INTRODUÇÃO
O tema escolhido para ser objeto deste breve trabalho é tormentoso, em razão de abarcar dois institutos que se fazem presentes em ramos do direito que, no mais das vezes, não se comunicam. A denunciação da lide, elemento eminentemente processual, afeto às regras de atuação da jurisdição e a responsabilidade civil do Estado, matéria de direito administrativo que, por isso mesmo, possui normas próprias de atuação, divergindo sempre da regra geral imposta ao particular.
Assim, se se pretende discorrer acerca da possibilidade da pessoa jurídica de direito público, demandada judicialmente, denunciar à lide o agente causador do dano, é preciso enfrentar os elementos antes vistos isoladamente, dentro de um único contexto. Neste momento, quando se busca a resposta definitiva, é que surgem as divergências.
E desta dissonância surgiu o nosso interesse pelo tema, que só se fortificou a medida em que ousávamos desbrava-lo. As vacilações jurisprudenciais, os embates doutrinários, a falta de conclusão adequada para as questões mais intrigantes, nos levaram a discorrer brevemente sobre os pontos mais relevantes da matéria, sempre considerando a prática forense.
BREVE HISTÓRICO
A denunciação da lide é instituto recente no direito processual brasileiro, embora já existissem traços superficiais do modelo que se tem hoje e que podem ser encontrados desde a edição do Código Comercial e do Regulamento nº 737, que dispôs sobre o processo das causas comerciais e que tratava do chamamento à autoria, nos artigos 111 a 117, sob o nome de "Autoria".
Mais recentemente, e desconsiderando as importantes evoluções históricas impulsionadas pela doutrina, o Código de Processo Civil de 1939 tratou do tema ao disciplinar a "Intervenção de Terceiros", mantendo, todavia, a expressão "chamamento à autoria", que seria o ato pelo qual, aquele que demandava ou que era demandado acerca das coisas ou direito real, fazia notificar ou citar a pessoa de quem tivesse havido a coisa ou o direito real, para que viesse a assumir a defesa. c.f. Aroldo Plínio Gonçalves, Da Denunciação da Lide 2ª edição, ed. Forense, 1987, Rio de Janeiro, p. 119. Não havia outros casos no Código de 1939.
Só com o Código de 1973, instituído pela nº 5.868 de 11 de janeiro daquele ano, é que o chamamento à autoria deixa de existir com esse nome e, porque não, passa a abarcar novas possibilidades além da mais adequada conceituação, qual seja, denunciação da lide.
Segundo doutrina de Aroldo Plínio (p. 127), passou a ser, pois, o instituto através do qual o denunciante propõe contra o denunciado ação de regresso de forma eventual ou condicionada à sucumbência na demanda originária. Na hipótese de ocorrer a sucumbência do denunciante na ação originária, haverá o pronunciamento sobre as duas causas em uma única sentença.
Para o professor WILLIAN COUTO GONÇALVES (Intervenção de Terceiros, ed. Del Rey, BH, 1997, 1ª ed.), a DENUNCIAÇÃO "é o instituto de que dispõe a parte figurante da relação processual, ativa ou passiva, para fazer direito seu perante terceiro, a fim de garantir-se da reparação do prejuízo que da evicção, ou de uma relação jurídica, tornada patológica, prejudicial ao sujeito denunciante, pode resultar".
De qualquer sorte, o que se busca com a denunciação da lide é a garantia de efetividade do comando sentencial que deverá, de uma só vez, declarar, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo, como que se extrai do artigo 76 do Código de Processo Civil.
Assim, o terceiro (denunciado) é chamado para responder pela garantia do negócio jurídico firmado com o denunciante caso este reste vencido na demanda, o que faz surgir uma ação secundária e conexa, cujo mérito deverá ser apreciado simultaneamente com o julgamento da ação principal.
É, pois, verdadeira ação de regresso proposta antecipadamente, já que o denunciante não está imune às conseqüências advindas de eventual sentença desfavorável. Aliás, o risco de prejuízo é, verdadeiramente, o elemento essencial capaz de conferir à parte o acesso ao referido instituto, na medida em que pretende se resguardar na pessoa de um garante.
