Ausência de legislação penal incriminadora aplicada ao crime praticado por embriaguez ao volante

30/06/2017 às 01:10
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Um olhar crítico sobre a necessidade de uma legislação especifica aplicada ao agente que bebe, mata e sai impunidade escorado na falácia jurídica da embriaguez fortuita, inconsciente e que não tinha a intenção de causar o evento morte.

AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO PENAL INCRIMINADORA APLICADA AO CRIME PRATICADO POR EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. “ACTIO LIBERA IN CAUSA” X CONDUTA CRIMINOSA. CONVENIÊNCIA LEGISLATIVA E OMISSÃO JURÍDICA.

Que o homicídio se referi ao tipo penal no caso de matar alguém, como crime, até o mais leigo, atrás do volante de um passat velho, como o engravatado atrás do volante de seu porsche Cayanne, sabe, isso é fato e inconteste, portanto, aplicável a todas as pessoas. Incoerente se torna a certeza da punição necessária devidamente aplicada em cada caso as consequências nefastas que a embriaguez ao volante acarreta, não ao agente, mas a vitima que tem sua vida interrompida e a família que se torna presa a dor e as mazelas que essa atitude irresponsável e criminosa pode causar.

A não aplicação de uma sanção punitiva mais eficaz e realmente dura, gera as muitas tragédias que diuturnamente acompanhamento nos relatos da mídia, negar isso é negar a própria existência. Tratar o criminoso como “coitado tutelado” do Estado e impor a vitima e a seus familiares e amigos o peso da impunidade e os tornarem os verdadeiros réus por desejarem uma resposta mais firme da justiça, é jogar no lixo a democracia processual do ordenamento jurídico.

Já afirmou o mestre Calmon de Passos¹: o "devido processo constitucional jurisdicional (como ele prefere designar), para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir."

Como falar em democracia, se somente um lado é punido, o da vitima, e o verdadeiro acusado, o autor, requer no melhor do que a lei proporciona ter respeitado seus direitos e garantido sua liberdade em nome de um estado involuntário do seu Eu, enquanto que paira a impunidade versus a dor causada por um crime. Tirar um vida é um crime!

Os reflexos dessas ações criminosas atrás do volante, praticadas por motoristas bêbados, escoradas na certeza da impunidade, faz com que a balança da justiça penda somente para um lado, enquanto que a balança da irracionalidade, impunidade e barbáries pendem favoravelmente confortável do lado dos seus agentes criminosos e seus defensores.

Inaceitável, porém, a sociedade e a mídia discutir “teses” baseadas em achismos acalorados ao momento da ação criminosa consciente praticada pelo motorista embriagado, ainda que, operadores da Ordem e operadores do direito discutem as formalidades processuais amparadas por um código obsoleto, tornando comum o que é condenável, fundamentando esse crime como algo digno de imputabilidade devido ao estado fortuito e involuntário do seu autor.

São teses permissivas como estas que fazem o parlamento brasileiro queda-se inerte frente ás avassaladoras ações criminais conscientes oriundas pela embriagues ao volante.

Interessante observar que os mesmos defensores desta imputabilidade ao motorista criminoso embriagado, são os mesmos que defendem uma punição mais severa ou não por crimes praticados por menores acobertados pelo manto vergonhoso do ECA, mais uma tragédia perpetuada pela omissão e ao mesmo tempo conivência Estatal.

A triste realidade que nos assola hoje, é que na verdade, inexiste uma legislação específica e eficiente aplicada ao crime praticado pelo motorista embriagado na condução do seu veículo, pois, ora, uma coisa a embriaguez fortuita e involuntária, a outra bem diferente é o sujeito, sair de sua casa, ir pra uma festa, bar ou algo similar onde ele faz ingestão consciente de bebida alcóolica, ciente também das consequências de sua atitude deliberada de faze-lo, alegar em sua defesa, que não teve intenção alguma de matar ao dirigir embriagado.

