O militar estadual paraibano indiciado ou subjúdice pode ser transferido “ex-officio” para a reserva remunerada?

02/07/2017 às 20:35
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O militar estadual paraibano indiciado ou subjúdice pode ser transferido “ex-officio” para a reserva remunerada? Deve ser aplicada a disposição do art.393 do CPPM ou as disposições da lei estadual específica prevista no art.42, § 1º da CF/88.

1. Introdução (a razão de ser do artigo)

A razão que me levou a tratar do assunto deve-se ao fato da abordagem levada a efeito pelo policial militar paraibano Amilcar J. Klein, em interessante artigo publicado no site Jus Navigandi (KLEIN, Amilcar J. O art. 393 do CPPM e as disposições da Lei nº 3.909/1977 à luz da Constituição Federal de 1988Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 509917 jun. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58481>. Acesso em: 28 jun. 2017) e também pelo fato do tema ter propiciado discussões entre os militares paraibanos que são provocados à reflexão acerca do mesmo.

2. A Constituição Federal e as hipóteses de transferência de militar para a inatividade

A própria Constituição Federal cuidou de prevê algumas hipóteses que determinam a transferência dos militares das Forças Armadas para a reserva. Estas disposições são aplicáveis aos militares do Estado da Paraíba por força do disposto no Art.42, § 1º:

            Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.(g.n)

As hipóteses previstas no texto constitucional são as seguintes:

a) em virtude da diplomação em cargo eletivo (Art.14, § 8º, II, CF c/c Art.90, IV e V da Lei nº 3.909/1977): nesse caso o militar será transferido para reserva remunerada com os proventos proporcionais ao respectivo tempo de serviço;

b) em razão de ter tomado posse em cargo ou emprego público civil permanente (Art.142, § 3º, III): nesse caso o militar será demitido ou licenciado sem direito à remuneração e sua situação militar será definida pela Lei do serviço Militar[1]

c) pelo fato de ter tomado posse cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, cujo afastamento na condição de agregado seja superior (por período contínuo ou não) há dois anos (Art.142, § 3º, III): nesse caso o militar será transferido para reserva remunerada com a percepção de proventos proporcionais ao respectivo tempo de serviço[2].

3. O tratamento infraconstitucional da transferência para a reserva (remunerada ou não) do militar estadual paraibano

Ultrapassadas as hipóteses constitucionais expressamente previstas acerca das hipóteses de inatividade dos militares, resta verificar qual deve ser a legislação que deverá tratar do tema no plano infraconstitucional.

A resposta mais uma vez encontra-se no próprio texto da Constituição Federal. Por oportuno pedimos vênia para transcrever novamente o Art.42, § 1º:

            Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.(g.n)

Para efeito de verificação da remissão da parte destacada (grifada) transcreveremos o texto do Art.142, § 3º, X da CF:

A lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.

Como se verifica por força de disposição do texto constitucional a lei (plano infraconstitucional) que deve tratar acerca das matérias arroladas – ingresso, limites de idade, estabilidade, transferência para inatividade, direitos, deveres, remuneração, prerrogativas e situações especiais dos militares, deve ser uma lei estadual específica.

Discorrendo acerca do ponto, Jorge Cesar de Assis ensina que “A lei referida na CF é a 6880/80 – Estatuto dos Militares, ou a lei estadual, nos mesmos termos, como a que previu, igualmente o § 1º, do art. 42, da Carta Magna”[3].   

3. A restrição do art. 393 do CPPM

Se a Constituição Federal expressamente dispôs acerca de determinadas hipóteses de transferência do militar estadual para a inatividade e ao mesmo tempo determinou que lei estadual específica dispusesse sobre “outras condições de transferência do militar para a inatividade” que tratamento deve receber o art. 393 do Código de Processo Penal Militar[4]?

  O Art.393 do CPPM veicula expressa disposição de proibição de transferência para a reserva por parte do oficial que estiver processado ou sujeito a inquérito policial militar nos seguintes termos, in verbis:

Art. 393. O oficial processado, ou sujeito a inquérito policial militar, não poderá ser transferido para a reserva, salvo se atingir a idade-limite de permanência no serviço ativo.

Como se percebe a vedação é total, quer seja a pedido do militar interessado ou por ato de ofício da própria administração. Diante desse contexto e antes de adentrarmos especificamente no tema em si, faremos o seguinte questionamento: o militar estadual indiciado ou subjúdice pode (se preenchidas as demais condições) se candidatar a cargo eletivo e for eleito será transferido no ato da diplomação para a inatividade ou continuará na ativa até atingir a idade-limite de permanência no serviço ativo[5]?

