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Retrocessos da legislação ambiental.

Do trabalho escravo ao uso desenfreado do agrotóxico, derrocada do Código Florestal e do licenciamento

27/03/2018 às 18:05

Resumo:


  • Legislação ambiental no Brasil enfrenta uma tendência de flexibilização que ameaça a proteção ao meio ambiente e a segurança das populações, impulsionada por projetos de lei que buscam desburocratizar atividades econômicas.

  • Exemplos dessa flexibilização incluem tentativas de alterar o Código Florestal, a regulamentação do uso de agrotóxicos e o processo de licenciamento ambiental, muitas vezes sob a justificativa de promover o desenvolvimento econômico.

  • Essas mudanças legislativas podem resultar em retrocessos significativos na garantia de direitos ambientais e na responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, com potenciais impactos negativos para a saúde pública e a conservação da biodiversidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As alterações da legislação ambiental visam flexibilizar os instrumentos de controle socioambientais, fragilizando-os para potencializar a exploração da natureza com menores custos. Assim, legitimam o uso irracional dos recursos naturais.

Introdução.

Vivemos num momento em que o Estado edita leis que, a despeito de desburocratizar o país, busca flexibilizar seus instrumentos de controle social e ambiental, desguarnecendo os direitos dos cidadãos, notadamente aqueles relacionados à cidadania e ao meio ambiente equilibrado. Esta última categoria de direito, não obstante possua o atributo da intergeracionalidade (CF, art. 225), passa a ser um bem de fruição imediata, não duradouro.

Várias situações corroboram essa afirmação, sendo possível ilustrá-la com algumas constatações de bens ambientais que se encontram num limbo de desproteção jurídica e estatal.


Trabalho Escravo

Um primeiro exemplo é o relacionado ao trabalho escravo, que transita entre nós desde o período em que se iniciou a produzir cana-de-açúcar. Passamos de uma fase escravagista com o modelo africano que perdurou oficialmente até o final do Século XIX, quando foi substituído pelo escravo imigrante europeu, que chegava ao Brasil com dívidas impagáveis de transporte, alimentação, alojamento etc. Seguiu-se ao trabalho escravo com o uso de migrantes nordestinos, principalmente, que eram trazidos para o interior do país, notadamente região amazônica, pelos “gatos”, para os quais trabalhavam meses a fio com o único objetivo de pagar as despesas pretéritas de deslocamento e as contemporâneas de alimentação, hospedagem em locais insalubres, ferramentas de trabalho etc.

A legislação não ajuda, embora tenha seus avanços e retrocessos cíclicos. O Código Penal, em sua redação original, incriminava, de forma singela, a figura de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” (art. 139) . Como o Direito Penal exige clareza na configuração do crime, este dispositivo pouco serviu para afastar a prática. É verdade, entretanto, que, a partir de 2003, com a edição da Lei n. 10.803, a norma ganhou nova roupagem, passando a criminalizar a conduta de submeter outrem a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitando a vítima a condições degradantes de trabalho ou restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou com o preposto. Mas o fato é, embora seja inegável sua prática, não se tem notícias de pessoas cumprindo penas, em cárcere, por tal conduta.

Após muita pressão social, a Constituição Federal foi alterada em 2014 pela Emenda Constitucional n. 81, que passou a prever a expropriação e destinação à reforma agrária, sem direito à indenização, das propriedades onde ocorrer a exploração de trabalho escravo (CF, art. 243). Para aplicar essa norma é preciso que a mesma seja regulamentada. Surge o PLS 432¹, que afasta o trabalho degradante da incidência da sanção constitucional, perdendo a harmonia que deveria ter o sistema normativo. Veja-se que houve uma evolução com a Emenda Constitucional e com o Código Penal (que ainda não pegou) e, agora, vem o retrocesso.

Trabalho escravo e ilícitos ambientais frequentemente estão associados aqui no Brasil. Segundo a Agência de Notícias da Repórter Brasil, com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), verificou-se que 74% dos municípios que mais desmataram a Amazônia já haviam tido casos de exploração de mão de obra escrava².