Não se discute aqui o fato da pessoa ter ou não direito a sua defesa, porque isso lhe é concedido constitucionalmente, como também é cediço constitucionalmente que a vida, o bem jurídico de maior relevância jurídica é também tutelado pelo direito e esta tem sua maior importância e prevalência sobre qualquer outro direito, pois está resguardada deste o ventre.

Se debruçando nos dispositivos jurídicos legais, vemos:

Consoante disposição do Código Civil Brasileiro, Lei n.º 10.406/2002², no caput do seu artigo 2º, “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe à salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Então, o que era importante, sagrado, tutelado, deixa de ser quando envolve um criminoso bêbado consciente de sua responsabilidade, assume o volante e mata?

Ora, antes de beber ele sabia muito bem as consequências de sua ação e escolha, tanto é que antes de sair de casa, verifica a documentação do veículo, checa se o carro tem combustível, tem o cuidado de saber onde tem e não tem blitz da lei seca e as demais providencias de praxe antes de incursionar na “balada”, então, depois que mata, ou seja, põe fim ao seguimento de uma vida, ele tornasse vitima e a vitima propriamente dita tornasse culpada por ter morrido e sua família e amigos penalizados pela omissão e iresponsabilidade Estatal, com  chancela do Judiciário e seus dogmas e formalismo processual, em nome da “actio libera in causa”.

Imperioso destacar que temos a legislação esdruxula que temos, porque os verdadeiros responsáveis não são punidos, pois, são permissivos e lenientes.

Vejamos um exemplo de referência jurisprudencial controvertida:

STJ, 6ª Turma, HC 180.978/MT, Rel. Min. Celso Limongi³, 09 fev. 2011.

“(…) Sabe-se que a embriaguez – seja voluntária, culposa, completa ou incompleta – não afasta a imputabilidade, pois no momento em que ingerida a substância, o agente era livre para decidir se devia ou não fazê-lo, ou seja, a conduta de beber resultou de um ato livre (teoria da actio libera in causa). Desse modo, ainda que o paciente tenha praticado o crime após a ingestão de álcool, deve ser responsabilizado na medida de sua culpabilidade. (…) Essa parte da ementa faz referência à liberdade para beber. Não é a isso que se refere a teoria que estamos analisando. É preciso que o agente seja livre para beber e pense no delito que vai cometer. A bebida serviria de estímulo, de coragem. O elo entre a bebida e o crime praticado depois tem que ficar provado. É nesse caso que se aplica a teoria citada.” –  Drº Luiz Flávio Gomes, Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Não estamos tratando aqui do “populismo penal”, porém, se discuti o fato de não haver uma legislação séria aplicável ao crime praticado em tela, pois existe um crime e um criminoso, pois evidencia disso são as inumeráveis vidas ceifadas por estes autores irresponsáveis, cientes, covardes, acobertados por um código penal morto, uma múmia de 1940 que deveria estar num museu, mas não, ainda encontra-se em voga em pleno século XXI, num País onde um próprio parlamentar dirigi bêbado, mata dois jovens, arrancando a cabeça de um que foi parar a metros de distância e tem a e conivência jurídica e Estatal em bom nome da impunidade.

Como que seremos levados a sério pela comunidade internacional, se não nos levamos a sério. Vivemos hoje, a pesar de toda evolução tecnológica, médica e cientifica, de forma obsoleta e medíocre, querendo nos inserirmos num contexto de País desenvolvido.

São exemplos de Países desenvolvidos que tratam da questão discutidas com a seriedade que deve lhe ser atribuída. Vejamos alguns:

Japão

Tolerância zero. Condutor que ingerir bebida alcoólica paga multa correspondente de até R$17.900, pode cumprir cinco anos de prisão e ter a habilitação suspensa permanentemente. Quem entrar em um veículo cujo motorista esteja alcoolizado, também é detido.

Rússia

A ingestão de qualquer quantidade de bebida alcoólica por motoristas na Rússia é vetada. Até mesmo os ciclistas poderão pagar multa de até 5 mil rublos (R$ 330). A reincidência pode resultar em pena de um ano de trabalho voluntário e suspensão da carteira de motorista por dez anos, ou ainda três anos de prisão e suspensão da carteira por dez anos. A punição para motoristas que provoquem acidentes de trânsito com morte pode chegar a 20 anos de prisão. O motorista reincidente, cuja carteira já tenha sido suspendida, será obrigado a refazer os exames para reaver o documento.