Inobstante a amplitude do tema, este breve trabalho fará alvo de análise mais detida a hipótese prevista no artigo 70, inciso III do Código de Processo Civil, que reza:
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I –
II –
III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Na verdade, não se trata de resumir a dimensão do debate. A hipótese prevista neste inciso abarca, necessariamente, todas as outras descritas nos itens anteriores do mesmo cânon, sendo mesmo desnecessárias em face da previsão genérica contida neste inciso III.
É impossível não perceber os incisos I e II do artigo 70 da CPC, quando da leitura do último tópico. Ao meu sentir, tanto no caso de evicção quanto no caso do proprietário ou possuidor indireto, é patente a natureza indenizatória advinda de lei ou de contrato que, se aqui não se mostram como palavras sinônimas, também exaurem qualquer outra possibilidade de obrigatoriedade de reparação.
RESPONSABILIDADE CIVIL
Tratar do tema não é tarefa fácil, em razão das inúmeras definições que a expressão responsabilidade pode receber, sobremaneira se se emprega-la dentro da ciência jurídica que, como não seria diferente neste caso, tratou de concebe-la dentro das mais diversas acepções.
Mas não é só no campo jurídico que a palavra ganha importância. A responsabilidade é elemento que excede as raias do Direito e atinge os mais comezinhos atos do relacionamento humano, da moral, da religião, dos costumes.
Todavia, o que nos interessa verdadeiramente é o enfrentamento do tema sob a égide da violação, da infração, da inobservância de norma jurídica válida, e as conseqüências desta atividade em face do agente causador e daquele que sofreu a reprimenda ou a lesão. E neste particular, valorosa é a lição do mestre JOSÉ DE AGUIAR DIAS (Da Responsabilidade Civil, Vol. I, 9ª edição, ed. Forense, 1994, Rio de Janeiro, p.3) que, citando as lições de G. MARTON, autor da obra Lês fondements de la responsabilité civile, Paris, 1938, nº97, p.304, define responsabilidade como "a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas".
Não se quer dizer, à evidência, que a visão "jurisdicionada" que se quer empregar isola em campo estranho os elementos adrede mencionados, como a moral e os costumes. Muito ao contrário, é certo que pode haver ofensas de ordem eminentemente jurídica que, inobstante, atingem, v.g., a moral.
Mas atingem a moral jurídica, não da norma, diga-se, mas do bem juridicamente tutelado.
É quando nasce, pois, a obrigação de reparar o dano causado ao bem jurídico protegido por lei, como fator de desestímulo ao mal causador de insegurança jurídica e social, investindo, por conseguinte, no desenvolvimento razoável da sociedade em razão da presença repressiva e preventiva do Estado em suas mais amplas acepções.
Assim também o é em relação ao mesmo Estado, personificado como ente soberano, supremo, mas que se submete e submete os seus membros às leis que edita. Se é assim, se o Estado deve se curvar aos mandamentos legais, é certo que está sujeito a reparação dos danos que causar a terceiros, devolvendo-os indenes ao estado quo ante.
Hoje, não mais albergado pela regra the king can not do wrong ou le roi ne peut mal faire, o Estado passou a ser, como de certo sempre foi, e isto apesar de eloqüentes manifestações, atingido pelas regras de responsabilidade civil na medida em que, por ser sujeito apto a exercer direitos e impor sanções, pode ser alvo de obrigações e, por via oblíqua, sofrer sanções pelo descumprimento de suas obrigações ou pelo dano que, na pessoa de seus agentes, cometer.
Não se pretende reavivar a teoria da culpa indireta, quando o Estado se torna responsável pelos atos causados por seus representantes que, como já sugeriram, não representam a vontade estatal quando da prática do ato ilícito ou do ato lícito lesivo. Ora, o agente não representa o Estado, porque o é em sua plenitude, em que pese a redação do artigo 15 do Código Civil brasileiro, parcialmente derrogado, penso, pelo § 6º do artigo 37 da Carta Política. Não fosse assim, quem seria o Soberano? Neste ponto, ousamos discordar do mestre Aguiar Dias (op. Cit. P. 559), para quem "devemos interpretar a condição da qualidade de representante como significativa de que o representante agiu em função da representação".
