A responsabilidade civil da ECT no extravio da correspondência

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18/07/2017 às 15:41
Leia nesta página:

Discute-se aqui o chamado extravio de correspondência e suas consequências na responsabilidade civil.

I – DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Extraviar é desviar ou desviar-se do caminho certo; desaparecer ou provocar o desaparecimento.

Discute-se aqui o chamado extravio de correspondência e suas consequências na responsabilidade civil.

Existem dois tipos de correspondência nos Correios: as cartas simples e as cartas registradas.

A carta registrada é uma correspondência enviada pelos Correios na qual o cliente pagou por um serviço adicional, qual seja, o aviso de recebimento.

O aviso de recebimento, mais conhecido como AR, é um serviço por meio do qual o carteiro, ao entregar a correspondência, pede que o destinatário assine um comprovante de que recebeu a referida carta.

Além disso, com a carta registrada é possível que o consumidor acompanhe a tramitação da correspondência enviada.

Em casos de extravio de correspondência, como fica a situação da ECT?

Não há que se falar em verificação de culpa, uma vez que o art. 21 , X , da Constituição Federal, ainda consagra o monopólio postal da União Federal, de forma que a responsabilidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve ser apurada na modalidade objetiva.

Entende-se que o extravio de correspondência pela ECT prescinde de comprovação de prejuízo explícito ou de ridicularização a que tenha sido submetida a vítima, pois a dor que se indeniza na espécie é íntima e via de regra não pode ser reposta financeiramente, funcionando a recomposição financeira como alento e forma de punição ao agressor.

Dúvida existe com respeito a apuração do valor.

A esse respeito decidiu o TRF2:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ECT. EXTRAVIO DE ENCOMENDA VIA SEDEX. CONTEÚDO E VALOR NÃO DECLARADOS.

1. O ressarcimento, em caso de extravio de encomenda enviada via SEDEX, cuja declaração do conteúdo e valor do objeto postado não foi realizada pelo remetente, é tarifado, não guardando, portanto, relação com o valor intrínseco da entrega. Indeniza-se apenas o preço postal pago pelos clientes para o envio da entrega, único prejuízo sobre cuja existência não há dúvida ou incerteza. Ressalta-se que tal pagamento já foi realizado pela ECT.

2. De fato, em não havendo a entrega, ao contratante, do equipamento postado, verifica-se hipótese em que a credibilidade e reputação da sociedade poderiam ser afetadas, todavia, não sendo conhecido o conteúdo do objeto postal extraviado, não é possível afirmar, com certeza, que a sua perda colocou em exposição ou violou a honra objetiva da autora diante de seus contratantes.

3. Apelação desprovida.

AC 201051010206209, DJe de 18/02/2014

A questão de responsabilidade civil objetiva não é de fácil solução sendo para isso necessário analisar a devida relação de causa e efeito. Inexistente esse nexo de causalidade fica afastada a responsabilidade civil.


II – CAUSALIDADE E EFEITO

A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano. Determina se o resultado surge como consequência natural da voluntária conduta do agente.

Em suma, o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano.

Chegamos a relação material da causalidade e da noção de causa e do nexo causal.

Na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato sensu que inclui o dolo e a culpa estrita (art.186 C.C.).

Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco ( art. 927, parágrafo único do C.C.).

É entendimento pacífico em doutrina que o Código Civil Brasileiro adotou a teoria da causalidade adequada já conhecida do Direito Penal. Por tal teoria somente causas ou condutas relevantes para a produção do dano são capazes de gerar o dever de indenizar.

Também há a teoria da equivalência dos antecedentes causais através das quais todas as condições e circunstâncias que tenham concorrido para produzir o dano são consideradas causa deste.

Por essa tese, incabível a distinção entre condições essenciais e não-essenciais, o que sobejamente amplia demasiadamente a ressarcibilidade numa cadeia infinita.

Ensina Gisele Leite (Apontamentos sobre o nexo causal, Âmbito Jurídico. com. br):

“O direito positivo brasileiro albergou essa teoria no art. 13 do Código Penal Brasileiro aplicado com temperos, naturalmente. Saliente-se que Nelson Hungria aponta que a referida teoria somente seria aplicada nas condutas comissivas, e jamais nas omissivas.

