Medida provisória:pertinência temática das emendas.

Impacto do julgamento da ADI 5127/DF

04/07/2017 às 19:42
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É provável que a jurisprudência do STF exerça influência no processo de análise das medidas provisórias, em especial no tocante à pertinência temática das emendas. Mas já se observa um gradual processo de mudança. Apesar disso, o fator preponderante para a definição dos procedimentos ainda é a decisão política de cada uma das Casas, principalmente dos seus presidentes.

Dentre as proposições legislativas que podem impactar o ordenamento jurídico brasileiro, talvez a mais discutida seja a medida provisória, especialmente por ser esta uma proposição cuja iniciativa cabe ao Poder Executivo e não ao Poder Legislativo. Contudo, quem acompanha a tramitação das medidas provisórias – MPV, no legislativo, sabe que é grande a possibilidade de interferência dos parlamentares no processo, principalmente, através da apresentação e aprovação de emendas ao texto principal. Serão estas emendas o objeto do presente texto, mais especificamente, a discussão sobre a necessidade de pertinência temática das mesmas, que foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal - STF no julgamento da ADIN 5127/DF, realizado em 15 de outubro de 2015.

Diz o referido julgado que:

Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória1.

Assim, o STF reforça uma crítica já pacífica na doutrina contra os chamados contrabandos legislativos, o que é vedado pela Lei Complementar 95/1998 em seu artigo 7, inciso II. No caso da medida provisória, é mais grave em função do poder de iniciativa para a referida proposição ser uma prerrogativa do Poder Executivo, que deve limitar o seu uso a casos excepcionais e não para legislar sobre qualquer tema.

Observa-se, ainda, que a discussão sobre a pertinência temática das emendas apresentadas às medidas provisórias é antiga. Um outro marco importante sobre a matéria foi o julgamento da ADI 865-MC/MA de 1994 em que o STF declarou a legitimidade de alteração do texto original da medida provisória através do emendamento. No âmbito estadual, pode-se citar os seguintes julgamentos sobre a necessidade de pertinência temática das emendas: a ADI 546/DF de 1999 e ADI 4433/SC de 2010. Além destes, cita-se a ADI 1333/RS de 2014 que tratava da pertinência de emenda à projeto de lei federal. Finalmente, é importante citar o julgamento da ADI 4029/DF de 2012 que determinou a obrigação do exame prévio das medidas provisórias e suas respectivas emendas por uma Comissão Mista do Congresso Nacional;

Sendo assim, após o julgamento da ADI 5127/DF, seria esperado uma redução no número de emendas apresentadas sem pertinência temática com a matéria principal. Esta crença se fundamenta na ideia de que a influência dos parlamentares não pode ultrapassar os limites definidos pela Carta Magna e transformar um mecanismo excepcional em um “atalho” para a criação de normas legais.

Para avaliar a referida hipótese realizamos uma pesquisa, nos sítios da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que envolveu a análise de 106 medidas provisórias. Destas 62 (sessenta e duas) foram aprovadas após o julgamento da ADI 5127-DF e 44 (quarenta e quatro) antes deste. Estas proposições se referem a todas as medidas provisórias apresentadas em 2014, 2015 e às medidas provisórias de 2016 aprovadas até dezembro do referido ano.

Como já dito, o nosso objetivo foi avaliar o impacto do referido julgado na prática legislativa federal. Dado a quantidade de emendas apresentadas em cada medida provisória, número que frequentemente ultrapassa as centenas, não foi possível efetuar a análise individual de cada uma. Sendo assim, definimos 3 três marcos do processo de tramitação das medidas provisórias e buscamos mensurar a rejeição das emendas por falta de pertinência temática antes e depois do julgamento do STF, conforme será explicado posteriormente.

Todavia, antes de avançarmos, é preciso lembrar que uma medida provisória é proposta pelo Presidente da República em casos de relevância e urgência e que a mesma segue rito definido pelo artigo 62 da Constituição Federal e pela Resolução 1/2002 do Congresso Nacional.

