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A origem do criminal compliance na perspectiva do crime de lavagem de dinheiro

15/07/2017 às 10:35
Leia nesta página:

Analisa-se o contexto histórico internacional do surgimento da criminal compliance e o seu surgimento no Brasil através da Lei nº 9.613/98, mais conhecida como Lei da Lavagem de Dinheiro.

Introdução

O presente artigo buscará realizar a análise do surgimento do criminal compliance sob a perspectiva do crime de Lavagem de Dinheiro. Para tanto, será realizada uma breve análise do contexto histórico internacional de seu surgimento e, em um segundo momento, o seu surgimento no Brasil através da Lei nº 9.613/98 mais conhecida como “Lei da Lavagem de Dinheiro”.


1. Conceito

De início importante analisar o que se pode entender do termo compliance e, em sequência, o que se pode entender como criminal compliance.

Sob a perspectiva histórica, a maioria dos estudiosos sobre a origem do conceito entendem que o surgimento do termo compliance tem raiz na ordem monetária. O conceito seria contemporâneo à criação do Board of Governors of the Federal Reserve mais conhecido como o Banco Central dos Estados Unidos da América (CARDOSO, 2015).

A tradução literal do termo compliance significa estar em conformidade e a expressão to comply representa a ação em conformidade. Explica Willian S. Laufer (1999, p. 1393) que

Compliance is an empowered accountability that is driven down the corporate hierarchy through the firm´s structure, processes, and decisions. Compliance should be institutionalized to shape an organization´s guinding values, to create an environment that supports ethically sound behavior, and to instal sense of shared accountability among employees.

Para Saavedra (2016, p. 245)

Compliance estabelece uma relação, portanto, entre um “estado de conformidade” e uma determinada “orientação de comportamento”. Se esta “orientação de comportamento” é uma norma jurídica, está-se diante de Compliance jurídico, cuja designação varia conforme a área do direito, a qual a norma a ser seguida se insere.

Verifica-se, dessa forma, que compliance se refere à realização de uma obrigação normativa, nada mais sendo do que a conformidade com as normas legais e regulamentares.

Na perspectiva da dogmática penal entende-se por compliance a conformidade legal a que estão sujeitas as instituições financeiras. Especificamente ao enfoque aqui dado, o compliance representa a necessária obediência às normas sobre prevenção e combate ao crime de lavagem de capitais. Pertinente a colocação feita por Débora Motta Cardoso (2015, p.12) para a qual “no âmbito penal, traduziria como criminal compliance um novo padrão regulatório orientado pelo dever de colaboração com o Estado na prevenção da criminalidade no ambiente empresarial”.


2. Surgimento do compliance na perspectiva internacional

Em que pese o surgimento do compliance estar ligado ao mercado financeiro, sua aplicação tem sido estendida para diversas áreas, públicas e privadas, especialmente para aqueles setores considerados como setores sensíveis os quais estão sujeitos a uma maior regulação e a um maior controle. Para o fim aqui proposto, será necessário analisar seu surgimento dentro do contexto do movimento antilavagem de dinheiro.

Em 1919 os Estados Unidos da América publicou o Volstead Act conhecido como Lei Seca sendo certo que em tal período o contrabando ilegal de bebidas já causava sérios impactos sociais e econômicos semelhantes aos que seriam produzidos na década de setenta pelo tráfico de drogas. Ocorre que em 1933 com a legalização do álcool, o contrabando de bebidas perde sua razão de ser. Concomitantemente, o uso de drogas ilícitas permitiu que o crime organizado se beneficiasse de outra maneira lucrativa, mantendo viva a necessidade da prática de lavagem.

Em 1970 é publicado o Bank Secrecy Act (Lei de Sigilo Bancário) através do qual as movimentações bancárias anônimas se tornaram proibidas passando as instituições financeiras a terem o dever de informar às autoridades sobre as transações superiores à dez mil dólares americanos, tudo no intuito de se possibilitar o rastreamento da lavagem de capitais.

As décadas de 70 e 80 ficaram marcadas como a época de Guerra contra as Drogas, intensificada durante o mandato de Ronald Regan. Para além dos prejuízos causados pelo uso de drogas ilícitas sobre a saúde pública, interesses financeiros e reputacionais também podem ser observados por trás desta guerra. A desregulamentação do mercado financeiro vivenciada na década de 80 nos EUA trouxe a necessidade de adoção de políticas e medidas de proteção à economia, especialmente através da prevenção à lavagem de capitais.

A tipificação do crime de lavagem de capitais ocorreu primeiramente na Itália, no entanto, de forma muito menos influente mundialmente do que nos EUA. Em 1986 o congresso norte-americano publica o Money Laudering Act que criminalizava o crime de lavagem estipulando penas de até 20 anos de prisão. Conforme explica Débora Motta Cardoso (2015, p. 22)

Em uma conceituação histórica, a criminalização da lavagem de dinheiro inspirou-se na necessidade de repressão a crimes graves praticados por organizações criminosas, que começavam a interferir no sistema financeiro internacional mediante o poder econômico proveniente do crime.

Essa iniciativa americana ganhou atenção mundial e, em 1988 a Convenção de Viena estabeleceu a primeira definição mundialmente aceita do crime de lavagem de capitais impondo aos Estados aderentes a obrigação de adotar providências de cunho penal contra aqueles que praticassem a lavagem.

Diante disso, as medidas de compliance ganham relevo e importância até então inexistentes e, como consequência, todos aqueles que atuam no mercado financeiro passaram a ser treinados para identificarem as operações suspeitas de lavagem e a conhecerem melhor seus clientes, bem como a cooperarem com as autoridades na investigação da prática desse tipo de delito.

