A responsabilidade civil da ECT no extravio da correspondência

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18/07/2017 às 15:41
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III – POSIÇÃO DO STJ E DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), ao prestar serviço de coleta, transporte e entrega domiciliar de fitas de vídeo mediante Sedex, não responde pelos danos decorrentes do roubo da carga, salvo se demonstrado que a transportadora não adotou as cautelas necessárias.

O STF, ao julgar a ADPF 46-DF, restringiu à categoria de serviço público stricto sensu (regime de privilégio) as atividades postais descritas no art. 9º da Lei n. 6.538/1978, excluindo do regime especial a distribuição de outros tipos de encomendas ou impressos.

O serviço de coleta, transporte e entrega domiciliar de fitas de vídeo, ainda que exercido pelos Correios, caracteriza atividade econômica típica, devendo ser observado o regime de direito privado aplicável a empresas de transporte de carga, com as quais a ECT concorre no mercado. O art. 17, I, da Lei n. 6.538/1978 exclui a responsabilidade objetiva da empresa exploradora de serviço postal pela perda ou danificação de objeto postal em caso de força maior, cuja extensão conceitual abarca a ocorrência de roubo das mercadorias transportadas. Atualmente, a força maior deve ser entendida como espécie do gênero fortuito externo, do qual faz parte também a culpa exclusiva de terceiros, os quais se contrapõem ao chamado fortuito interno. O roubo mediante uso de arma de fogo é fato de terceiro equiparável à força maior, que deve excluir o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva, por se tratar de fato inevitável e irresistível que gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano. Não é razoável exigir que os prestadores de serviço de transporte de cargas alcancem absoluta segurança contra roubos, uma vez que a segurança pública é dever do Estado, também não havendo imposição legal obrigando as empresas transportadoras a contratar escoltas ou rastreamento de caminhão e, sem parecer técnico especializado, nem sequer é possível presumir se, por exemplo, a escolta armada seria eficaz para afastar o risco ou se o agravaria pelo caráter ostensivo do aparato. O exame quanto à falta de cuidado da transportadora, evidentemente, depende das circunstâncias peculiares de cada caso concreto, não bastando as afirmações de que outros assaltos semelhantes já haviam ocorrido e de que a ocorrência de um assalto não representa circunstância imprevisível em uma metrópole. Mesmo que a relação jurídica se sujeitasse ao regime público de responsabilidade civil do Estado, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, como entendeu o acórdão recorrido, a solução seria a mesma, com a exclusão da responsabilidade dos Correios pelo roubo de mercadorias. Precedentes citados do STF: RE 109.615-RJ, DJ 2/8/2006; do STJ: REsp 435.865-RJ, DJ 12/5/2003; REsp 927.148-SP, DJe 4/11/2011; REsp 721.439-RJ, DJ 31/8/2007, e REsp 135.259-SP, DJ 2/3/1998.

REsp 976.564-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/9/2012.

Certamente a decisão foi tomada diante de um exponencial prejuízo da empresa pública e de particulares nas estradas federais diante de roubos e outros ilícitos havidos.

No entanto, trago a jurisprudência abaixo cuja aplicação, entendo, deve-se dar diante da teoria da causalidade e suas subteorias:

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) deve reparar os danos morais decorrentes de extravio de correspondência registrada. Com efeito, o consumidor que opta por enviar carta registrada tem provável interesse no rastreamento e na efetiva comprovação da entrega da correspondência, por isso paga mais caro pelo serviço. Desse modo, se o consumidor escolhe enviar carta registrada, é dever dos Correios comprovar a entrega da correspondência ou a impossibilidade de fazê-lo, por meio da apresentação ao remetente do aviso de recebimento, de maneira que o simples fato da perda da correspondência, nessa hipótese, acarreta dano moral in re ipsa.

REsp 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 2/5/2013.

Em especial, no caso, por sua importância, cito julgamento no Pet 10730/SP, DJ de 7 de abril de 2017:

“Esse entendimento é corroborado pela jurisprudência desta Corte, asseverando que o extravio de correspondência registrada acarreta dano moral in re ipsa, ou seja, o dano com o extravio de carta registrada é presumido.

2. O extravio de correspondência registrada acarreta dano moral in re ipsa (EREsp 1.097.266/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe de 24/2/2015). 3. Constatada a falha na prestação do serviço postal, é devida a reparação por dano moral. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 655.441/MA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015)

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. (EREsp 1097266/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 24/02/2015)

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA. DANO MORAL IN RE IPSA. CONFIGURAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O extravio de correspondência registrada acarreta dano moral in re ipsa. 2. Tendo o consumidor optado por enviar carta registrada, é dever dos Correios comprovar a entrega da correspondência, ou a impossibilidade de fazê-lo, por meio da apresentação do aviso de recebimento ao remetente. Afinal, quem faz essa espécie de postagem possui provável interesse no rastreamento e no efetivo conhecimento do recebimento da carta pelo destinatário, por isso paga mais. 3. Constatada a falha na prestação do serviço postal, é devida a reparação por dano moral. 4. Recurso especial desprovido. (REsp 1097266/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 23/08/2013)

Ante o exposto, com fundamento no 932, VIII, do Código de Processo Civil e no art. 34, XVIII, b, do RISTJ, nego provimento à petição. Publique-se.

Brasília, 23 de março de 2017.

MINISTRO RAUL ARAÚJO, Relator.”

