RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo distinguir as espécies de exclusões sucessórias por Indignidade e Deserdação, existentes no Direito de Sucessões, ambas decorrentes de atos do herdeiro/sucessor. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, contudo há hipóteses de seu titular sofrer a perda da capacidade de herdar, quer por indignidade ou deserdação. Constituem objetivos específicos: conceituar, no âmbito de Direito Sucessório, a exclusão da capacidade sucessória por Indignidade e por Deserdação, bem como apresentar suas peculiaridades, suas causas e seus efeitos. A metodologia consiste numa pesquisa bibliográfica necessária a fundamentação teórica. A conclusão aponta que a indignidade alcança também os herdeiros testamentários e os legatários, enquanto a deserdação afasta da sucessão somente os herdeiros necessários, por meio da manifestação de última vontade, que pode ser obtida mediante testamento válido.
Palavras-chave: Indignidade; Deserdação; Espécies; Exclusão; Capacidade Sucessória.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que o Direito existe na função de ordenar a coexistência humana em sociedade, a fim de que haja justiça e organização entre os pares. E, embora se espere que, na instituição familiar, como ramo social, e na convivência com indivíduos próximos por laços afetivos, exista a confiabilidade como pilar daquelas relações, há casos em que a ganância e a falta de moral prevalecem e geram acontecimentos, por vezes, inesperados em que os pares familiares cometem crimes que atentam contra pais, filhos etc. Nestas situações, podemos nos valer do Direito a fim de resguardarmos e protegermos nosso patrimônio e interesses.
O rompimento dos laços afetivos impacta no âmbito patrimonial. A legislação pune os herdeiros que atentam contra a entidade familiar. Assim sendo, e entendendo que a hereditariedade material é intrínseca à relação de parentesco que se estabelece entre indivíduos que compõem o segmento social denominado família, e ainda, entendendo que a sucessão de bens e posses se estende ao indivíduo pelo qual o de cujus protestou sentimento de gratidão ou cooperação humana, como preceitua o artigo 1784, do Código Civil, a saber: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, questionamos quais fatores acarretariam à exclusão da capacidade sucessória? E ainda, uma vez estabelecida a possibilidade de haver perda da capacidade sucessória, quais seriam suas espécies e efeitos?
Para elucidar essas questões, o presente trabalho distinguirá as espécies de exclusões sucessórias por Indignidade e Deserdação, existentes no Direito de Sucessões, ambas decorrentes de atos do herdeiro/sucessor, de modo a possibilitar melhor compreensão acerca do tema, contribuindo, assim, para a difusão do Direito em suas particularidades. Constituem seus objetivos específicos conceituar a Exclusão da Capacidade Sucessória, por Indignidade e por Deserdação, bem como apresentar suas peculiaridades, suas causas e seus efeitos.
O presente trabalho se justifica por ser um ramo de evidente importância na seara jurídica, e que, por vezes, tem suas causas e consequências desconhecidas pela sociedade. Desta forma, se mostra como sendo de utilidade pública, à medida que explicará, aos que por ele demonstrarem interesse, quais as formas legais de se ter um indivíduo excluído da sucessão de bens e posses de pessoas falecidas.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE SUCESSÕES
O Direito das Sucessões é o conjunto de regras que disciplinam a transmissão do patrimônio de alguém, depois de sua morte, aos seus sucessores, em razão de lei ou de testamento. Sua origem remonta a mais alta Antiguidade, sempre ligado à ideia de continuidade da religião e da família.
Tal ramo do Direito, “refere-se apenas às pessoas naturais, não alcançando as pessoas jurídicas, uma vez que não tem natureza de disposições de última vontade os preceitos estatutários que regulam o destino do patrimônio social” (GONÇALVES, 2009, p. 2).
A etimologia indica que “sucessão” vem do latim succedere. Segundo Aulete (2004), suceder é o ato de ocorrer ou vir após (algo), ou sucessivamente; substituir (alguém) em um cargo ou desempenho de uma função.
Na seara jurídica do Direito de Sucessão, o vocábulo “sucessão” é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, transferência de suas posses, títulos etc., a outra pessoa.
Direito das sucessões, em sentido objetivo, é o conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em conseqüência de sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria – direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto (MAXIMILIANO, 1942 apud GONÇALVES, 2009, p. 2).