Pois bem retornando ao ponto, podemos sintetizar o aspecto restritivo do dispositivo legal da seguinte forma:

a) em se tratando de crime militar: basta a existência de mero inquérito policial militar – IPM para que o óbice à transferência para a reserva ocorra;

b) no caso de crime comum: o simples IPM não constitui óbice, sendo necessário que o militar esteja processado (denúncia recebida) para que a sua transferência para a reserva seja vedada.

Entretanto o art.393 do CPPM apresenta uma ressalva. Independentemente da condição de estar sujeito a inquérito policial militar – IPM ou processado na justiça militar ou na justiça comum, o oficial poderá ser transferido para a reserva, se vier a atingir a idade limite de permanência no serviço ativo.

Importante frisar que o CPPM não prevê óbice semelhante relativamente ao pleito de transferência para a reserva (remunerada ou não ) dos militares que não são oficiais, ou seja, das praças[6].

4. O art. 393 do CPPM é uma norma geral de organização das polícias militares e corpos de bombeiros militares?

Têm que defenda a ideia de que o art.393 do CPPM veicula uma norma geral de organização dos policiais das polícias militares e corpos de bombeiros militares. Mas será mesmo?

De acordo com o Art.22, XXI Compete privativamente à União legislar sobre    “ normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares”.

A pergunta que se faz é: estaria a União através da disposição do Art.393 do CPPPM legislando sobre norma geral de organização das instituições militares estaduais? Para responder a pergunta nada melhor do que verificar qual é a espécie normativa que veicula essas “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares”. E a resposta remete ao artigo 1º, caput do Decreto-Lei nº 667/1969, in verbis:

“As Polícias Militares consideradas fôrças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste Decreto-lei”.

É interessante observar que o DL nº 667/69 já remete a legislação estadual o tratamento de determinadas matérias, tais como os direitos, que como se sabe inclui a promoção e passagem para a inatividade, senão vejamos:

 Art 24. Os direitos, vencimentos, vantagens e regalias do pessoal, em serviço ativo ou na inatividade, das Polícias Militares constarão de legislação especial de cada Unidade da Federação, não sendo permitidas condições superiores às que, por lei ou regulamento, forem atribuídas ao pessoal das Fôrças Armadas. No tocante a cabos e soldados, será permitida exceção no que se refere a vencimentos e vantagens bem como à idade-limite para permanência no serviço ativo.(g.n)

            Por sua vez, o Decreto no 88.777/1983, que regulamenta o DL nº 667/69, assim determina em seu art. 43, caput:   

Art . 43 - Os direitos, remuneração, prerrogativas e deveres do pessoal das Polícias Militares, em serviço ativo ou na inatividade, constarão de legislação peculiar em cada Unidade da Federação, estabelecida exclusivamente para as mesmas. Não será permitido o estabelecimento de condições superiores às que, por lei ou regulamento, forem atribuídas ao pessoal das Forças Armadas, considerada a correspondência relativa dos postos e graduações. (g.n)

Como se verifica o Decreto-Lei nº 667/1969 assim como o Decreto no 88.777/1983 estabelecem que determinadas matérias, dentre as quais os direitos (promoção, passagem para inatividade, remuneração, etc) dos militares estaduais devem ser tratados em lei estadual de cada unidade da Federação.  

5. O art. 393 do CPPM é uma norma geral de natureza previdenciária?

Realmente há quem defenda essa concepção, ou seja, que o art. 393 do CPPM é uma norma geral de natureza previdenciária, apesar de veiculada em norma processual penal militar.

Tal argumento passa pela constatação de que a competência para legislar acerca de previdência social é concorrente cabendo à União estabelecer as normas gerais (Art.24, XII, § 1º, CF). Portanto o art.393 do CPPM trata de norma geral de previdência social. Mas será que tal construção argumentativa tem coerência?

Muito provavelmente quem defende tal argumento não têm o menor conhecimento acerca do que é previdência social, é o mínimo que podemos dizer com a elegância que esse artigo merece e o respeito que é devido aos eventuais leitores.

O espírito da previdência social está estampado na Constituição Federal no art.201, que remete ao seguinte texto:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada:

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante:

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário:

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda:

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.

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§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

Como se percebe, é tão estapafúrdia essa alegação de que o art.393 do CPPM trata de norma geral de previdência social que não vamos acrescentar nenhum outro ponto.            

6. Qual dispositivo legal se aplica para efeito de transferência para a reserva do militar estadual indiciado ou subjúdice: o art. 393 do CPPM ou a lei estadual específica reclamada pela Constituição Federal de 1988?