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França

Motoristas franceses flagrados com 0,5 gramas de álcool por litro de sangue já estão sujeitos às sanções. A multa é de 135 euros (R$ 350) e a carteira é suspensa por três anos. Em caso de acidentes com lesões graves, o motorista alcoolizado pode ser preso por cinco anos, arcar com uma multa de cerca de R$ 197 mil e ter a licença suspensa por 10 anos. Leis mais recentes obrigam bares e casas noturnas a terem Etilômetro à disposição dos clientes. A legislação é ainda mais rigorosa para quem acabou de tirar a carteira. Nos primeiros três anos de habilitação a perda da licença ocorre ao se atingir seis pontos. Além disso, os novos motoristas têm outras restrições nesse período, como limites de velocidade menores – 110 km/h em autoestradas e 80km /h em rodovias simples.

Espanha

Quem dirigir com taxa de 1,2 grama ou mais de álcool por litro de sangue perde a habilitação por até quatro anos e pode passar seis meses na prisão. Negar-se a fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue é crime punido com cadeia, de seis meses a um ano.

Inglaterra

Tolerância de até 8 decigramas de álcool por litro de sangue. Acima disso, multa é até o equivalente R$13.200 reais, suspensão da habilitação por até um ano e inclusão do nome do motorista em uma ficha criminal.

Estados Unidos

Em todo o continente é permitido até 8 decigramas de álcool por litro de sangue. Acima disso, a punição varia de acordo com a legislação de cada estado e inclui multa de até cerca de R$20.500 reais, prestação de serviços comunitários ou prisão de 6 meses e suspensão da habilitação por até cinco anos. Se o motorista alcoolizado causar acidente fatal, pode ser preso por até 10 anos.

Se não nos desvencilharmos da visão pejorativa de que o Brasil é o “País do oba-oba”, que tem um judiciário e ministros praticando advocacia pública na defesa de corruptos e bandidos, punindo exclusivamente “ladrão de galinha”, jamais seremos levados a sério.

As discursões sobre a aplicabilidade de uma legislação séria de tolerância zero com a embriaguez ao volante, deveria incluir, não só a restrição de dirigir e de liberdade, como principalmente o bloqueio de bens na esfera cível para indenização das vitimas e seus familiares, o tratamento em clinica especializada para tratamento de dependência química e a responsabilização objetiva do Estado pela liberação, permissão e legalização do comércio de álcool na sua tipificação e classificação como droga ilícita, pois está é capaz além de causar dependência, gerar danos e crimes na esfera jurídica penal.

Rafael Vinhas Silva – Jurista e Professor – Pós graduando em Docência no Ensino Superior – Pesquisador em psicologia jurídica aplicada ao direito penal na ausência de legislação especifica aplicada aos crimes oriundos de psicopatologias e dependência química.

Notas:

1. Direito, Poder, Justiça e Processo, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 68;

2. Código Civil Brasileiro, Lei n.º 10.406/2002;

3. STJ, 6ª Turma, HC 180.978/MT, Rel. Min. Celso Limongi;

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Sobre o autor
Rafael Vinhas

Bacharel em Direito. Faculdade Processus. Jurista. Professor de Direito Administrativo e Processo Penal. Pós graduando em Docência no Ensino Superior e Direito Penal. Assistente Judiciário - Defensoria Pública do Distrito Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O crescente número de assassinatos produzidos por motoristas embriagados frente a uma legislação de trânsito frágil e a ausência punitiva jurídico penal exemplar, causa sensação de impunidade e instabilidade jurídica nas relações sociais. Continuar sustentando a tese de dolo eventual e homicídio culposo ao agente condutor bêbado causador de tragédias é rir na cara da sociedade, banaliza a vida e expõe a fragilidade do ordenamento jurídico.

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