De acordo com Dias (2011), a transmissão do patrimônio de uma pessoa para outra se realiza ou por vontade das partes ou pelo falecimento de uma delas. Assim, no primeiro caso, a sucessão é inter vivos. Na ocorrência do falecimento se esta diante da transmissão causa mortis. Contudo, não existe “herança de pessoa viva”, pois o direito hereditário só nasce após o evento morte.
Assim, denotamos que o ato de suceder à herança tem início com a morte do detentor ou titular dos bens, e que a sucessão será o ato que dará posse da titularidade dos bens do de cujus a outrem. A sucessão se dará sempre que um indivíduo suceder outrem no que concerne às relações jurídicas, exigindo, desta forma, um novo titular do direito de posse, em detrimento do indivíduo anterior.
A Carta Magna brasileira confere o direito à herança em seu artigo 5°, inciso XXX, a saber: “Art. 5°.(...) XXX - é garantido o direito de herança” (BRASIL, 1988). Por sua vez, o Código Civil Brasileiro de 2002, no artigo 6°, explicita o falecimento como sendo o termo da existência da pessoa física ou da personalidade jurídica, em seu artigo 6°, como segue: “A existência da pessoa natural termina com morte”. (BRASIL, 2002).
Desta forma, e tendo o termo da personalidade jurídica do titular de bens, ou, em outras palavras, após o falecimento do titular da herança, abre-se o processo de sucessão, conforme preceitua o Código Civil, seu artigo 1784: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários”. (BRASIL, 2002).
Vale destacar ainda, neste primeiro momento, as duas formas de sucessão, quais sejam: Legítima e Testamentária.
A sucessão legítima se caracteriza pela ausência de testamento legal formal, em que há a presunção de legitimidade no que concerne aos bens deixados pelo de cujus. De acordo com este tipo de sucessão, os bens deixados pelo seu titular serão entregues aos sucessores necessários, ou seja, àqueles que se supõe que o detentor da herança passaria a mesma após sua morte. Para elucidação, o artigo 1845 do Código Civil afirma que: “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. (BRASIL, 2002).
Tal preceito subsiste graças ao artigo 1788, do Código Civil, a saber: “Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.” (BRASIL, 2002.).
Já no que refere à sucessão testamentária, podemos dizer que se caracteriza pelo ato de última vontade do de cujus. Embora este instituto seja de pouco uso/costume no Brasil. O legislador reservou dois artigos sobre o tema, a fim de resguardar, ainda, o direito dos sucessores necessários, mesmo no advento de testamento. Assim, cabe a demonstração do artigo 1.746, que disserta: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”; e o artigo 1789: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. (BRASIL, 2002).
Vale ressaltar uma concepção pertinente, vez que o artigo 1786, do Código Civil disserta: “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. Entendemos, assim, que a transmissão dos bens do de cujus pode ocorrer por disposição de lei ou por disposição de sua última vontade.
Tal explanação, realizada de forma sucinta, a fim de não nos distanciarmos do tema proposto, diz respeito ao instituto herança, e temos que é: “Totalidade de bens deixados por uma pessoa morta; Aquilo que é transmitido por sucessão” (AULETE, 2004). Esta, por sua vez, poderá ser testamentária ou, em caso de o falecido, outrora detentor dos bens, não ter deixado testamento, incumbida por força de lei, conforme o artigo 1788, do Código Civil, como vemos: “Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo”. (BRASIL, 2002).
Cabe, então, destacarmos que pode haver perda ou não recebimento da herança em caso de Renúncia, elencada no artigo 1086 do Código Civil Brasileiro, a saber: “Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”, que decorre da vontade do herdeiro de não receber a divícia deixada pelo falecido; e, ainda, nos casos de Premoriência e Comoriência, descritas no artigo 8°, do mesmo código, qual seja: “Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”. (BRASIL, 2002).
Distinguimos que tal perda da capacidade sucessória se dá por motivo alheio à vontade do herdeiro, mas que ao mesmo tempo lhe impossibilita a percepção da herança, uma vez que também terá falecido. Na Premoriência, o titular falece e, logo em seguida, seu(s) herdeiro(s) também podem falecer, muitas vezes, inclusive, durante o mesmo episódio. Já na Comoriência, ambos, titular dos bens e herdeiros, falecem ao mesmo tempo.