            Antes de tudo, adianto que a minha argumentação leva em consideração o respeito às disposições estampadas na Constituição Federal de 1988 notadamente no diz respeito à repartição de competências.

            Como dito à exaustão, a Constituição Federal foi taxativa no tocante ao comando de que determinadas matérias relativamente aos militares estaduais sejam tratadas no plano legislativo do respectivo ente estatal. É o que é possível extrair da redação do Art.42, § 1º, que é expressa no sentido de que cabe a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X.

            Partindo do ponto que a disposição do art.393 do CPPM tratou somente da restrição da transferência para a reserva do oficial que estiver processado ou sujeito a inquérito policial militar e não fez qualquer referência às praças, penso que é coerente fazer a análise do referido dispositivo legal em confronto com o instituto jurídico da revogação.

            O CPPM entrou em vigor em 1º de janeiro de 1970 (Art.718) enquanto que o Decreto no 88.777 (que regulamentou o Decreto-Lei nº 667/1969), entrou em vigor em 1983. Chamo a atenção para o fato do Art . 43, caput do Dec.nº 88.777 ter previsto que       “os direitos, remuneração, prerrogativas e deveres do pessoal das Polícias Militares, em serviço ativo ou na inatividade, constarão de legislação peculiar em cada Unidade da Federação, estabelecida exclusivamente para as mesmas”.    

            Por sua vez a Lei estadual nº 3.909 entrou em vigor em 1977 (Estatuto dos Militares do estado da Paraíba) regulando todas as condições de transferência para a inatividade (com exceção daquelas previstas no texto constitucional) de todos militares estaduais, ou seja, os oficiais e as praças.

             A regra da revogação no nosso ordenamento jurídico está prevista no Decreto-lei nº 4.657/1942 (A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro de acordo com a Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010) da seguinte forma:  

Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.        

§ 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

            Mas uma lei estadual pode revogar um dispositivo contido numa lei federal? Excelente pergunta, mas cuja resposta para o deslinde da questão central deste artigo é irrelevante, diante da conjugação do comando constitucional (exigência de lei estadual específica) com a regra jurídica que disciplina o instituto da revogação.

            Finalizando o ponto: se for reconhecida a eficácia jurídica da disposição do Art. 42, § 1º da Constituição Federal de 1988 a disposição legal que regulamenta a matéria é a lei estadual específica, porque revogou (e foi recepcionada) por força do comando constitucional de acordo com os termos da disciplina do referido instituto (revogação) a disposição contida do art.393 do CPPM[7].   

             

Conclusão

Para não ser dogmático (convicto que me entendem) e considerando que já expus o meu entendimento de acordo com os fundamentos apresentados, pergunto ao leitor: O militar estadual paraibano indiciado ou subjúdice pode ser transferido “ex-officio” para a reserva remunerada?  O art. 393 do CPPM é uma norma geral de organização das polícias militares e corpos de bombeiros militares? O art. 393 do CPPM é uma norma geral de natureza previdenciária? O comando constitucional que exige lei estadual específica para a disciplina de determinadas matérias (transferência de militar estadual para a reserva) têm eficácia jurídica? Se essa eficácia jurídica for reconhecida e uma vez conjugada com o instituto jurídico da revogação, qual legislação deve prevalecer no tocante à transferência do militar estadual para a reserva? O art.393 do CPPM que trata de forma pontual e exclusiva a restrição relativa ao oficial processado ou sujeito a IPM ou a lei estadual específica que regula toda a matéria descendo às minúcias e abrangendo a toso indistintamente, quer seja oficial ou praça? Afinal qual dispositivo legal se aplica para efeito de transferência para a reserva do militar estadual indiciado ou subjúdice: o art. 393 do CPPM ou a lei estadual específica reclamada pela Constituição Federal de 1988?

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[1] Desde que o militar não seja da área de saúde e a acumulação não ocorra com prevalência da atividade militar.

[2] Desde que o militar não seja da área de saúde e a acumulação ocorra com prevalência da atividade militar.

[3] In LEGITIMIDADE DO OFICIAL SUBJUDICE PARA O EXERCÍCIO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR.

[4] Decreto-Lei nº 1.002/1969.

[5] O militar na inatividade estará na reserva ou reformado.

[6] Como disse Amilcar, o CPPM nesse ponto, só vale para os Oficiais.

[7] “...Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam.” in TEMER, Michel. Elementos do direito constitucional. 14ª Ed. revista e ampliada, Malheiros, 1998, pg. 23.

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Sobre o autor
Francisco Xavier da Silva

Bombeiro militar do Estado da Paraíba.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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