Conforme a legislação citada, a medida provisória começa a ser analisada por uma comissão mista de deputados e senadores, e pode demandar a deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Se for rejeitada em qualquer uma destas etapas, é arquivada. Se aprovada sem alteração, é transformada em Lei. Se aprovada com a inclusão de emendas parlamentares, passa a ser denominada projeto de lei de conversão e deve ser encaminhada para sanção ou veto do chefe do Poder Executivo. As emendas parlamentares devem ser apresentadas nos seis primeiros dias após a publicação da MPV. Os projetos de lei de conversão representam a grande maioria das medidas provisórias que se transformam em Lei. E, finalmente, temos que o prazo total para conclusão da tramitação medida provisória no legislativo é de 120 dias, o que normalmente significa uma tramitação muito mais rápida do que os demais tipos de proposições legislativas.

Assim, retomando os dados sobre a pesquisa, tem-se que os 3 (três) marcos escolhidos foram: o relatório da comissão mista e o controle preliminar sobre a pertinência das emendas realizado pelos Presidentes da Câmara e do Senado. Este controle preliminar tem origem na resposta a questão de ordem 478, respondida em 2009 pelo Presidente da Câmara dos Deputados, porém este procedimento nem sempre foi seguido pelos presidentes posteriores.

Na Comissão Mista buscou-se identificar se o relatório apresentado pelo relator citou expressamente ou não a falta de pertinência temática como justificativa para rejeição de algumas das emendas apresentadas e o resultado foi que antes da ADI 5127/DF em 69% dos relatórios houve caso de emendas rejeitas com a referida justificativa. Após o julgamento o percentual foi igual a 80%.

Dando prosseguimento à pesquisa verificamos que o percentual de relatórios, com análise prévia do Presidente da Câmara dos Deputados em relação aos pressupostos constitucionais das medidas provisórias, e expressa manifestação sobre a pertinência temática das emendas, foi de 41% antes do julgamento e de 48% depois. Ou seja, não houve uma variação significativa. Lembrando que como já comentado nem todos os presidentes seguiram este rito definido em 2009.

Todavia, no Senado federal a variação foi de 0% a 87%. O Senado Federal não incluía na sua análise prévia sobre os pressupostos constitucionais a relevância temática das emendas e este entendimento, mesmo que não em 100% dos casos, passou a ser adotado somente após a ADI 5127-DF.

O pronunciamento prévio do Presidente da Câmara, assim como o do Senado Federal, sobre a adequação das emendas, favorece um maior controle das mesmas, já que, para se mantê-las (quando consideradas inadequadas) no texto a ser votado, passa a ser necessário o apoio da maioria dos parlamentares presentes a sessão. Por outro lado, na sistemática anterior seria preciso uma mobilização política significativa para a sua retirada do texto.

O fundamento para a atuação do Presidente do Senado Federal se encontra no artigo 48 do seu Regimento Interno que diz:

Art. 48 – Ao presidente compete:

{...}

XI - impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. (BRASIL, 1970)2.

Na mesma linha, o artigo 125 do Regimento Interno da Câmara determina:

Art. 125. O Presidente da Câmara ou de Comissão tem a faculdade de recusar emenda formulada de modo inconveniente, ou que verse sobre assunto estranho ao projeto em discussão ou contrarie prescrição regimental. No caso de reclamação ou recurso, será consultado o respectivo Plenário, sem discussão nem encaminhamento de votação, a qual se fará pelo processo simbólico (BRASIL 1989)3.

Por outro lado, aqueles que defendem que o controle preliminar sobre a pertinência temática das emendas apresentadas às medidas provisórias não deve ser feito pelos presidentes das Casas Legislativas do Congresso, buscam seu fundamento no parágrafo 4º do artigo 4º da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso Nacional que prescreve:

Art. 4º Nos 6 (seis) primeiros dias que se seguirem à publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União, poderão a ela ser oferecidas emendas, que deverão ser protocolizadas na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal.

{...}

§ 4º É vedada a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar4.

Entretanto, em termos práticos os dados coletados demonstram que o presidente da comissão mista não tem força política para exercer a competência que lhe foi atribuída pois não foi localizado no período analisado nenhum caso em que este tivesse atuado.