Dito isto, a legitimidade ou capacidade sucessória à herança se dá com o falecimento do titular dos bens, havendo herdeiros ou sucessores do mesmo. Mas, assim como o indivíduo se torna apto à percepção da herança após o falecimento de seu titular, também pode tornar-se incapaz, ou seja, sofrer a perda da capacidade de herdar, quer por renúncia, premoriência, comoriência, indignidade ou deserdação.
Aqui, trataremos apenas da indignidade e da deserdação, por serem as formas de exclusão mais peculiares e de maior semelhança, motivo pelo qual explicaremos as diferenças entre os institutos, bem como seu funcionamento, causas e efeitos. A indignidade está prevista do artigo 1.814 ao 1.818 e a deserdação nos artigos 1.961 ao 1.965, ambos do diploma civil de 2.002.
EXCLUSÃO DA CAPACIDADE SUCESSÓRIA POR INDIGNIDADE
A Constituição Cidadã de 1988 tem como um dos seus fundamentos a proteção da dignidade humana. Assim, “por elementar razão de ordem ética, quem desrespeita a dignidade do outro merece ser punido” (DIAS, 2011, p. 300).
Considerando-se que uma conduta venha a desrespeitar a dignidade familiar, a punição insere-se no direito patrimonial através da exclusão daquele que afrontou a ordem de vocação hereditária.
Segundo Gonçalves (2009, p.101) “a indignidade é instituto próximo a falta de legitimação para suceder que o Código de 1916 tratava como incapacidade sucessória.”
Conforme o artigo 1.814, do Código Civil Brasileiro, temos que:
“São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.” (BRASIL, 2002).
Desta forma, preceitua Diniz, ao afirmar que: “Instituto bem próximo da incapacidade sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo hereditário, dado que se tornou indigno.” (DINIZ, 2005, p. 50).
Segundo Gonçalves (2009, p. 102) “a exclusão por indignidade somente obstaculiza a conservação da herança, enquanto a falta de legitimação para suceder impede que surja o direito à sucessão.”.
Quando se fala em exclusão por Indignidade, não significa dizer que o indivíduo, ao bel prazer do detentor da herança ou de outros herdeiros, seja afastado de seu direito de herdar. Neste caso, se faz imprescindível Sentença Judicial pautada no devido processo legal. Conforme nos ensina Gonçalves (2009, p. 101), “nos casos de indignidade, o indigno adquire a herança e a conserva até que passe em julgado a sentença que o exclui da sucessão.”.
Neste sentido temos o artigo 5° da constituição Federal, em seu inciso LIV, que afirma “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988).
Quanto à legalidade desta formalidade, podemos citar o artigo 1.815 do Código Civil, que disserta: “A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença” (BRASIL, 2002).
Desta forma, temos que, em qualquer das situações descritas no artigo 1.814 do Código Civil, a fim de caracterizar-se a exclusão da capacidade sucessória por indignidade, deve haver num primeiro momento, a provocação judicial, através de Ação Ordinária de Indignidade, interposta pelos demais herdeiros ou pessoas que demonstrem legitimidade ou interesse de agir.
Portanto, verificamos que o surgimento desse instituto da exclusão exige sentença judicial que condene o herdeiro por falta grave, realizada contra o titular originário da herança, o que o torna indigno de tal privilégio.
A sentença declaratória da indignidade produz efeitos ex tunc, ou seja, retroage a data da abertura da sucessão. Além disso, seus efeitos são pessoais, conforme preceitua o artigo 1.816 do Código Civil, que determina a substituição do indigno pelos seus descendentes. Vale dizer, que, inexistindo sucessores do indigno em linha reta descendente, seu quinhão retorna ao monte, seguindo destinação legítima e testamentária.
Outro efeito da exclusão por indignidade é que mesmo conservando o poder familiar, o excluído indigno fica privado do direito ao usufruto e a administração dos bens que a seus filhos menores forem destinados, em razão da substituição, perdendo também o direito sucessório sobre o patrimônio devolvido aos descendentes, que, em regra, teria pelo falecimento destes (DINIZ, 2005).
Por fim, importa esclarecer que, o Código Civil vigente prevê a hipótese de um indigno ser reabilitado, não vindo a sofrer a privação da herança: “Art. 1818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.” (BRASIL, 2002).