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A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) reafirmou o entendimento de que o extravio de encomenda gera dano moral independente da declaração do conteúdo

Veja-se o entendimento da Turma de Uniformização de Jurisprudência na espécie:

VOTO -CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ECT. EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA SEM CONTEÚDODECLARADO. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO CONTEÚDO ATRAVÉS DE OUTRAS PROVAS ADMITIDAS EM DIREITO. IMPROVIMENTO.

1. Trata-se de Pedido de Uniformização de Jurisprudência formulado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos contra acórdão que decidiu, confirmando sentença anteriormente prolatada, pela responsabilidade civil da Requerente e condenou-a ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.

2. O incidente foi inadmitido na origem, tendo sido admitido, em sede depedido de submissão, pelo Presidente desta Turma para exame do colegiado. E,nos termos da referida decisão do Presidente, o presente feito foi indicadocomo representativo de controvérsia, a teor do disposto no art. 15, § 2ºe seguintes da Resolução n. 22/2008 do Conselho da Justiça Federal.

3. No presente Pedido de Incidente de Uniformização, a EBCT sustenta que o acórdão recorrido diverge das jurisprudências do STJ, das Turmas Recursais de Minas Gerais e do Distrito Federal e dos Tribunais Regionais Federais da2ª e 4ª Regiões, que entendem ser necessária a comprovação do conteúdoda correspondência para que haja condenação em dano moral por parte daprestadora de serviço postal, decorrente do extravio de correspondência,mesmo tratando-se da responsabilidade objetiva imposta pelo art. 37, § 6º, da CF, por ser mero inadimplemento contratual.

4. Verifico que os acórdãos indicados como paradigmas, emanados da 3ªTurma Recursal da Seção Judiciária de Minas Gerais, possuem aptidão para inaugurar o conhecimento e julgamento deste incidente, já que há substratofático similar ao acórdão recorrido. Passo à análise do mérito.5. O caso em tela refere à necessidade de declarar, ou não, o valordo objeto postado para fazer jus à indenização em caso de extravio decorrespondência.6. Os acórdãos apresentados como precedentes condicionam a indenização do extravio de mercadoria enviada à indicação do conteúdo do objeto postado. Entretanto, ao compulsar a jurisprudência desta Turma Nacional de Uniformização extraio posição diversa, cujo entendimento dirige-se no sentido de que a ausência de declaração do objeto postado não constitui óbice à fixação de indenização, admitida a comprovação por outras possibilidades de prova em direito admitidas. Nesse sentido:

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ECT. EXTRAVIO DECORRESPONDÊNCIA SEM CONTEÚDO DECLARADO. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO CONTEÚDO ATRAVÉS DE OUTRAS PROVAS ADMITIDAS EM DIREITO. IMPROVIMENTO DO INCIDENTE. 1. No caso dos autos, entenderam o Juiz monocrático e a Turma Recursal, através de análise do conjunto probatório constante dos autos, que, a despeito da ausência de declaração de conteúdo, estaria devidamente demonstrado que o objeto postado e extraviado corresponderia, efetivamente, ao projetor que fora remetido ao autor por seu cunhado (que o adquiriu, em nome do demandante, e obteve o correspondente ressarcimento em contabancária). 2. Destarte, o entendimento de que é incabível indenizaçãopor danos materiais em caso de extravio de objeto postado sem declaração de conteúdo pode ser temperado, de maneira a se admitir que, quando comprovado o conteúdo da postagem por outros meios admitidos em direito, é cabível aindenização. 3. Pedido de uniformização conhecido e improvido.

(PEDILEF200584005066499, JUÍZA FEDERAL JOANA CAROLINA LINS PEREIRA, DJ 25/02/2010.)

7. Aplicação da questão de ordem n. 13 da TNU, cujos termos reproduzo:“Não cabe Pedido de Uniformização, quando a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais se firmou no mesmo sentido do acórdão recorrido”.8. Pedido de Uniformização de Jurisprudência improvido. Determinação de devolução dos recursos com mesmo objeto às Turmas de origem para que, PODER JUDICIÁRIO TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOSJUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS nos termos do art. 7º do Regimento Interno da TNU, mantenham ou promovam a adequação da decisão recorrida.

PEDILEF 5008833620114058500, DOU 01/06/2012

Em caso específico, julgado na terceira JEF de Palmas disse o magistrado:

“Sustentar que a autora não experimentou alguma dor e desconforto pelo sumiço da correspondência é aceitar que a empresa pública prestadora do serviço pode, indiscriminadamente, extraviar as correspondências postadas, sem que esse fato cause qualquer repercussão no espírito de quem as remete. O remetente ao enviar a carta confia que esta será entregue”.

A 1ª Turma Recursal de Tocantins confirmou a condenação da ECT, que recorreu então à TNU. No seu voto, o juiz-relator na TNU, Flores da Cunha, fez questão de destacar, também, os "aspectos imateriais" do seu entendimento:

"Os Correios parecem considerar que um extravio é apenas um extravio e nada mais, mas não é assim. Ainda que não tenha valor econômico indenizável, correspondências carregam sentimentos, atenção, sonhos, desculpas, pedidos de ajuda, saudades e tantas outras coisas do mundo invisível, nem por isso, menos importantes de nossas almas. E sentimentos, atenção, sonhos, desculpas, pedidos de ajuda, saudades, se não respondidos, se não correspondidos, podem gerar, separação, dor, sofrimento, frustração, culpa, ira, ódio e tantos outros sentimentos do reverso daqueles”.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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