Uso de Agrotóxicos

Outro tema que experimenta retrocessos é o relacionado aos agrotóxicos. Diversos projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de flexibilizar, ainda mais, a legislação que disciplina a regulação dos usos dos agrotóxicos, merecendo destaque o PL 3200/2015³, de autoria do Deputado Covatti Filho, que já no pórtico dá o recado para o que veio ao modificar o nome de agrotóxico para o eufêmico “produto fitossanitário”.

Entre as novas propostas legislativas, a serviço da indústria dos agrotóxicos, merece registro a liberação de produtos que apresentem o “risco aceitável”, expedição de receituário antes da praga (como se o médico prescrevesse um antibiótico antes da doença), menor rigor na fiscalização alusiva à necessidade dispensa na devolução das embalagens, propiciando que voltem a serem dispensadas no meio ambiente  (em franco retrocesso à legislação que trata da logística reversa), criação da Taxa de Avaliação de Registro, com valores irrisórios facilitando a autorização de uso de novos venenos no Brasil, criação de uma Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários com poder deliberativo para agilizar e simplificar o registro de novos produtos, inclusive com a legitimação do “risco aceitável”, isenções tributárias, fixação de prazo máximo de 180 dias para emissão de parecer conclusivo sobre pedidos de registros de novos agrotóxicos, registro de novos produtos “por equivalência”, possibilitando sejam utilizados estudos realizados para outros produtos similares, como na política dos genéricos, desnecessidade de revisão periódica da autorização dentre outras facilidades aos interesses dos grupos econômicos.

Em Rondonópolis-MT, a empresa NORTOX está autorizada a produzir os princípios ativos Alaclor, Atrazina, Clorimuron, Imazaquim, Imazetapir, Trifuralina e Endossulfan (este proibido no Brasil desde 2013). Estes princípios ativos não podem sequer ingressar em solo europeu porque os estudos científicos produzidos atestaram seu potencial danoso à saúde humana e ao meio ambiente. Além da leniência da legislação há, também, o descaso dos órgãos públicos ambientais, já que, no caso da Nortox, sua operação foi autorizada mesmo sem a realização de estudos de impactos ambientais e opera ao lado de empresas produtoras de alimentos, além de que a direção dos ventos trará, para a cidade, venenos que em um acidente possam ser dispersos na atmosfera. Havia uma liminar, concedida por uma magistrada local ao Ministério Público Estadual, que, junto aos moradores está sujeita aos riscos de ser envenenada num hipotético acidente, determinando seu fechamento4. A magistrada local, respaldada pelo princípio da precaução, exigiu estudos técnicos rigorosos, para determinar o real dimensionamento de riscos envolvendo acidentes ambientais e seus danos à população e ao ecossistema urbano. Ocorre que outro magistrado, de Cuiabá, cassou a decisão. No momento, por razões econômicas, não se produzem venenos na NORTOX, embora esta esteja autorizada a fazê-lo a qualquer instante.

Trata-se de um debate da maior importância. Para se ter uma ideia, há alguns anos, pesquisadores do Mato Grosso do Sul estão investigando a relação entre tentativas de suicídio e exposição a agrotóxicos5. Entre janeiro 1992 a dezembro 2002, foram registradas 1.355 notificações de intoxicação, sendo 506 tentativas de suicídio que levaram a 139 óbitos. O município de Dourados, que possui características socioeconômicas similares a Rondonópolis, apresentou alta prevalência de tentativas de suicídio. Nesse caso, precisamos antes de flexibilizar regras ambientais, entender melhor os mecanismos de interação entre pessoas e demais seres vivos e os compostos químicos presentes nos tais “produtos fitossanitários”.


Código Florestal

O sistema de proteção da vegetação nativa vive o mesmo dilema, de avanços e retrocessos. O Código Florestal de 1965 criou um sistema de proteção da vegetação existente em propriedades e posses rurais. Protegeu as áreas de maior fragilidade, como as faixas marginais de curso d'água, áreas no entorno de lagos, lagoas, reservatórios, nascentes e olhos d'água, vegetações de encostas, bordas de tabuleiros, topos de morros, montes, montanhas, serras e locais de grandes altitudes, as quais denominou Áreas de Preservação Permanente. Estas desempenham funções próprias de preservação dos recursos hídricos, da paisagem, estabilidade geológica, facilitar fluxo gênico, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Também determinou que fossem destacados percentuais existentes no interior das propriedades e posses com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.

