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Da reclamação trabalhista para complementação da multa fundiária:

necessidade da revisão teórica da prescrição bienal aplicável à espécie

12/11/2004 às 00:00
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Os entraves ao andamento célere das demandas sujeitas à jurisdição trabalhista não exsurgem, unicamente, da senilidade de nosso aparato legal instrumental. Outros obstáculos à prestação eficiente da tutela jurisdicional soem ter sua origem na própria atividade jurisdicional desenvolvida em detrimento das instituições jurídicas do nosso Estado de Direito. A admissão e o julgamento pela procedência de ações sem qualquer respaldo lógico-jurídico logram transformar em costume a interposição de demandas insubmissas aos princípios basilares da ordem jurídica e que, por esse motivo, causam comoção intestina na máquina judiciária ao ponto de não se visualizar uma solução que faça operar de modo eficaz e definitivo o aparelho estatal destinado à resolução das lides. É preciso que se procure identificar esses tipos de causas postas à apreciação judicial e se defina a estratégia legal a ser tomada para que se evite a enxurrada de pretensões de mesmo porte a impossibilitar a prestação jurisdicional eficiente em questões que, efetivamente, necessitem do provimento judicial satisfativo.

Nesse contexto se situa a reclamação trabalhista que visa ao pagamento, pelo empregador, da complementação da multa fundiária de 40% em decorrência do reconhecimento do direito do autor à reposição da correção monetária do FGTS expurgada pelos planos econômicos do Governo Federal. Esse tipo de demanda tem se tornado uma avalanche perante a Justiça do Trabalho, obstando o andamento eficaz e o provimento jurisdicional adequado das demais ações correntes. E o pior de tudo, sem qualquer respaldo lógico-jurídico, senão vejamos.

A diversidade de posicionamentos jurisprudenciais acerca da prescrição bienal aplicável a tal espécie de demanda tem incitado a classe trabalhadora ao ajuizamento das ações mesmo sem respaldo legal. E pasmem, muitos conseguem o provimento satisfativo à margem da justa aplicação do Direito, apenas por terem a sorte de encontrar, em seu caminho, magistrados receosos quanto aos seus próprios posicionamentos concernentes a essa matéria. Não são raros, diga-se de passagem, os juízes que constantemente mudam de opinião acerca do direito aplicável à espécie no mister. E não é sem razão, haja vista o próprio descaso por que é tratada a matéria em nossos tribunais superiores.

Tudo isso se deve - e aí se vislumbra a causa-mor da controvérsia - à subversão dos conceitos inerentes ao instituto jurídico da Prescrição, cuja estipulação e estruturação encontra guarida apenas no Direito Civil, do qual se serve o Direito Laboral de forma subsidiária (Art. 8º, parágrafo único da CLT). Instituto de suma importância na estabilidade das relações jurídicas. Não é sem razão que leciona o mestre Sílvio de Salvo Venosa (in Direito Civil: parte geral, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, vol. 1, p.611), in verbis:

"É com fundamento na paz social, na tranqüilidade da ordem jurídica que devemos buscar o fundamento do fenômeno da prescrição e da decadência".

A prescrição, de forma sucinta, no dizer de Clóvis Beviláqua (apud Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p. 615), "é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo".

Infere-se, pois, que o decurso de tempo a ensejar a prescrição deve se iniciar a partir do momento em que a ação se torna exercitável. É o que professa o insigne Roberto de Ruggiero (in Instituições de Direito Civil, tradução da 6ª edição italiana por Paolo Capitanio; atualização por Paulo Roberto Benasse, Campinas, Bookseller, 1999, p.417):

"Enquanto não nascer a ação conferida para tutela de um direito, não pode falar-se de extinção por prescrição: "actioni nondum notae non praescribitur"".

A ação, por sua vez, é o direito público, subjetivo e autônomo de se buscar o provimento jurisdicional acerca da lesão ou ameaça de lesão a direito. Sabe-se, em verdade, que a ação está jungida à solução de uma lide; outrossim, que o interesse em lide e sua solução transcendem ao direito material vindicado. Porém, para simplificação do raciocínio e exposição sucinta do cerne da questão que ora se pretende solucionar, basta que se entenda por direito lesado ou ameaçado de lesão aquele direito abstratamente estipulado na norma jurídica.

Dessa forma, pode-se concluir que o direito de ação só se torna exercitável a partir do momento em que o direito foi, ao menos abstratamente, lesionado ou ameaçado de lesão e, conseqüentemente, que a prescrição tem por termo inicial o momento em que se deu tal lesão ou ameaça.

Tendo em consideração a conclusão acima exposta, e com a devida vênia dos que defendem o nascimento do direito de ação para postulação das diferenças da multa rescisória fundiária apenas a partir do reconhecimento do direito dos obreiros quanto à aplicação dos expurgos inflacionários às suas contas vinculadas (o que, para alguns, ocorreu com a edição da Lei Complementar 110, de 29 de junho de 2001, e conseqüente adesão ao plano governamental pelo trabalhador, e para outros, com a sentença judicial transitada em julgado na Justiça Federal), a prescrição (aquela bienal contida no Art. 7º, XXIX da CF/88) não é de ser computada a partir desse reconhecimento, mas da efetiva lesão ao direito protegido pela respectiva ação. Não se há que tratar diferentemente situações semelhantes. Do contrário, admitir-se-ia, por exemplo, que a prescrição do direito de reclamar as diferenças dos depósitos fundiários decorrentes da repercussão de horas extras sonegadas apenas seria computada a partir do reconhecimento judicial do direito às horas extras incidentes sobre os montantes vinculados.

