção entre texto e norma, pontua-se, também, o assento constitucional do princípio em epígrafe, bastando que seja extraído dos valores da Carta Magna.

Verifica-se, ainda, a conexão entre a boa-fé objetiva, como exigência de probidade e correção nas relações jurídicas, e a proteção da confiança, que atrai a necessidade de que a outra parte,  no caso, a Administração, proporcione ao administrado a confiança de que seus atos foram editados conforme o Direito e, por isso, possuem caráter de permanência.

Por fim, conclui-se que são perfeitamente harmonizáveis os princípios da legalidade, da supremacia do interesse público sobre o privado e da proteção da confiança, sendo falacioso o argumento de que seriam inconciliáveis na ordem jurídica.


Referências

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BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. 11ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2012.

COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei 9.784/1999). Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 27, n. 57, p. 33-75, 2004.

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MAFFINI, Rafael da Cás. Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro. 253f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª ed. São Paulo: Método, 2012.


Notas

[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

[2] MS 25453 AgR / DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 28.05.2013; MS 26111 AgR / DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.12.2012; MS 22357, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27.05.2004.

[3] Por exemplo, o art. 5º, XXXVI, CRFB; e, como norma geral de estabilidade das relações jurídicas, aplicável na seara das relações administrativas, o art. 54, Lei nº 9.784/99.

[4] A Carta de Outubro consagra expressamente, no art. 5º, XXXVI, como expressão do princípio da segurança jurídica, a proteção aos institutos da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.

[5] Neste trabalho, a título de delimitação temática, a proteção da confiança será investigada na sua conotação substancial, relacionada aos limites à revisão dos atos administrativos pela Administração Pública.

[6] Art. 5º Omissis

  XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (BRASIL, 1988)

[7] Nesse sentido, ver o informativo 659 do STF, de cujo conteúdo se extrai o seguinte excerto, referente ao RMS 28497 / DF: Ressaltou que a demissão se dera em maio de 2002, mais de 20 anos após o início da acumulação, sem que, durante esse período, fosse reconhecida como ilícita. Assim, reputou não haver prescrição, mas decadência do direito de anular os atos de nomeação nos cargos que ensejaram o acúmulo. Asseverou que o poder da Administração Pública de invalidar seus próprios atos não seria eterno. Ademais, deveria ser restringido pelo princípio da segurança jurídica, consubstanciado na sua dimensão subjetiva, que se concretizaria por meio do princípio da proteção da confiança. Aduziu não haver conceito preciso acerca do alcance da expressão constitucional “cargo técnico e científico”, inserida no art. 37, XVI, b, da CF. Por fim, ponderou que a incerteza quanto à possibilidade de acumulação dos cargos indicaria a boa-fé da recorrente. Sublinhou que a denominação do cargo, se técnico ou científico, não bastaria para a identificação de sua natureza.No ponto, impenderia a análise concreta das funções desempenhadas, o que poderia suscitar profundas controvérsias. Aliado a isso, o longo decurso de tempo em que a acumulação perdurara também reforçaria a necessidade de incidência de normas jurídicas que limitassem o poder da Administração Pública de anular atos favoráveis aos seus destinatários. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia. (BRASIL, 2012, grifo nosso)

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[8] Tartuce (2012, p. 538) aduz: tornou-se comum afirmar que a boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial.

[9] Ver, por exemplo, na jurisprudência do STJ: MS 16678; AGA 1131416; RESP 658130.

[10] Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

   Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

   I - atuação conforme a lei e o Direito; (BRASIL, 1999)

[11] II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei; (BRASIL, 1999).

[12] Nesse sentido, vide ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 24, p.159-180, 1998; JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de interesse público e a personalização do direito administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 26, p. 115-136, 1999.

[13] Para ilustrar tal assertiva, veja-se trecho do voto da lavra do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, no HC 45362 / PI: De fato, um dos mais importantes poderes administrativos é o poder de polícia, posto que confere legitimidade à Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais por meios coativos, visando sempre a manutenção da ordem pública. 8. Tal prerrogativa, decorrente da supremacia do interesse público sobre o privado, traduz-se em uma necessidade imposta em nome do equilíbrio social, mas que, sob pena de sujeitar a própria coletividade à arbitrariedades da Administração, não pode se dar de forma ilimitada. Tem-se, pois, que os limites da atuação administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados pela Constituição da República. 9. Desta feita, na área da polícia, como em qualquer outro setor da Administração, os atos administrativos devem obediência ao princípio da legalidade, segundo o qual os agentes públicos têm de atuar em total conformidade com a lei e dentro dos limites por ela traçados. (BRASIL, 2007)

[14] Aqui serão observadas as posturas do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

[15] Entre os resultados, citam-se, como exemplos: AC 3172 MC-AgR / DF; RE 635011 AgR-segundo / RJ; ACO 79 / MT; MS 28953 / DF.

[16] Como exemplo: REsp 1366694 / MG; MS 13948 / DF; REsp 1047524 / SC.

[17] Veja-se este excerto da ementa: No entanto, por força do princípio da segurança jurídica, conjugadamente com os da presunção de legitimidade dos atos administrativos, da lealdade e boa-fé, impõe-se o reconhecimento de que a atuação da Corte de Contas deve que se compatibilizar com o princípio da razoabilidade, de sorte que não pode ser projetada aleatoriamente, ao mero sabor do acaso. É mister a imposição de um lapso temporal para a sua formalização, que não extrapole os limites intuitivos do razoável. 4.   Deve ser aplicado o prazo decadencial de cinco anos previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, que se funda na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, aos processos de contas que tenham por objeto o exame da legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as hipóteses em que comprovada a má-fé do destinatário do ato administrativo. (BRASIL, 2009, grifo nosso)

[18] Como exemplo: APELREEX 20608 / PE; APELREEX 9160 / AL.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Sá Costa

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente exerce o cargo de Procurador do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Paulo Henrique Sá. O princípio da proteção da confiança aplicado à Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5126, 14 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58790. Acesso em: 19 abr. 2024.

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