Com a evolução dos conhecimentos científicos e das novas experiências por parte do movimento ambientalista foram ampliadas quantitativamente as extensões das Áreas de Preservação Permanente e de Reservas Legais.

No caso das Áreas de Preservação Permanente, por exemplo, o tamanho das faixas marginais variavam de 5 (cinco), no mínimo, até 100 (cento) metros de largura entre 1965 e 1986. Houve uma primeira alteração legislativa em 1986 (Lei n. 7.511) aumentando o tamanho das faixas marginais para o mínimo para 30 (trinta) e mantendo o máximo de 150 metros. Passados 04 (quatro) anos houve nova alteração, mantendo-se o mínimo de 30 (trinta) e aumentando-se o máximo para 500 (quinhentos) metros. As nascentes possuíam proteção genérica, sendo que a partir de 1989 fixou-se um raio de 50 metros de proteção. A mesma situação se verificou com relação as bordas dos tabuleiros ou chapadas. A legislação de 1965 não indicava o marco a partir do qual se iniciava a proteção, sendo que a Lei de 1989 evoluiu ao pontuar que tal referência natural, se daria a partir da linha de ruptura do relevo, em uma faixa nunca inferior a 100 metros em projeções horizontais.

Esta mesma atualização legislativa ocorre com relação às Áreas de Reservas Legais, que inicialmente representavam a quarta parte da propriedade (1934). O dinamismo da legislação, que albergou os novos conhecimentos da comunidade científica, é verificado em um primeiro momento em 1965, cujo Código Florestal determinava, por exemplo, a manutenção de cobertura arbórea em 20% da propriedade localizada na porção sul da Região Centro Oeste e 50% se localizada na porção norte. Em 1996 (MP 1.511), diante das evidências de maior fragilidade das áreas cuja cobertura arbórea se constitui de fitofiosonomias florestais, passou-se a determinar proteção de 80% da vegetação nativa inseridas na Amazônia Legal. A partir de 2.000 (MP 1956) houve nova alteração, sendo que desde então nas propriedades com fitofiosonomias savânicas, localizadas referida Amazônia Legal, passou-se a exigir preservação de 35%.

Verifica-se, portanto, um dinamismo na legislação de proteção das florestas desde 1934 até 2012, quando foi editada a Lei n. 12.651 que, não obstante tenha mantido muito da proteção existente, perdoou os que desrespeitaram a legislação então vigente, dispensando-os de promoverem recuperação de suas áreas, desde que suas APPs e ARLs tenham sido destruídas, ou antes de 2008, ou sob a vigência de lei anterior a 2.000, respectivamente. Esta nova legislação trouxe outros ganhos àqueles que descumpriram a lei pois, além de não terem de arcar com os custos de recuperação das áreas degradadas podem continuar explorando, auferindo rendas e garantindo maior valorização da propriedade, já que até agora nada se paga por floresta em pé. Como houve anistia também não serão responsabilizados civilmente pelos serviços ecossistêmicos que a ausência de cobertura arbórea deixou de prestar à coletividade.

Esses serviços, em algum momento, terão que ser restabelecidos, para que haja perenidade das nossas atividades produtivas e bem estar de forma geral. O problema é o custo econômico associado a isso. Para se ter uma ideia, o custo de recomposição vegetal de uma margem de curso d’água degradada, em se adotando técnicas convencionais, pode oscilar entre R$ 5.000 a R$ 10.000 o hectare (que seria equivalente a 10.000 metros quadrados). Apenas em Mato Grosso, numa estimativa do órgão ambiental estadual, tínhamos em torno de um milhão de hectares de matas ciliares degradadas em 2009.

Estes retrocessos voltarão, agora, a serem discutidos no âmbito do Poder Judiciário, pois o relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidades que discutem estes retrocessos (ADIs 4901, 4902 e 4903), Ministro Luiz Fux, determinou, no dia 03/07/2017, que fossem incluídas em pauta para julgamento6.

