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Dos diplomas legais a respeito da desconsideração da personalidade jurídica

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Conclusão

A pessoa jurídica é umas das criações humanas mais importantes no que concerne não apenas aos fins empresariais, mas principalmente aos fins sociais. A distinção e a autonomia patrimonial entre a sociedade e seus componentes têm se mostrado essencial para a evolução econômica, daí ter este princípio protegido por diversos ordenamentos jurídicos.

Contudo, a personalidade jurídica não pode ser vista como uma concessão legal absoluta. Diante da fraude, do abuso de direito e da confusão patrimonial, o juiz, em seu cauteloso arbítrio, pode desconsiderar a personalidade jurídica no caso concreto, responsabilizando o administrador que ludibria o credor sob o manto protetor da pessoa jurídica.

A pessoa jurídica não é um ente completo, posto que apenas o ser humano possui potencialidade para plena autonomia. Assim, a sociedade é dependente das decisões daqueles que a gerenciam. Por esta razão, diversos diplomas legais prevêem a responsabilidade do administrador por ilícitos praticados no exercício da empresa.

Importante ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica visa a proteção das relações que envolvam o uso abusivo da pessoa jurídica. Os atos contrários à lei praticados pelo administrador são punidos por previsões legais específicas, sendo que caberá a disregard doctrine (termo inglês originário da teoria da desconsideração) quando o ilícito ocorrer no uso abusivo da pessoa jurídica.

Muito tem se discutido sobre como caracterizar este uso abusivo da personalidade jurídica. Rubens Requião, precursor da teoria da desconsideração no ordenamento jurídico brasileiro, propôs como seus pressupostos, a fraude e o abuso de direito. Contudo, por estes não abrangerem a situação dos grupos de empresa plenamente, pela doutrina de Fábio Konder Comparato, pode-se acrescer ainda a confusão patrimonial como condição para a aplicação deste remédio processual.

A desconsideração da personalidade jurídica não significa o fim da pessoa jurídica. Trata-se de uma incidência episódica pela qual o ato é ineficaz em relação à sociedade, alcançando o real obrigado na relação jurídica, qual seja, o administrador.

Alguns dispositivos legais são citados como previsões legais da desconsideração da personalidade jurídica. O Código Tributário Nacional, por exemplo, não traz previsões para aplicação desta teoria, mas sim de responsabilização do administrador por ato ilícito. A Lei de Execuções Fiscais dispensa tratamento semelhante. O mesmo acontece com o art. 82 da Lei de Recuperação Judicial e Falência, conforme também ocorria com o art. 6° do Decreto-lei 7.661/45.

Previsão distorcida está no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, o qual, na afoita vontade de proteger o consumidor, atenta ao próprio instituto da pessoa jurídica. Próxima da disregad doctrine está na Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a desconsideração em casos de grupo de empresas, porém, independentemente de confusão patrimonial. Sem dúvida, ainda dependente da interpretação dos tribunais, mas legítima quanto à desconsideração, é o art. 50 do Novo Código Civil, advindo da sugestão do próprio Rubens Requião.

A teoria da desconsideração não é um instrumento para desapropriar o administrador, tampouco para obter sua responsabilização pelas obrigações da empresa, sob pena de encaminhar-se para o fim da personalidade jurídica da sociedade. Trata-se de um remédio para o uso abusivo da pessoa jurídica, pelo qual se busca responsabilizar quem realmente obrigou-se no negócio, superando a aparência enganosa e preservando-se a lealdade nas relações jurídicas empresarias, tão ausente em nossos dias.


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Notas

[1] DENARI, Zelmo. Código  brasileiro  de  defesa  do consumidor - comentado  pelos  autores  do  anteprojeto,p. 212.

[2] SILVA, Osmar Vieira da, op. cit., p. 137-138.

[3] OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa. A dupla crise da pessoa jurídica, p. 520.

[4] KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante, op. cit., p. 164.

[5] PACHECO, José da Silva. Comentários á lei de execução fiscal, p. 71.

[6] COMPARATO, Fábio Konder, op. cit., p. 361.

[7] SILVA,  Osmar Vieira da, op. cit., p. 136.

[8] KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante, op. cit., p. 175.

[9] VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências,  v. 1, p. 400.

[10] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar,  v. 1, p. 236-237.

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Sobre os autores
Lilian Cavalieri Ito

Advogada. Pós graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Michel Ito

Procurador do Município de Diadema. Diretor do Departamento de Rendas do Município de Diadema. Pós graduado pela Faculdade Damásio de Jesus e pela Faculdade Internacional Signorelli. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ITO, Lilian Cavalieri ; ITO, Michel. Dos diplomas legais a respeito da desconsideração da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5136, 24 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58982. Acesso em: 19 mai. 2024.

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