O método hipotético de Thyren pretende estabelecer qual é causa, através da eliminação. Para precisar se determinada causa concorreu efetivamente para o evento, suprime-se esse fato mentalmente e imagina-se, se teria ocorrido o dano da mesma forma.

Se, assim for, não será causa. O inconveniente que se aponta para essa teoria é a possibilidade de inserir estranhos no curso do nexo causal, permitindo uma linha regressiva quase infinita.

Em contraponto, surgiu a teoria da causalidade adequada, ou seja, aquela que prestigia a causa predominante que deflagrou o dano. Pois é certo que nem todos os antecedentes podem ser levados em conta do nexo causal, o que nem sempre satisfaz o caso concreto.

Venosa com sabedoria nos ensina que cabe ao juiz fazer juízo de probabilidade, o que nem sempre dará resultado satisfatório. Já o magnífico Caio Mário da Silva Pereira sobre as doutrinas referentes ao tema, in verbis, alude: “é estabelecer, em face do direito positivo, que houve uma violação do direito alheio e um dano, e que existe um nexo causal, ainda que presumido entre uma e outro. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandante incumbe produzir.”

Corrobora com tal entendimento Rui Stocco que sublinha a necessidade da análise de cada caso concreto, sopesando as provas, interpretando como conjunto para estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado.

Também não se pode olvidar da teoria das concausas, onde em alguns casos o dano foi causado por causalidade múltipla. Ensina Roberto Senise Lisboa que a concausalidade é a concorrência de causas de determinado resultado. E podemos classificá-la como:

a) concausalidade ordinária, conjunta ou comum onde a seqüência de condutas é coordenada e dependente de duas ou mais pessoas, que de forma relevante contribuem para a produção do evento danoso. Exemplo: Duas pessoas que coagem alguém para celebração de certo negócio. Nesse caso, todos os agentes respondem solidariamente aplicando-se o art. 942, caput do C.C.

b) concausalidade acumulativa é a existente entre condutas de duas ou mais pessoas que são independentes entre si, mas que causam prejuízo. Exemplo: Duas pessoas, em alta velocidade dirigindo um carro atropelam um mesmo pedestre, no meio do cruzamento. Cada agente, nesse caso, deve responder na proporção de suas respectivas culpas.

c) concausalidade alternativa ou disjuntiva existe quando entre duas ou mais condutas, sendo que apenas uma delas é importante para a ocorrência do dano. Exemplo: Duas pessoas tentam espancar alguém, uma erra o golpe e, o outro acerta, vindo a alvejar a cabeça da vítima e lhe fraturando inúmeros ossos. Isso numa briga generalizada ocorrida num estádio de futebol. Apenas o último ofensor responderá pelas lesões corporais e danos provocados.

Assim, não se pode esquecer a cuidadosa análise das excludentes totais do nexo de causalidade, a saber:

a) a culpa exclusiva da vítima (ou como deseja Cavalieiri o fato exclusivo da vítima);

b) caso fortuito e força maior;

c) culpa exclusiva de terceiro.”

E ainda disse Gisele Leite ensinou:

“Na definição de Caio Mário, o nexo causal é o mais delicado dos elementos presentes na responsabilidade civil, é o mais difícil de ser determinado.

Assim surgiram variadas teorias com o nobre escopo de definir o nexo de causalidade.

Uma das primeiras teorias foi a de equivalência das causas ou dos antecedentes nascida no direito penal, de Von Buri, embora desenvolvida pela doutrina civilista e acolhida inicialmente pela jurisprudência belga. É prevista no art. 13 do CP, mas aplicada com moderação.

Essa teoria também chamada de teoria de condição sine qua non é de uma inconveniência crassa, pois se levada em sua literalidade radical poderia tornar responsável cada homem por todos os males que atingem o mundo.

E, segundo Binding citado por Tepedino acarretaria a responsabilização do marceneiro como partícipe do adultério pois fabricou a cama na qual se deitaram os amantes e o casal adúltero. Lembremos que por força de lei, o art. 240 do CP foi descriminalizado.

