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O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista

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19/07/2017 às 16:15
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3.Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais

Esta Convenção se destaca, em seu artigo 7º[18], pelo mandado de criminalização da corrupção de agentes públicos estrangeiros. Sob as lentes da Convenção, no seio das transações comerciais internacionais, a corrupção de funcionários públicos estrangeiros ocasiona distorções econômico-financeiras no comércio internacional, fato este que merece repressão pelas leis nacionais, tal como os artigos 337-B, 337-C e 337-D preconizados no Código Penal Brasileiro[19].


4.A Política Externa de Combate à Corrupção como Mecanismo de Desenvolvimento Econômico

Independentemente da filiação partidária dos governos de ocasião, a política externa, enquanto política pública, que objetiva o desenvolvimento econômico, deve ser encarada como Política de Estado. Nessa diretriz, a lógica da autonomia pela distância[20] deverá ser intercambiada por uma agenda internacional proativa de integração na luta contra a corrupção, de modo a expandir a credibilidade de investimento internacional no Brasil.

Nesse seguimento, a diplomacia brasileira contribuiria para o estabelecimento de um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico pela moralização do sistema financeiro-comercial e pela recuperação de ativos, eixo da ação externa nas duas últimas décadas. O epicentro dessa atuação é o resgate da tendência de valorizar o peso do Brasil na economia mundial, a fim de fortalecer seu poder em negociações internacionais e valorizar a opinião pública em um contexto de crise econômica[21].

Observa-se, nesse trilhar, um protagonismo na busca da repressão aos atos de corrupção, com os consectários internos e internacionais, desde que esse tema entrou na agenda da política doméstica. Desse modo, notou-se que os escândalos internos de envolvimento de políticos com desvio de verbas públicas para paraísos fiscais gestaram o clamor social pela coordenação entre países na contenda contra essas práticas, mormente a lavagem de dinheiro.

Em arremate, Tullo e Gabriel[22] complementam que

Na década de 1990, como antecipava a teoria da interdependência complexa, pareceram ganhar peso questões econômicas, ambientais, comerciais, de competitividade, fluxos tecnológicos, investimentos, fluxos financeiros, direitos humanos e sociais, e temas que compõem o soft power de um país, contrastando com a aparente diminuição da importância dada à segurança internacional, fundamental na Guerra Fria.

De outro giro, o enfrentamento da corrupção foi alçado ao campo da política externa com o escopo de ampliar o leque de opções de contenção como novo desafio internacional. Logo, a ratificação das Convenções internacionais, já analisadas nos tópicos anteriores, teve eco na diluição das fronteiras entre a política interna e externa, reconhecidas como políticas públicas. Na esteira, André Luiz Coelho et alli[23] explicam que

o referido fenômeno da “pluralização de temas” se torna um elemento de dupla implicação: a) a internalização da política externa na agenda doméstica; b) a ampliação da cooperação para o desenvolvimento em diversas políticas governamentais [...] implicando um processo inédito de internacionalização dessas mesmas políticas públicas.

Em contrapartida, a luta contra a corrupção, no atual cenário de tecnologias da comunicação e de crises financeiras sistemáticas, demandou a solidariedade entre os países, tendo em vista seu caráter transnacional na maior parte dos casos. Por conta disso, propugna-se que a política externa de combate à corrupção seja considerada política de Estado, a fim de que as alterações na composição governista não alterem o andamento de sua implementação.

Nesse caminhar, incumbe visualizá-la como política pública repressiva e desenvolvimentista, com o intuito de impingir a tipificação na legislação nacional do crime de enriquecimento ilícito, uma vez que a previsão, de natureza cível, na lei de improbidade administrativa não se mostra suficiente para os fins das Convenções supra, bem como a incriminação da corrupção no setor privado.

De outro lado, nevrálgico analisar o papel dos partidos políticos, do Executivo[24] e do Legislativo[25] na formulação da política externa. Esse jogo de poderes traz à tona a questão: como os legisladores, intermediados pela ideologia partidária e o comando dos líderes, influenciam o processo legislativo relativo às políticas externas, como a aprovação de tratados e sua implementação no âmbito interno, necessidade esta salientada no parágrafo anterior.

De início, cabe consignar que Amâncio e Janina[26] diferenciam o instituto da disciplina partidária e coesão ideológica[27] nos seguintes termos:

Disciplina partidária é, como tradicionalmente definida, baixa dissidência nas votações legislativas. Coesão ideológica denota, no sentido oposto, consistência do legislador entre suas crenças a priori e posicionamentos expressos nas decisões legislativas.

Em suma, o ápice do combate à corrupção dar-se-á de modo mais pleno quando do isolamento da política externa das demandas conjunturais da política doméstica, de sorte a evitar o fenômeno da politização da política externa[28]. Assim, embora o contexto doméstico tenha sido precursor na definição positiva da política externa combativa em um primeiro momento, poderá colocá-la em cheque caso os interesses em jogo sofram reacomodações partidárias e lobistas.

Na outra ponta, na arena internacional de livre fluxo de capitais, o multilateralismo e a integração regional emergem como soluções parciais para hostilizar as deslealdades e distorções de ordem financeira-comercial determinadas por práticas corruptas. Contudo, para tal desiderato, pugna-se pela efetiva obediência aos mandados de criminalização ali dispostos, sem os quais a batalha contra a corrupção tornar-se-á em mero discurso retórico a demonstrar capacidade de ação ficta.