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Licenciamento Ambiental

O Licenciamento Ambiental é outro ponto nevrálgico onde os retrocessos acontecem. A culpa dos atrasos e paralisações de obras privadas e públicas, de interesse nacional, é da burocracia e morosidade dos procedimentos de licenciamento das atividades impactantes. Fragilizam-se, sucateiam-se os órgãos públicos, responsáveis pela análise dos riscos da atividade impactante que se quer instalar e operar. Com isso o processo fica, realmente, moroso e ineficiente. O próprio empreendedor causa atrasos com pendências de estudos e informações. A quem imputa a culpa? À lei, que exige os estudos e informações. São os falsos argumentos que estão subjacentes ao licenciamento ambiental.

E para resolver isso a União aplica a Lei de Pilatos: tenta deixar para os Estados, mais vulneráveis às pressões políticas e econômicas, a regulamentação de seus licenciamentos. É a tal da descentralização da atividade legislativa de regulamentação do licenciamento ambiental: cada Estado fixa suas exigências para que o empreendimento impactante nele se instale. Quem exigir menos estudos e análises de riscos será contemplado com o empreendimento já que haverá menos custos e será mais fácil a instalação e operação. Os riscos são dos cidadãos e o prejuízo da higidez do meio ambiente.

Muitas atividades necessitam de um ou mais anos de estudos para serem autorizadas as suas instalações com segurança, como, por exemplo, os casos em que se necessita analisar como a natureza assimilará determinada atividade impactante nas quatro estações do ano, ou comparação entre os períodos de maior e menor precipitação pluviométrica durante o ano, máxima e mínima temperatura, máximo e mínima umidade relativa do ar etc.

O PL 3729/20047, que pretende ser a Lei Geral do Licenciamento, tem outros "presentes" para a sociedade brasileira, causando verdadeiro retrocesso a este importante instrumento de controle ambiental:

a) dispensa o licenciamento para cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes, e pecuária extensiva, realizados em áreas de uso alternativo do solo, desde que o imóvel, propriedade ou posse rural estejam regulares ou regularizados na forma da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Veja que o instrumento atual de regularização ambiental, à luz do Código Florestal, é o CAR e o PRA. Estes instrumentos na verdade cingem-se a espacializar na propriedade rural as áreas destinadas ao uso alternativo do solo, Áreas de Uso Restrito, Áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente, restringindo ou vedando usos nestas duas últimas categorias. Contudo não licenciam as explorações realizadas na propriedade. O projeto de lei parte do falso pressuposto que ou são atividades sem nenhum impacto ou seus impactos já foram previstos e mitigados. Além disto, caso esteja licenciado, a ampliação do empreendimento poderá ser autorizada depois de ampliado, conforme parece autorizar a confusa redação do §5º do art. 7º.

b) afasta a análise de alternativas locacionais, de modo que o empreendimento possa ser instalado em qualquer local, independente de existirem alternativas que se mostrem menos impactantes;

c) cada Estado poderá disciplinar o que e como licenciar, gerando verdadeira guerra entre as unidades da federação para, por exemplo, que as indústrias sejam instaladas em seus estados, como ocorria na “guerra fiscal”, afetando o equilíbrio entre os entes federativos;

d) dispensa da participação popular no licenciamento e tomada de decisões. Prevê-se uma audiência pública quando for exigido EIA, sendo que, entretanto, suas conclusões não vinculam o órgão ambiental. Nos demais casos haverá, no máximo, exigência de consulta via internet, cujo resultado também possui valor meramente opinativo;

e) torna meramente protocolar a manifestação de importantes órgãos públicos, como FUNAI, IPHAN, ICMBio, órgãos gestores de Unidades de Conservação dentre outros. A FUNAI poderá, por exemplo, afirmar que onde se pretende instalar o empreendimento exista um óbice sob o ponto de vista de proteção das populações indígenas e, mesmo assim, o empreendimento ser instalado. Caso não se manifeste, o licenciamento segue impoluto. A sanção que deveria ser direcionada ao funcionário omisso resulta em riscos de danos a toda comunidade indígena afetada. Situação mais grave, entretanto, é quando o servidor da FUNAI não apresentar manifestação por escrito nos casos em que os estudos devam ser realizados no interior da Terra Indígena. Nesse caso os estudos prosseguem, mas com base em dados secundários.