Outra teoria é da causalidade adequada. O efeito deve ser proporcionado à causa adequada, como explicou Von Thur. Só há responsabilidade se o fato, por usa própria natureza, for “próprio a produzir tal dano”.

Conclui Demogue “quanto mais uma causa torne provável um resultado, tanto mais deve esta ser considerada adequada”. Afirma com razão Tepedino que diante tal teoria a causalidade é reduzida a equação de probabilidade, e é examinada in abstracto, ou seja, indaga-se se tal fato teria acarretado tal efeito em quaisquer condições, não no caso concreto.

Com base no teor do art. 403 do CC afirma-se que a responsabilidade civil adotada a teoria da causalidade direta e imediata também chamada de teoria da interrupção do nexo causal consagrada pelo famoso acórdão do STF (STF, 1ª. T., RE 130 764, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 12/05/1992, publ. DJ 07/08/1992) estendendo a solução do preceito às hipóteses de responsabilidade extracontratual.

Trata-se de ação indenizatória em face do Estado do Paraná. Em virtude de assalto praticado por quadrilha que contava entre seus membros, com um presidiário fugitivo de prisão estadual. A responsabilidade do Estado era invocada em virtude da omissão da qual resultou a fuga do preso e a sua permanência em liberdade por quase dois anos.

Postulava-se que a causa do assalto teria sido a omissão do Poder Público, atraindo a responsabilidade objetiva do ente público. O STF negou a indenização, por considerar que o fato imputado ao Estado não era causa direta e imediata do dano.

Isso porque, observa o voto condutor, o assalto fora praticado por uma quadrilha, da qual o fugitivo fazia parte, cerca de 21 meses depois da fuga: logo a evasão da prisão estadual não causou diretamente o roubo, em função da existência de concausas ( a formação da quadrilha, por exemplo), das quais o dano foi efeito necessário.

Ocorreu a interrupção do nexo causal por força de superveniência de circunstâncias descaracterizadoras da relação causal, observou o Ministro Celso de Mello. E Sepúlveda Pertence asseverou que o problema está na existência de causalidade entre a falta do serviço. Responsável pela fuga e o dano.

Houve intercorrência de outra cadeia causal: planejamento, associação e execução do roubo; certamente propiciadas pela fuga, mas fugindo inteiramente do critério do desdobramento normal das consequências da omissão ou negligência da Administração Pública (...)

Pondera com razão a boa doutrina que não é o decurso de tempo entre o dano e ato ou omissão responsável pelo dano que efetivamente afasta o nexo de causalidade.

Na verdade, a responsabilização é afastada pelo aparecimento de concausas. Não é a distância entre a causa e o efeito. Pois se assim o fosse, restaria irressarcido o dano em ricochete admitido pacificamente pela maioria dos tribunais pátrios e, tem previsão legal expressa no art. 948, II do C.C.

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Não se deve dar uma interpretação literal do art. 403 do C.C. Assim com escopo conciliatório, formulou-se a subteoria da necessidade da causa segundo a qual “o dever de reparar surge quando o dano é efeito necessário de certa causa”.

Devem ser tidos como sinônimos os vocábulos “direto e imediato” que servem para reforçar a ideia de necessidade. Agostinho Alvim esclarece que é indenizável o dano que se filia a uma causa necessária, “por não existir outra que explique o mesmo dano.”

Tal teoria da causa necessária volta-se para o caso concreto. Gustavo Tepedino sublinha a multiplicidade de tendência da jurisprudência demonstrando que ora se inclina para a teoria da equivalência das causas, ora se inclina para a teoria da causalidade adequada, ora à subteoria da causalidade necessária.

Alude o ilustre doutrinador que se busca o liame de necessidade entre causa e efeito. E conclui “o dano indenizável é, portanto, aquele que se mostra como consequência necessária da inexecução”.

Na fixação das perdas e danos o juiz também respeitará o previsto em lei processual, como por exemplo, os ônus sucumbenciais (custas e honorários advocatícios). E, ainda o previsto no art. 389 do CC que prevê que não cumprida a obrigação responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos.