Nessa linha de intelecção, com base no escólio de Pierre Bordieu[29], há de se considerar que a internalização de tratados internacionais contra a corrupção exerce uma função simbólica de adiamento de conflitos e confirmação de valores constitucionais[30]. Isso pois tanto a Convenção de Mérida quanto a Convenção Interamericana preveem a criminalização do enriquecimento ilícito, e por não terem obtido até o momento a eficácia esperada, servem a propósitos políticos de divulgação da aparência de transparência e moralidade de um governo circunstancial.

Visto isso, impende ressaltar o entendimento de Marcelo Neves[31] sobre esse tipo de legislação,

O objetivo da legislação simbólica pode ser também fortificar “a confiança do cidadão no respectivo governo ou, de um modo geral, no Estado”. Nesse caso, não se trata de confirmar valores de determinados grupos, mas sim de produzir confiança no sistema jurídico-político. O legislador, muitas vezes sob pressão direta, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas. A essa atitude referiu-se Kindermann com a expressão "legislação-álibi". Através dela o legislador procura descarregar-se de pressões políticas e/ou apresentar o Estado como sensível ás exigências e expectativas dos cidadãos. Nos períodos eleitorais, p. ex., os políticos dão conta do seu desempenho, muito comumente, com referências à iniciativa e à participação no processo de elaboração de leis que correspondem às expectativas do eleitorado. É secundário aqui se a lei surtiu os efeitos socialmente "desejados", principalmente porque o período da legislatura é muito curto para que se comprove o sucesso das leis então aprovadas. Importante é que os membros do parlamento e do governo apresentem-se como atuantes e, portanto, que o Estado-Legislador mantenha-se merecedor da confiança do cidadão.

De outro giro, em sintonia com o já exposto, mister abordar que o desenvolvimento econômico sustentável[32], possibilitado pela política externa de redução da corrupção internacional, consubstancia-se em corolário da redução da pobreza mundial. Isso porque o desvio de recursos públicos afeta a capacidade de investimento do Estado nos direitos sociais, como saúde, educação e assistência social.

Em desfecho, vive-se um cenário de amplo desmantelamento da atuação do Estado em diversos segmentos sociais vulneráveis, como a contração dos benefícios assistenciais e previdenciários. Por todo o exposto até aqui, depreende-se que esse esforço inicial de recuperação de verbas públicas desviadas e estabilização das relações comerciais e financeiras constitui uma das condições de resgate da democracia e da justiça social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disseminação da corrupção, no âmbito privado e público, tem afetado a capacidade de investimento do Estado nos direitos sociais, ao mesmo tempo em que altera as condições perfeitas de concorrência internacional, com desgaste do sistema financeiro-comercial. Em vista disso, o desenvolvimento econômico sustentável necessitou da conjunção entre os países para extirpar essa prática da ordem internacional, como no caso de comércio transnacional e suborno a funcionários públicos estrangeiros.

Isso porque a ação restrita ao âmbito nacional não foi suficiente para a repressão desse fenômeno de cariz transnacional, notadamente por força do livre fluxo de capitais e da globalização. Assim, verificou-se que uma solução possível seria a inclusão da temática do combate à corrupção na agenda da política externa, com o objetivo de coordenar a ação interestatal.

Entretanto, muito embora esse esforço inicial tenha seu valor, pugnou-se pela efetiva implantação dos mandados de criminalização previstos nos instrumentos internacionais trabalhados neste artigo, marcadamente a Convenção de Mérida. Nessa perspectiva, importa consignar a pendência de tipificação na legislação brasileira dos crimes de enriquecimento ilícito e de práticas corruptivas na seara privada.

Nada obstante, enquanto se aguarda a movimentação do legislativo nesse sentido, espera-se que a política externa de luta contra a corrupção seja vista não só como política pública a atrair toda a ciência produzida sobre a disciplina, mas também como política de Estado. Em assim se procedendo, dificultoso restará o rompimento da continuidade do trabalho já feito no âmbito internacional, impedindo a denúncia dos tratados já ratificados.

Ao lado disso, ressaltou-se que a não observância à normatividade das Convenções já internalizadas (Decretos nº 5.687/06, 4.410/02 e 3.678/00) redundará na sua transformação em legislação-álibi, com o único intuito de fixar compromissos dilatórios e passar uma imagem de transparência e moralização. Esse processo, do qual não se é adepto, deve ser percebido sem desânimo, uma vez que já se identifica certo grau de vinculatividade e eficácia social, como diversas operações policiais, manejadas com a utilização de auxílio direto, que lograram a recuperação de ativos públicos e o repatriamento consecutivo.

Portanto, em um olhar prognóstico, aguarda-se que a segurança das instituições democráticas seja retomada com o fortalecimento dos mecanismos de controle e fiscalização dos fluxos financeiros internacionais. À mesma medida em que se espera, muito além de mera quimera, haja realmente um recrudescimento da assistência mútua entre as políticas externas dos diferentes países na direção da transparência dos gastos e ingressos públicos e privados.

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Sobre o autor
Lucas Medeiros Gomes

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros. O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5131, 19 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58794. Acesso em: 24 nov. 2024.

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