f) os entes federativos podem se manifestar caso venham ter conhecimento do procedimento de licenciamento da atividade em seu território; contudo, não será instado a tal e sua manifestação não será vinculante;

g) não se exige certidão de uso e ocupação de solo ou outorgas de órgãos não integrantes do SISNAMA. No primeiro caso desrespeita-se as leis locais de uso e ocupação de solo; no segundo, o órgão ambiental substitui aquele que tem a competência e conhecimentos técnicos para fins de concessão de outorgas;

h) possibilita-se o licenciamento de atividades impactantes em Unidades de Conservação já que as Áreas Diretamente Afetadas (local de implantação, manutenção e operação de atividades ou empreendimentos ) poderão estar em seu interior;

i) instituição dos denominados “auto licenciamentos”, modalidade que a experiência já demonstrou ser altamente prejudicial ao meio ambiente. É o caso da Bahia, que também criou, em 2012, a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). A Associação dos Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (ASCRA) constatou que foram fiscalizadas apenas 9% de todas LACs expedidas em três anos e que destas 89% apresentaram problemas, alertando para a ineficiência desse instrumento de gestão ambiental que se pretenda ser séria e protetiva ao meio ambiente.

j) adoção dos estudos genéricos, de modo que os diagnósticos ambientais produzidos por empresas privadas para um empreendimento possam ser utilizados no licenciamento de outros empreendimentos, mesmo que o móvel seja distinto. Tais diagnósticos serão considerados informações de natureza pública já que o banco de dados deverá ser disponibilizado na internet, de modo a integrar o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente (Sinima);

h) a disciplina das condicionantes dificulta processos de compensação já que exige fundamentação técnica de sua relação direta com os impactos identificados. Certamente surgirão questionamentos administrativos (já que inova-se com abertura obrigatória do contraditório para discussão dessas medidas) e judiciais sobre a impossibilidade de uma medida de compensação que tenha relação direta com impacto não mitigável. Também garantem ao empreendedor a dispensa de operar serviços públicos, mesmo que tenha criado esta demanda exclusivamente em razão de sua atividade. Neste caso ficará a cargo da sociedade suportar esse ônus. Ainda neste tema a superveniência de novos estudos que indiquem impactos não previstos não é causa para inclusão de novas condicionantes ou suspensão do empreendimento. Nem o poderão ser incluídas posteriormente pois a previsão de alteração das condicionantes ocorre apenas em razão de alterações na legislação por ocasião exclusivamente da renovação da licença;

k) Dispensa de parte do EIA, a critério da autoridade licenciadora, para atividades causadoras de significativo impacto ambiental que estiverem incluídas em políticas, planos ou programas ambientais contemplados em avaliação ambiental estratégica (como se se tratassem de mesmos instrumentos), a exemplo de ferrovias, aproveitamentos hidrelétricos etc. Esta indevida dispensa torna vulnerável o meio ambiente;

l) o EIA deixa de ser realizado por equipe multidisciplinar, passando a se exigir 'equipe habilitada na área de atuação', ficando implícita a desnecessidade de profissionais de diversas áreas do conhecimento;

m) instituição do licenciamento ambiental corretivo, que legitima a prática do crime ambiental, anistiando o infrator que operava sem licença pois poderá continuar a atividade ilícita, mesmo sem licença e sem estar sujeito a ser autuado por isso, bastando que assine um termo de compromisso com o órgão licenciador;

o) fixa prazos máximos para emissão de Termo de Referência e das licenças, neste caso inclusive menores que um ciclo sazonal, cujo não cumprimento poderá, em tese, ensejar a responsabilização administrativa e civil da autoridade ambiental. Eventual alteração do prazo somente poderá ocorrer a pedido do empreendedor e não mediante decisão unilateral do órgão ambiental. Caso a licença não seja expedida haverá deslocamento da competência administrativa para o órgão supletivo (para outro ente federativo).

p) embora institua a Avaliação Ambiental Estratégica com o objetivo de identificar as consequências, conflitos e oportunidades de políticas, programas e planos governamentais, não a torna obrigatória para o Poder Público, nem sua ausência resulta em consequências para o licenciamento de atividades impactantes.