Da análise da norma se depreende que o C.C. adotou a teoria da causalidade adequada. O dano poderá ser efeito imediato, mas isso não impede que seja, simultaneamente, um efeito necessário da ação que o provocou.

Adriano de Cupis analisando o fato superveniente à causa, alega que este será relevante, se o dano indireto resultar desse fato, pois o preexistente era potencialmente idôneo para produzir efetivamente o dano.

A obrigação de indenizar em regra não ultrapassa dos limites traçados pela conexão causal, mas o ressarcimento do dano não requer que o ato responsável seja a única causa (grifo nosso) do prejuízo.

A questão do nexo causal consagra Savatier é uma quaestio facti e não quaestio juris. Há julgado que entende inexistente o nexo causal no estacionamento gratuito de automóvel, logo a indenização por furto não será devida (RT 626:250, em contrário temos RT 610:77).”

Diversa é a causalidade parcial.

Rafael Peteffi (Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro, PÁG. 50, São Paulo: Atlas, 2007) lecionou que:

[...] se o prejuízo final não está em relação causal totalmente provada com o ato do ofensor, ou seja, se este não representa uma conditio sine qua non para a realização da perda da vantagem esperada – pode-se conceder a reparação para um prejuízo parcial e relativo [...].

Em seguida, assim exemplifica o autor:

[...] a reparação deverá ser quantificada de acordo com a probabilidade de causalidade provada96. Se existem oitenta por cento (80%) de probabilidade de que a conduta do réu tenha causado o dano experimentado pela vítima, o dano será quantificado em oitenta por cento (80%) do prejuízo total sofrido. Da mesma forma, se o conjunto probatório indica uma probabilidade causal de quarenta por cento (40%), é exatamente segundo esta proporção que será calculada a indenização (SILVA, 2007, p. 50).

Verifica-se que, em síntese, a utilização da causalidade parcial consiste no arbitramento de uma indenização proporcional à probabilidade de participação do agente no resultado danoso. Haverá, portanto, uma análise da sua atuação no evento, oportunidade em que será alcançado determinado percentual. Este será presumido causa, na medida do montante aferido.

Observemos a causalidade presumida.

Trago as anotações de Flávio Cabral Fialho Pereira (Análise da natureza jurídica da responsabilidade pela perda de uma chance):

“Proveniente do direito anglo-saxônico, a teoria da causalidade presumida também relativiza a necessidade de comprovação da conditio sine qua non, assim como ocorre na teoria da causalidade parcial. No entanto, como dispõe o próprio nome, esta vertente utiliza-se de algumas presunções na identificação da causa de determinado dano e, assim feito, o repara integralmente.

Conforme ensina Rafael Peteffi da Silva (obra citada) para definir as situações em que essas presunções serão utilizadas, os juristas da common law se baseiam no denominado “fator substancial”, segundo o qual a certeza da intervenção de determinada conduta no curso normal dos eventos é prescindível para que esta seja vista como causa, bastando ser observado se aquele fator é substancialmente100 capaz de ocasionar o desfecho danoso. Se assim o for, estar-se-á diante de uma proximate cause, sendo imperativo o dever de indenizar.

Diante desse conceito aberto de fator substancial, as hipóteses de sua configuração se mostrariam muito abstratas, pelo que foi desenvolvida a fórmula more likely than not, para sua verificação. Essa fórmula dispõe que frente ao caso concreto é necessário se fazer a seguinte ponderação: “[...] é mais provável que o dano tenha sido causado pela ação ou omissão do réu do que por uma causa estranha, mesmo que não exista um sólido convencimento sobre a verdadeira causa do dano” (SILVA, 2007, p. 35).

Verifica-se desse raciocínio que a conditio sine qua non (tratada por condição but for pelos juristas da common law), é dispensada na identificação da causa, sendo suficiente que haja maior probabilidade de um dano ter sido causado pelo agente do que por outras causas.

Tornando prática essa fórmula, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 35) tece as seguintes considerações:

Para se ter ideia do alcance deste padrão probatório, seria possível dizer que, se a fórmula “more likely than not” fosse posta em termos estatísticos, toda causa que apresentasse cinqüenta e um por cento (51%) de chances de ter sido causa do dano já seria considerada como “but for”, ou seja, como conditio sine qua non. Assim, o simples fato de apresentar uma probabilidade igual ou superior a cinqüenta e um por cento (51%) já seria suficiente para caracterizar a condição necessária.