De qualquer sorte, é o Estado responsável pelos atos promovidos por seus agentes que, nessa qualidade, causarem a terceiros. E a qualidade de agente ou, como prevê o Código Civil, de representante estatal é conceito relevante para a apuração da responsabilidade do ente jurídico de direito público – que é o que nos interessa – em face do resultado danoso ocasionado pelo ato ilícito e, inclusive, lícito patrocinado por servidor.
Guimarães Menegale (Direito Administrativo e Ciência da Administração, Rio de Janeiro, 1937), em prestigiada lição, lança mão de critérios eminentemente subjetivos que bem se prestam à identificação desta intrincada relação, com efeito:
"Ordinariamente, distinguem-se nos atos dos funcionários públicos aqueles que são praticados em razão de sua condição humana, sob a influência de sentimentos, ambições ou paixões pessoais, capazes de os animarem em qualquer situação, independentemente, portanto, de sua qualidade de funcionário; e os que, mesmo se misturados de impulsos íntimos, eles praticarem necessariamente na situação de serviço, em relação de dependência com as funções que exerce".
E conclui:
Caracteriza-se a falta pessoal quando o ato do funcionário não se pode confundir com a execução, mesmo irregular, de um ato de função. Logo, se o ato, mesmo ilícito, é inerente à função, a falta é do serviço.
Assim, a qualidade de agente é visível quando o servidor, ainda que imbuído de sentimentos e paixões próprias do homem médio, pratica ato intrínseco ao exercício de seus misteres. Pouco importa estar vestido de uniforme, farda militar, vestes talares, identificação civil ou, até mesmo, em expediente regular.
O estudo casuístico tem ensinado que estas peculiaridades exteriores não são capazes de, por si só, responderem às questões mais intricadas do assunto, na medida em que o que deve ser perseguido à exaustão é a relação entre a prática do ato e as funções regularmente exercidas pelo agente causador do dano, enfim, do agente estatal.
Estando presente esta íntima coincidência, o Estado absorve a penalidade de seu agente, que verdadeiramente é sua própria, e, independente de culpa, o que se verá adiante, deverá responder pela defectibilidade do serviço na medida de sua imperfeição se, é claro, tal falha gerar dano a terceiro que poderá ser, inclusive, uma coletividade.
RESPONSABILIDADE CIVIL – EVOLUÇÃO e TEORIAS
Identificado o nascedouro da responsabilidade estatal, cumpre ressaltar que as conclusões a que se chegou não foram objeto de rápida evolução, em que pesem as contribuições fundamentais advindas do Conselho de Estado francês.
Em estágio que considero germinal do direito das obrigações, já se defendeu a irresponsabilidade absoluta do Estado, pelo que seus agentes deveriam responder, individualmente, pelos danos que causassem.
Já de longínqua data não se admite tal doutrina, estando mesmo superada pelas civilizações mais democráticas. Mesmo os Estados Unidos da América e a Inglaterra, que abraçavam essa descabida doutrina, passaram a admitir demandas propostas diretamente em desfavor da Administração, este país através da "Crown Proceeding Act", de 1947, e aquele pela "Federal Tort Claims Act", 1946. (Rui Stoco, Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2ª edição, ed. RT, São Paulo, 1995, p. 314).
A fim de abrandar a primeira teoria, a da irresponsabilidade, passou-se então a dividir as atividades da Administração em atos de império e atos de gestão, como forma de nortear a identificação da responsabilidade do Estado. Os atos de império seriam os praticados envoltos a todas as prerrogativas e privilégios da Administração ou da autoridade administrativa, o que afastaria a obrigação de indenizar os prejuízos decorrentes do manejo deste tipo de ato.
Ao contrário, os atos de gestão, por serem praticados em condições de igualdade com o particular, poderiam gerar a obrigação de indenizar desde que, diga-se, evidenciada a culpa do Estado.
Dentro das limitações vetustas impostas pelos adeptos da irresponsabilidade estatal, tais inovações mostraram-se importantíssimas para o desenvolvimento do estudo. Foi quando passaram a vigorar os princípios do direito civil e da teoria da responsabilidade subjetiva do Estado baseada, dentro do aspecto civilista, na culpa.
