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Da venda sobre documentos no novo Código Civil

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08/11/2004 às 00:00
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9. Intervenção de estabelecimento bancário

Na prática, por comodidade ou por franquear maior segurança ao negócio, sói intervir um estabelecimento bancário.

Essa intervenção de instituição bancária obedece ao que dispõe o art. 532, caput, que lhe comete a incumbência de receber os documentos do vendedor, conferir-lhes a regularidade formal, e, por conta do comprador, efetuar o pagamento, sem imiscuir na verificação física da coisa, seja sobre seu estado ou qualidade, seja sobre sua existência.

Conhecida como crédito documentário, o banco estabelece relação jurídica com o comprador — seu cliente — por meio de um contrato, que pode ser de abertura de crédito ou de ordem de pagamento a ser efetuado em favor do vendedor contra apresentação dos documentos exigidos no contrato de compra e venda.

Tem-se assim uma relação triádica. Muitos classificam a intervenção do banco como delegação, outros como estipulação em favor de terceiro, mas nos parece, e até mesmo em vista do nosso ordenamento jurídico, a figura que mais se aproxima é a do mandato. Tampouco concordamos que haja relação jurídica triádica, pois o banco não tem nenhum interesse na coisa ou no contrato de compra e venda que a tenha como objeto, o qual afeta somente às partes contraentes.

Porém, dependendo da forma da intervenção do banco os efeitos que produz terão maior ou menor extensão. Se o faz apenas comunicando ao vendedor o crédito e a conferência dos documentos a serem realizados pelo próprio banco, sua responsabilidade não vai além disso. Poderá recusar o pagamento e o vendedor nada poderá fazer contra o banco, devendo insurgir-se contra o comprador.

Se, porém, confirmar o crédito para o vendedor, aí estando em ordem os documentos e recusando-se a pagar, responde solidariamente ao comprador, podendo opor a exceções que este oporia e aquelas referentes ao negócio jurídico da confirmação do crédito (que vincula o banco ao vendedor-credor).

De qualquer modo, havendo intervenção de estabelecimento bancário, o vendedor somente poderá voltar-se contra o comprador após o banco recusar-se a efetuar o pagamento.


10. Conclusão

A cláusula especial da venda sobre documentos não é de todo inusitada. Nova é a regulamentação a ela conferida pelo novo Código Civil.

Conquanto os esforços do legislador, certamente muitas questões ficarão a cargo da jurisprudência, v.g. a aplicação analógica do art. 531, in fine.

Como cláusula especial, prevalece sobre as cláusulas gerais que com ela se não harmonizem.

Os usos podem ensejar a exceção do contrato inadimplido a ser manejada pelo comprador sempre que dentre os documentos, ainda que não esteja expresso no contrato, falte algum cuja exigência decorra da praxis, com a conseqüente retenção do preço, deixando de efetuar o pagamento sem que isto o faça incorrer em mora.

Embora o instituto da venda sobre documentos esteja muito mais voltado para conferir presteza e a agilidade às operações mercantis, as quais com a revogação da Parte Primeira do Código Comercial passam a ser reguladas pelo novo Código Civil, admite, outrossim, seja praticada por qualquer pessoa, independentemente de ser ou não comerciante, figura aliás que deixa de existir na nova ordem jurídica, cedendo seu lugar à do empresário.


Bibliografia:

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BAPTISTA, Luiz Olavo. "O Crédito Documentário". Revista do Advogado. São Paulo: AASP, n. 8, p. 48-53, 1982.

CIAN, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario breve al codice civile. Padova: Cedam, 1981.

COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Leud, 2001.

GALGANO, Francesco. Diritto civile e commerciale. Padova: Cedam, 1990, v. II, t. II.

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GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. (atualizador: Humberto Theodoro Júnior). Rio de Janeiro: Forense, 1998.

LABATUT, Ênio Neves. Teoria e prática de comércio exterior. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 1990.

LIMA, Pires de; VARELA, Antunes. Código civil anotado. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, v. II.

MINERVINI, Nicola. O exportador. São Paulo: Makron, McGraw-Hill, 1991.

RUBINO, Domenico. Compravendita. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1971.


Notas

(1)A palavra sistema está aqui empregada com semântica estreita para significar apenas sistema jurídico, do qual fazem parte os aparatos criadores e aplicadores, bem como o próprio ordenamento jurídico em si mesmo considerado, desprezando-se aqueles elementos que, segundo algumas doutrinas modernas mantêm permanente interação com esses aparatos informando a nomogênese.

(2)Sociedade no sentido jurídico do termo.

(3) Código Civil de 1916 combinado com Código Comercial de 1850.

(4)O Código Civil Italiano de 1942 disciplina a venda sobre documentos no § 4, da Seção II - Da venda de coisa móvel, do Capítulo I - Da venda, do Título III - Dos contratos singulares, do Livro Quarto - Das obrigações, arts. 1.527 a 1.530.

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Sobre o autor
Sérgio Niemeyer

advogado em São Paulo, mestrando em Direito Civil pela USP, Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIEMEYER, Sérgio. Da venda sobre documentos no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 489, 8 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5904. Acesso em: 23 nov. 2024.

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