Conclui-se desse método estatístico que bastará ao autor de uma demanda dessa natureza comprovar que o percentual da participação do ofensor no curso normal dos eventos superou a parcela de interferência das demais causas, que seja em pelo menos um por cento (1%). Assim terá o seu pleito atendido na totalidade. Em contrapartida, havendo igual parcela estatística com os demais fatores (50% a 50%), a demanda será julgada totalmente improcedente.

Eis, portanto, a principal característica trazida pela fórmula more likely than not.

Outra vertente suscitada pelos adeptos da causalidade presumida dispensa o uso do fator substancial e, consequentemente, da referida fórmula em algumas circunstâncias, de modo que toma como base o parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts, que assim dispõe:

Aquele que se incumbe de prestar, de forma gratuita ou onerosa, serviços que são reconhecidos como necessários para garantir a segurança pessoal e patrimonial de outrem deverá ser responsabilizado pelos danos físicos causados à vítima, se a sua negligência tiver aumentado os riscos para a consecução do dano (SILVA, 2007, p. 68)104.

Conforme se verifica, neste cenário não se faz necessária a comprovação do percentual mínimo (51%) para o surgimento da responsabilidade, bastando, para tanto, que haja a criação de riscos que outrora inexistiam em desfavor do ofendido105.

Esclarecendo essa questão, Patrice Jourdain e Geneviève Viney, citados por Peteffi (2007, p. 70), ressaltam para a seguinte situação:

Temos exemplos específicos de concessão de reparação por ‘probabilidade de causalidade’ na reparação de acidentes de trânsito, antes da incidência da lei de 5 de julho de 1985, nos quais não se podia estabelecer com certeza a relação de causalidade entre o fato do ofensor e o dano, mas se sabia com certeza que o responsável havia cometido uma infração. Assim, a indenização era concedida apenas pela constatação de que a infração havia criado um risco injustificado.

De um exame restrito ao referido parágrafo 323 se deduz que a aplicação desse método baseado no risco ocorreria somente aonde preexistira relação jurídica (responsabilidade contratual). Entretanto, conforme entendimento trazido pelo supracitado trecho, a aplicação extensiva aos casos de responsabilidade aquiliana não encontra uma barreira intransponível.

Sobre essa dicotomia proveniente do uso da fórmula more likely than not ou do parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 69) indica que, apesar das peculiaridades, ambas as concepções compõem a mesma categoria, haja vista atenuarem o ônus da prova do nexo de causalidade.

Por fim, o mesmo autor faz destaque para as contundentes críticas sofridas pela teoria, sobretudo no que concerne à manutenção do comentado padrão “tudo ou nada” (SILVA, 2007, p. 69).

Há, No direito francês, exemplos trazidos por Rafael Peteffi (obra citada) pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007.2007, p. 50) que leciona que:

[...] se o prejuízo final não está em relação causal totalmente provada com o ato do ofensor, ou seja, se este não representa uma conditio sine qua non para a realização da perda da vantagem esperada – pode-se conceder a reparação para um prejuízo parcial e relativo [...].

Em seguida, assim exemplifica o autor:

[...] a reparação deverá ser quantificada de acordo com a probabilidade de causalidade provada96. Se existem oitenta por cento (80%) de probabilidade de que a conduta do réu tenha causado o dano experimentado pela vítima, o dano será quantificado em oitenta por cento (80%) do prejuízo total sofrido. Da mesma forma, se o conjunto probatório indica uma probabilidade causal de quarenta por cento (40%), é exatamente segundo esta proporção que será calculada a indenização (SILVA, 2007, p. 50).

Verifica-se que, em síntese, a utilização da causalidade parcial consiste no arbitramento de uma indenização proporcional à probabilidade de participação do agente no resultado danoso97. Haverá, portanto, uma análise da sua atuação no evento, oportunidade em que será alcançado determinado percentual. Este será presumido causa, na medida do montante aferido.