Com o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, a guerra contra a lavagem de capital ganhou nova dimensão. Percebeu-se que o dinheiro sujo, reinserido no sistema financeiro, não servia apenas à corrupção ou outros ilícitos, mas também para o financiamento do terrorismo. Dessa forma, o combate à lavagem de capitais cedeu lugar também aos anseios de segurança internacional.

3. O compliance no Brasil

Em âmbito nacional como decorrência das disposições contidas na Convenção de Viena, da qual o Brasil sujeitou-se, o combate ao tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas foi implementado através do Decreto nº 154/91. Com a promulgação de referido Decreto o Brasil assumiu o compromisso jurídico internacional de criminalizar a lavagem de capitais.

Essa criminalização tomou forma dez anos mais tarde com a promulgação da Lei nº 9.613/98, alterada pela Lei nº 12.683/12, com o objetivo de tornar a persecução penal mais eficiente. Para Débora Motta Cardoso (2015, p. 24)

Por conseguinte, desde 1988, as obrigações de compliance previstas no art. 10 da Lei de Lavagem tornaram-se requisitos regulatórios das instituições financeiras, e deste modo, além da imposição de sanções administrativas no caso de descumprimento, a responsabilidade criminal do garantidor do cumprimento das normas tornaram-se uma realidade.

Não obstante a edição de referida lei, os bancos que operam em território nacional já haviam implantado políticas de prevenção e combate à lavagem de capitais, por meio do compliance em atendimento à Resolução nº 2.554/98 do Banco Central.

No Brasil, seguindo as diretrizes do GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), a agência governamental centralizada e especializada no recebimento ou requisição, análise, armazenamento e verificação de informações relativas a operações suspeitas é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.

De uma forma ou de outra, a promoção do compliance a um dever legal expresso, tornou indiscutível a obrigação de colaboração, seja por pessoas físicas ou jurídicas, com as autoridades competentes, bem como na implementação de mecanismos antilavagem que previnam a ocorrência de atos criminosos capazes de pôr em risco a integridade do sistema financeiro (CARDOSO, 2015).

Neste cenário, o compliance torna-se uma ferramenta que ultrapassa os limites da mera fiscalização dos procedimentos adotados e implantados no âmbito dos controles internos, para se tornar um importante mecanismo de prevenção ou investigação da prática de ilícitos nas atividades financeiras. (CARODOSO, 2015, p. 50).

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Temos, portanto, que no Brasil o compliance surge com a promulgação da Lei de Lavagem, ainda que as medidas de prevenção já tenham sido inicialmente previstas através da Resolução nº 2.554/98 do Banco Central, integrando o país o grupo mundial de combate à lavagem de dinheiro, o terrorismo e a corrupção.


Conclusão

Buscou-se com o presente artigo conceituar o compliance e, especificamente, o criminal compliance. Temos que o compliance se refere à realização de uma obrigação normativa, nada mais sendo do que a conformidade com as normas legais e regulamentares. Na perspectiva da dogmática penal entende-se por compliance a conformidade legal a que estão sujeitas as instituições financeiras. Especificamente ao enfoque aqui dado, o compliance representa a necessária obediência às normas sobre prevenção e combate ao crime de lavagem de capitais.

Através de uma breve análise histórica mostrou-se que o surgimento do criminal compliance decorre, incialmente, da guerra contra o crime organizado decorrente do tráfico de entorpecentes e, posteriormente, ganhou maior atenção com a observação que o dinheiro sujo servia também ao financiamento de grupos terroristas.

Por fim, em âmbito nacional demonstrou-se que o compliance foi implementado através da promulgação da Lei nº 9.613/98, alterada pela Lei nº 12.683/12, não obstante os bancos que operam em território nacional já haverem implantado políticas de prevenção e combate à lavagem de capitais, por meio do compliance em atendimento à Resolução nº 2.554/98 do Banco Central.

Ainda que tenha sido um tema relegado, quase que exclusivamente, ao âmbito financeiro e empresarial, ainda temos um déficit dos reflexos de seu desenvolvimento para a política criminal, especialmente após o julgamento da Ação Penal nº 470 (caso Mensalão). Porém, o que se pode afirmar é que o criminal compliance é essencial para a luta contra a lavagem de capitais se acreditamos no crescimento do país dando fim à era da corrupção institucionalizada em que estamos inseridos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONACCORSI, Daniela Vilani. A atipicidade do crime de lavagem de dinheiro. Análise crítica da Lei 12.684/12 a partir do emergencialismo penal. 1 Ed. Lumen Juris, 2013.

CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance na perspectiva da lei de lavagem de dinheiro. 1 Ed. LiberArs, 2015.

KESSY, John Mac. Knowledge of Good and Evil: a Brief History of Compliance. Disponível em: <http://post.nyssa.org/nyssa-news/2010/05/a-brief-history-of-compliance.html>. Acesso em: 17/04/2107.

LAUFER, Willian S. Corporate Liability, Risck Shifting and the Paradox of Compliance.  Vanderbilt Law Review, v. 52, 1999.

PLANAS, Ricardo Robles. Estudos de dogmática jurídico-penal. Fundamentos, teoria do delito e direito penal econômico. 2 Ed. D´Plácido, 2016.

SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance criminal: revisão teórica e esboço de uma delimitação conceitual. Revista Duc In Altum Cadernos de Direito, vol. 8, nº15, mai.-ago., 2016.

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Sobre a autora
Helena Frade Soares

Advogada do Portela, Lima, Lobato & Colen Advogados. Graduada em Direito pela PUC Minas. Pós-Graduada em Ciências Penais pela PUC Minas. Mestranda em Direito Penal pela PUC Minas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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