É certo que antes deste projeto muitos outros, e piores, foram apresentados. Alguns simplesmente fulminavam toda possibilidade de se discutir licenciamento, como a PEC 65. Outros criavam regras especiais e céleres para licenciamento de atividades de infraestrutura ou de simples exploração de recurso naturais, criando prazos exíguos e facilitando a tramitação, como o PL 654/2015. Neste, o mero silêncio do órgão público seria entendido como manifestação positiva de vontade, o que reflete um absurdo em Direito Administrativo pois, nesta seara, quando a Administração não responde, significa apenas que nada disse e não que assente a qualquer coisa.

Parece que existiam projetos tão ruins que a última proposta é a “menos ruim”, como se tivéssemos que escolher entre o ruim e o pior.


Responsabilidade ambiental

Há também uma tentativa contínua de se mitigar ou afastar a responsabilidade de quem causa dano ao meio ambiente, como ocorreu no recente episódio no qual o Parlamento se pôs nitidamente a serviço de interesses nada republicanos, defendo determinados grupos ou instituições. Foi o caso da Medida Provisória n. 752, convertida na Lei n. 13.448/2017,  que nada tinha de matéria ambiental. Inseriram um dispositivo (art. 35) que excluía parcialmente os bancos da responsabilidade ambiental decorrentes de danos causados por projetos que financia, o que acabou sendo vetado pelo Poder Executivo após pressão do movimento ambientalista.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos determinou fossem fechados todos os lixões a céu aberto até agosto de 2014. Como não logrou acabar com esses lixões, a solução encontrada pelo Parlamento foi prorrogar o prazo, como pretende fazer no Projeto de Lei 2289/2015, recentemente aprovado pelo Senado Federal.


Concluindo

Como se verifica, há uma tendência, entre nós, de tentar sarar a febre trocando o termômetro. Diminui-se o passivo ambiental, substituindo-se os parâmetros de avaliação. Fragiliza-se cada vez mais a proteção do meio ambiente com a apresentação e aprovação de projetos de lei que, a despeito de flexibilizar as exigências e dar dinamismo à atividade econômica, retiram a proteção ambiental, colocam em risco a saúde e segurança das populações, presentes e futuras. Enquanto isso, legisladores e representantes do poder executivo, retiram investimentos federais onde mais deveriam priorizar. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), por exemplo, apresentou, em 2017, uma previsão orçamentária com um corte de 2,2 bilhões dos 5 bilhões de reais para financiamento de projetos em ciência e tecnologia, que o governo tinha proposto originalmente para 2017. Realmente não há interesse na realização de pesquisas sérias que possam infirmar interesses legislativos corporativos ou setoriais.


Referência

1.Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/114895, acesso em 11/07/2017.

2. ONG ReporterBrasil. Escravo, nem pensar!: uma abordagem sobre trabalho escravo contemporâneo na sala de aula e na comunidade. 2º Ed. São Paulo: Repórter Brasil, 2012.

3. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1996620, acesso em 11/07/2017.

4. ACP n. 1000382-91.2017.8.11.0003 Disponível em http://pje-consulta.tjmt.jus.br/pje/ConsultaPublica/listView.seam, acesso em 11/07/2017.

 5. Pires, D. X; Caldas, E. D; Recena, M. C. P.IPesticide use and suicide in the State of Mato Grosso do Sul, Brazil.Cad. Saúde Pública 21(2). 2005. 

6. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4355097, Acesso em 11/07/2017.

7. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=257161, Acesso em 11/07/2017.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VACCHIANO, Marcelo Caetano. Retrocessos da legislação ambiental.: Do trabalho escravo ao uso desenfreado do agrotóxico, derrocada do Código Florestal e do licenciamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5382, 27 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59149. Acesso em: 23 dez. 2024.

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