Há, por certo, causas que eliminam essa causalidade. São elas: caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima e cláusula de não indenizar.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Responsabilidade civil pela perda do tempo., pág. 138 e 139, Jus Navigandi, n. 3540. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23925/responsabilidade-civil-pela-perda-do-tempo>) trazem o seguinte exemplo:

O caso fortuito interno ocorreria a partir da atividade da própria administração. Seria um fato imprevisível, mas atrairia responsabilidade civil ao Estado. Isto porque deve-se entender que a atividade estatal criou um risco. Se a administração se coloca no mundo físico, guiando um carro, construindo um edifício, fez surgir, pelo só fato da sua atividade, um risco para os demais. Reparará, portanto, por este risco que criou. Pouco importa que a barra de direção do veículo oficial houvesse partido pelo acaso ou o edifício público desabado pela ação das chuvas. Como se vê, não se exige a presença de culpa. A teoria é objetiva (risco administrativo). Por outro lado, haveria casos fortuitos (denominados casos fortuitos externos) que não adviriam da atividade da administração, mas de terceiros ou da natureza. Neste caso, a administração não deveria reparar ao lesado (só a teoria do risco social fará com que o caso fortuito externo não sirva como excludente). Num exemplo: ninguém poderá reclamar responsabilidade civil do Estado se um raio caiu sobre sua residência e danificou o telhado.

Cavalieiri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 6ª edição, 2006) assim explica a culpa exclusiva da vítima:

A culpa exclusiva da vítima – pondera Silvio Rodrigues – é causa de exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparente causador direto do dano, é mero instrumento do acidente (ob. Cit., p. 179). Assim, se “A”, num gesto tresloucado, atira-se sob as rodas do veículo dirigido por “B”, não se poderá falar em liame de causalidade entre o ato deste e o prejuízo por aquele experimentado. O veículo atropelador, a toda evidência, foi simples instrumento do acidente, erigindo-se a conduta da vítima em causa única e adequada do evento, afastando o próprio nexo causal em relação ao motorista, e não apenas a sua culpa, como querem alguns. [...] Para os fins de interrupção do nexo causal basta que o comportamento da vítima represente o fato decisivo do evento

Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, volume I, 23º edição, Rio de Janeiro, Forense, 2009, pág.574) traz a seguinte lição:

[...] a contribuição do lesado, na construção dos elementos do dano que sofreu, pode graduar em escala diferente a sua concorrência culposa no evento prejudicial, e, consequentemente, graduar-lhe também os efeitos. Assim é que, se a causa do prejuízo está toda inteira no fato da vítima, ocorre a escusativa da responsabilidade. Se a vítima apenas concorreu para o acontecimento, em cuja elaboração fática se adicionaram a falta da vítima e a falta do acusado, reduz-se a indenização, na proporção em que o lesado concorreu para o dano sofrido.

O fato de terceiro será encontrado nas hipóteses em que o dano for proveniente da ação de qualquer pessoa além da vítima e o responsável, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado. .

Dentre as situações elencadas, merecem destaque as relações de consumo. O artigo 25, do competente diploma legal (Lei 8.078 de 1990), disciplina que “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 694). Ou seja, diante da vulnerabilidade do consumidor, há expresso impedimento da existência dessa cláusula, principalmente em se tratando de contratos de adesão.

O Decreto nº 2.681, de 1912, que regula a responsabilidade das estradas de ferro, considera nula qualquer cláusula que tenha por objetivo diminuir a responsabilidade das ferrovias. Em matéria de transportes, é conhecida a Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”. Com sua proibição nos contratos por adesão, protege-se a parte mais vulnerável na relação negocial. Também não se admite a cláusula quando se trata de crime ou ato lesivo doloso, pois, além de constituir condição meramente potestativa (art. 122), nesse caso haveria um salvo-conduto para o agente praticar ato contra o Direito ou contra o dever estabelecido. Também não pode ser admitida a cláusula de não indenizar em conflito com a ordem pública, matéria que não pode ser objeto de transação pela vontade individual. Em tese, pode essa cláusula ser admitida quando a tutela do interesse for meramente individual, desde que não esbarre em direitos do consumidor.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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