A Lei Complementar 110/2001 não veio a constituir a dívida do Governo Federal fundada na ausência de aplicação da correção monetária por ocasião dos expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos. A natureza das normas contidas em tal lei é diversa. Em verdade, apenas declaram a existência dos expurgos, já constantes de inúmeras decisões judiciais a esse respeito, e disciplinam a forma de pagamento dos montantes suprimidos em decorrência da ausência de aplicação da devida correção monetária. Com efeito, a dívida sempre existiu desde o respectivo expurgo, apenas vindo a ser "declarada" por ocasião da mencionada lei.

Desse modo, a prescrição deveria ser contada a partir da inadimplência do empregador quanto à complementação da multa, o que apenas se pode atestar a partir do recebimento equivocado das verbas rescisórias pelo empregado, ou mesmo pela ausência do adimplemento destas no prazo legal. Em curtas palavras, a lesão ao direito obreiro, no particular, surge da inadimplência das verbas rescisórias trabalhistas no prazo legal, ou do pagamento equivocado da multa fundiária por ocasião da rescisão.

Diante de tal constatação, inafastável a conclusão de que a grande maioria dessas demandas restaria prescrita em face da antigüidade do direito e do requisito da prestação de serviços sob o regime do FGTS no período até 1990, o que contribuiria para o decréscimo significativo no número de tais reclamações, restaurando, pelo menos em parte, a segurança jurídica esbulhada do seio social e a regularidade do andamento dos demais processos sujeitos à Justiça do Trabalho.

E não se fale em injustiça para com o empregado sob o argumento de que o mesmo não detinha conhecimento do seu direito e, conseqüentemente, não sabia que podia exercitá-lo através da ação. Primeiramente, porque a ninguém é dado alegar ignorância da lei (Art. 3º da LICC), nem mesmo ao empregado, haja vista que o subsistema normativo laboral não estipula tal benesse. Em segundo lugar, porque a insegurança jurídica imposta ao âmbito pessoal do empregador não seria, de longe, uma cominação justa.

Ocorre que a legislação que regula a atividade econômica de nosso país e o sistema financeiro nacional não escapa à regra contida no Art. 3º da LICC, consistente em verdadeiro princípio geral inerente ao moderno Estado de Direito. O que seria de nossa sociedade se alguns indivíduos pudessem descumprir a lei, alegando que não a conhecem? Impensáveis as conseqüências daí advindas. A mesma imposição se reflete nas normas que regulam a prescrição, inclusive em seara trabalhista, bem como em todas as normas jurídicas do nosso ordenamento positivo.

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Imperioso se reconhecer que, uma vez expurgados da inflação pelos planos econômicos governamentais os índices de correção monetária aplicáveis ao FGTS, tal conduta governamental, ilícita por natureza, lesionou o direito da classe trabalhadora à correção legal dos montantes fundiários nos moldes da legislação aplicável à espécie. Outrossim, conseqüentemente, essa lesão veio a repercutir sobre os montantes rescisórios nas relações de emprego, sendo inquestionável, do ponto de vista jurídico, se admitir que tudo isso já tivesse chegado ao conhecimento dos trabalhadores ao tempo da instituição dos planos econômicos governamentais.

Diante de tal postura governamental e, uma vez rescindido sem justa causa o contrato de trabalho, cumpria ao trabalhador requerer, perante a Justiça do Trabalho, no prazo de dois anos a contar da ausência do pagamento tempestivo da complementação da multa fundiária, o reconhecimento do seu direito aos expurgos e a condenação do ex-empregador ao respectivo adimplemento.

Em que pese não detivesse esta Justiça, no tempo hábil ao requerimento da complementação da multa fundiária, competência material no tocante aos planos econômicos e suas influências nos montantes fundiários, nada obstava a que o juízo trabalhista, por ocasião da sentença, reconhecesse incidentalmente (Art. 5º do CPC), e sem fazer coisa julgada (exegese dos Arts. 469 e 470 do CPC), o direito do trabalhador à complementação dos expurgos em sua conta vinculada e, conseqüentemente, julgasse procedente a reclamatória, salvo nos casos do autor já ter interposto a respectiva ação na Justiça Federal, quando então seria possível a suspensão da reclamação até a decisão final daquela ação (Art. 265, IV, a do CPC). Tudo com aval do Art. 769 da CLT.

Tratando-se por tal ótica o tema, não mais se incorreria na temeridade de se condenar o ex-empregador, e.g., a adimplir parcela prescrita há mais de 10 anos. Efetivamente, nosso Direito Positivo não tutela essa espécie de insegurança.

Necessário, pois, que os órgãos da Justiça Trabalhista revejam seus posicionamentos acerca da Teoria da Prescrição no mister a fim de que se expurgue de nossa realidade judiciária esse tipo de demanda alheia aos princípios gerais do Direito. Julgando-se a quaestio juris da prescrição bienal tal como deve ser julgada, contribuir-se-á sobremaneira para a restauração da estabilidade das instituições jurídicas e liberação do nosso aparato judiciário, propiciando-se a prestação mais eficiente da tutela jurisdicional e mais adequada aos fins do valor Justiça.

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Sobre o autor
Sérgio Luiz dos Santos Filho

Analista Judiciário TRT 6ªregião, Assistente de Gabinete de Juiz da 2ª instância, Pós-graduado e laureado pela Escola de Magistratura Trabalhista de Pernambuco ESMATRA/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS FILHO, Sérgio Luiz. Da reclamação trabalhista para complementação da multa fundiária:: necessidade da revisão teórica da prescrição bienal aplicável à espécie. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 493, 12 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5907. Acesso em: 22 dez. 2024.

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