Assim, conclui-se que a jurisprudência do STF exerce influência no processo de análise das medidas provisórias, em especial no tocante a pertinência temática das emendas. Mas o processo de mudança tem sido gradual. De um total de 27 medidas provisórias observadas em 2013, 44% tiveram relatório apresentado na comissão mista com questionamento expresso a pertinência temática das emendas. Como visto, em 2014 o percentual subiu para 69% e em 2015 para 80%.

Contudo o fator preponderante para a definição dos procedimentos ainda é a decisão política de cada uma das Casas, principalmente dos seus presidentes. Assim, para uma maior segurança, pretende-se ampliar a pesquisa para um período de tempo maior, para que possa englobar diferentes mandados.


NOTAS

1BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 5127/DF. Pleno. Requerente: Confederação Nacional das Profissões Liberais. Requerido: Congresso Nacional. Relator do Acordão: Edson Fachin. Brasília, 15. De outubro de 2015. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10931367> Acesso em 19 set. 2016

2BRASIL, Resolução 93/1970. Regimento Interno do Senado Federal. Disponível em < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/regimento-interno#/>. Acesso em 11 nov. 2016

3BRASIL, Resolução 17/1989. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Disponível em < http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/18847/>. Acesso em 11 nov. 2016

4BRASIL, Resolução 1/2002. Regimento Interno do Congresso Nacional. Disponível em <http://www.congressonacional.leg.br/portal/publicacoes/resolucoes-congresso-nacional>. Acesso em 11 nov. 2016


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 nov. 2016.

BRASIL, Câmara dos Deputados. Questão de Ordem 478/2009. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/buscaQordem/>. Acesso em 11 fev. 2017

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BRASIL, Câmara dos Deputados. Base de dados para consulta à Medidas Provisórias. Disponível em: <http://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/pesquisaSimplificada/>. Acesso em 31 mar. 2017

BRASIL. Lei Complementar 95 de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 nov. 2016.

BRASIL, Senado Federal. Base de dados para consulta à Medidas Provisórias. Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias>. Acesso em 31 mar. 2017

BRASIL, Resolução 1/2002. Regimento Interno do Congresso Nacional. Disponível em <http://www.congressonacional.leg.br/portal/publicacoes/resolucoes-congresso-nacional>. Acesso em 11 nov. 2016

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BRASIL, Resolução 93/1970. Regimento Interno do Senado Federal. Disponível em < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/regimento-interno#/>. Acesso em 11 nov. 2016

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 865 MC/MA. Pleno. Requerente: Procurador Geral da República. Requerido: Governador do Estado do Maranhão e Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão. Relator: Celso de Mello. Brasília, 07, de outubro de 1993. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28865.NUME.+OU+865.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/yafvkbsc>. Acesso em 20 abr. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 546/DF. Pleno. Requerente: Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Requerido: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Moreira Alves. Brasília, 11, de março de 1999. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em 20 abr. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 4029/AM. Pleno. Requerente: Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Requerido: Presidente da República. Relator (a): Luiz Fux. Brasília, 08, de março de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%284029.NUME.+OU+4029.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y78qewdr>. Acesso em 19 set. 2016

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 1333/RS. Pleno. Requerente: Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Requerido: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Relator (a): Cármen Lúcia. Brasília, 29, de outubro de 2014. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em 09 mar. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 4433/SC. Pleno. Requerente: Governador do Estado de Santa Catarina. Requerido: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Relatora: Rosa Weber. Brasília, 11, de março de 1999. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%284433.NUME.+OU+4433.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ycfvh72b>. Acesso em 20 abr. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 5127/DF. Pleno. Requerente: Confederação Nacional das Profissões Liberais. Requerido: Congresso Nacional. Relator do Acordão: Edson Fachin. Brasília, 15. De outubro de 2015. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10931367> Acesso em 19 set. 2016

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Sobre o autor
Eduardo Botelho

Sou pós-graduado em direito tribubário e atualmente trabalho na área de Relações Governamentais.

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