Mas a doutrina evoluiu, superando os conceitos civilistas para alcançar a teoria da responsabilidade objetiva, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, da responsabilidade pública. É neste particular, advirto, que se pretendeu chegar com todas as remissões históricas adrede mencionadas, cuja importância resta aqui evidenciada para a melhor compreensão do problema objeto deste breve estudo.
Os compêndios indicam como marco do desenvolvimento das teorias publicistas o, portanto, famoso caso BLANCO, ocorrido em 1873. Fiel à narrativa da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, 11ª edição, ed. Atlas, 1999, São Paulo, p. 503), eis o episódio:
"A menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua em Bordeaux, foi colhido por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os diretos privados".
A partir de então, é que iniciaram, segundo consta dos manuais, os estudos mais aprofundados acerca do tema. Mas a evolução não foi apenas doutrinária, restrita ao mundo abstrato das letras.
As Constituições pátrias, desde o império, saborearam evoluções dignas de nota, que servirão, em razão do objeto deste breve trabalho, para melhor compreensão das conclusões que chegaremos ao final. Vejamos, pois, sucinto quadro explicativo:
1824
- Art. 179. item 29: Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.1890- Art. 79. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões, em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos. (c.f. "projeto" publicado no Decreto nº 510, de 22/06/1890)
1891- Art. 79. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões, em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.
1934 – Art. 171. Os funcionários públicos são solidariamente responsáveis com a fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos.
§ 1º - Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.
§ 2º - Executada a sentença contra a Fazenda Pública, está promoverá execução contra o funcionário culpado.
1937 – Art. 158. Os funcionários públicos são solidariamente responsáveis com a fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos.
1946 – Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.
§ único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.
1967 – Art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.
§ único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, no caso de culpa ou dolo.
1988 – Art. 37, § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de culpa ou dolo.
As evoluções históricas são evidenciadas nas redações dadas pelos legisladores de então, onde se pode perceber as influências das doutrinas mais primitivas, como o é a da irresponsabilidade civil do Estado (1824), passando pela responsabilidade estatal subjetiva, baseada circunstancialmente na culpa (1934), atingindo, finalmente, os primórdios da responsabilidade objetiva (1946).
RESPONSABILIDADE ESTATAL – A teoria do risco administrativo.
Sem maiores apreciações terminológicas, eis que alcançamos o momento histórico ideal. A teoria do risco é a que, em razão da aplicação da culpa objetiva do Estado, melhor alberga os pensamentos doutrinários atuais, porquanto afasta qualquer preocupação com os elementos civilistas da culpa e que norteiam o campo da responsabilidade civil.
Sem enfrentar o tema aparentemente pacificado entre os mestres, notadamente em relação às diferenças hoje superadas envolvendo a teoria do risco administrativo e do risco integral, o que só se mostra útil para apreciação das questões terminológicas, o que, infelizmente é a tônica dos discursos jurídicos destes tempos, é de se ver que a pertinência do debate se assenta sobre o nexo de causalidade e não mais sobre a culpa.
A questão é saber se há interdependência entre o serviço e a lesão, não interessando a ocorrência de funcionamento deficiente ou insuficiente (faute) do serviço público e, por que não dizer, do agente prestador.
Das lições do mestre CAIO MÁRIO (Instituições de Direito Civil, ed. Forense, Rio, 1961, vol. I, p. 466, n. 116) extrai-se que "o princípio da igualdade dos ônus e dos encargos exige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as conseqüências do dano. Se o funcionamento de serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como conseqüência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva conseqüência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo e, pois, em face de um dano, é necessário e suficiente que se demonstre o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o prejuízo causado". (grifamos)
É que para ser possível ao príncipe soberano "dar lei a todos em geral, e a cada um em particular" (Jean Bodin, Os seis livros da República, 1576) nessa cessão de liberdades que se pretendeu em favor do grande Leviatã, a República ou o Estado exercem atividades que comportam riscos de grandeza superior aos eventualmente promovidos por particulares.
Mas não é só. Além da potencialidade dos riscos, a hipossuficiência do administrado em face do Soberano é de tal forma desproporcional em favor deste último, que a apreciação da responsabilidade se tornaria dificílima ou, porque não, impossível. Neste aspecto, coube ao legislador constituinte conferir à parte evidentemente mais forte a obrigação de provar a sua não-culpa.