Artigo Destaque dos editores

Limites do poder discricionário da Administração Pública na aplicação das sanções disciplinares aos servidores públicos

Exibindo página 2 de 4
14/11/2004 às 00:00
Leia nesta página:

CAPÍTULO II

Das faltas e das sanções disciplinares aplicáveis aos servidores públicos

Preliminarmente, antes de tratar propriamente das sanções ou penalidades disciplinares, dever-se-á conceituar de uma maneira clara e precisa o que é a falta disciplinar, também nominada de infração disciplinar ou irregularidade disciplinar, pois a existência de uma Sindicância ou de Processo Administrativo Disciplinar depende dessa determinação e da correspondente sanção disciplinar cabível em cada caso concreto. [35]

Mário Masagão citado por José Cretella Jr. discorre que constitui falta disciplinar ou infração disciplinar a violação, pelo servidor público, de qualquer dever próprio de sua condição embora não esteja especialmente prevista ou definida. [36]

Buscando as palavras de Tito Prates da Fonseca também citado por José Cretella Jr., para estabelece que os elementos da falta disciplinar, são três os elementos: um ato ou omissão, ou uma série deles – elemento material; a sua imputação a uma vontade esclarecida e livre – elemento moral; a perturbação do funcionamento do serviço, ou afetação imediata ou possível de sua eficiência – elemento formal (op. cit. p. 191). Marcelo Caetano também citado por José Cretella Jr. acrescenta ainda mais dois elementos: a necessidade de texto anterior para a incriminação de certo fato - elemento legal e a perpetração de um ato ou a verificação de um fato, que não deve ter sido praticado ao abrigo da lei - elemento justo. [37]

Após delinear os elementos da faltas disciplinares, passar-se-á a classifica-las em faltas disciplinares típicas e atípicas, apesar de que as faltas disciplinares serem comumente atípicas segundo afirma José Cretella Jr. que em matéria disciplinar "deseja-se dar margem de discricionariedade ao administrador para que possa atingir pela repressão disciplinar, toda a infração aos deveres e obrigações do funcionário, sejam quais forem, mesmo as faltas cometidas fora do serviço quando repercutem sobre a honra e considerações do agente e são suscetíveis, pela ressonância, de refletir-se no prestígio da função pública [38], porém conforme Caio Tácito citado por José Cretella Jr. afirmando que a ausência de tipicidade nas faltas disciplinares não indica, contudo, que a ação administrativa se realize em caráter arbitrário ou injurídico. A lei estabelece critérios dentro dos quais se graúda a responsabilidade disciplinar, aferida, ainda, à luz de princípios gerais do direito". [39]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ensina em sua obra jurídica de Direito Administrativo que há exceção à atipicidade da infração disciplinar, mesmo sendo poucas as infrações disciplinares típicas descritas na legislação disciplinar, exemplo disso é a falta disciplinar de abandono de cargo [40]. Nesse mesmo contexto podemos citar os crimes contra a administração pública, a improbidade administrativa, entre outras infrações que são tipicamente descritas como falta disciplinar e com a sanção disciplinar aplicada aos respectivos casos.

José Armando da Costa, comungando da mesma tese escreve sobre a atipicidade da falta disciplinar, da seguinte forma, in verbis:

"De efeito, podemos asseverar que o Direito Disciplinar, via de regra, adota o princípio da atipicidade, a menos quando se trate de punição grave, em que deverá predominar o principio da previsibilidade legal.

Por fim, podemos assentar que os delitos disciplinares oportunizadores da pena de demissão do serviço público devem vir previamente delimitados na lei, predominando, nesses casos, o princípio da tipicidade. Podendo-se dizer o mesmo em relação aos tipos disciplinares que tenham como definição existencial a mesma base factual de um ilícito penal, de que são exemplos os tipos disciplinares previstos no art. 132, I, da Lei n.° 8.112, de 11.12.1990." [41]

Após classificar as faltas disciplinares em típicas e atípicas, podemos distingui-las nas palavras de José Cretella Jr. em: faltas disciplinares propriamente ditas, as que atentam contra a hierarquia sem chegarem a constituir, entretanto, de maneira inequívoca, crime previsto no Código Penal; faltas disciplinares–crime, as que atentando contra a hierarquia e estão capituladas no Código Penal; e, crime, que por qualquer motivo, perturbem a ordem administrativa, visto causarem óbice ao bom andamento dos serviços públicos, como por exemplo, o crime de peculato (art. 312 do Código Penal). [42]

José Cretella Jr., dividi ainda as faltas disciplinares, em três grandes grupos para aplicação das sanções disciplinares: faltas leves, que são aplicadas sanção disciplinar de Advertência, Repreensão e Multa; faltas graves, que são aplicadas sanção disciplinar de Suspensão de até trinta dias; e, faltas gravíssimas, que são aplicadas sanção disciplinar de Suspensão por mais de 30 dias, Cassação de Aposentadoria, Cassação de Disponibilidade, Destituição de Cargo em Comissão, Destituição de Função e Demissão [43].

Delineadas as bases das faltas disciplinares, quanto à conceituação, classificação e divisão é que passamos ao estudo das sanções disciplinares, que segundo José Cretella Jr. conceitua-a no sentido lato, afirma que "é a que é empregada para indicar qualquer meio de que se utiliza o legislador para assegurar a eficácia da norma" [44], numa visão mais técnica define como sendo "conseqüência danosa com que o legislador atribui ao fato daquele que viola a norma, como correspectivo de sua ação e como meio de restauração da ordem jurídica perturbada" [45], ou seja, o Estado buscando proteger sempre a norma jurídica, sancionando disciplinarmente, através do devido processo legal, o servidor público que atentar contra a norma.

Mais uma vez utilizando as palavras de José Cretella Jr. transcrevendo parte da obra de Ruiz y Gomez – Principios generales de derecho administrativo, pág. 419, podendo enquadrar a sanção disciplinar na seara da responsabilidade administrativa e ainda distinguindo-as da responsabilidade penal que é castigada com a sanção social – denominada pena – e a civil, com a obrigação de indenizar ou de reparar o dano causado ao patrimônio – ou seja, como sanção econômica.

Segundo José Cretella Jr. [46], podemos classificar as sanções disciplinares: quanto à natureza, dividindo-se em morais (advertência e a repreensão, que vem a atingir o íntimo do servidor ferindo-o no amor próprio e no brio), pecuniárias (multa, incide sobre o patrimônio do servidor, descompensando-o) ou mistas (participam de ambas as naturezas, atingindo a pessoa e o patrimônio do servidor, por exemplo, a suspensão); e, quanto ao fim a que se destina, dividindo-se em corretivas (tem por objetivo a emenda do servidor, como a advertência, a repreensão, a suspensão e a multa), expulsivas (tem em mira a proteção do cargo e do serviço público, como a aposentadoria compulsória, a disponibilidade e a demissão) e revocatória (cassação de aposentadoria e cassação de disponibilidade).

Desta classificação das sanções disciplinares, e acompanhado o que estabelece o Estatuto dos Servidores Públicos da União – Lei n.° 8.112/90 é que foi criado Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Mato Grosso – Lei Complementar n.º 04 de 15/10/1990, normalizando as sanções disciplinares da seguinte forma: repreensão (art. 154, inciso I), suspensão (art. 154, inciso II), demissão (art. 154, inciso III), cassação de aposentadoria (art. 154, inciso IV), cassação de disponibilidade (art. 154, inciso IV), destituição de cargo em comissão (art. 154, inciso V) e conversão de suspensão em multa (art. 157, § 2.°) e para cada uma dessas sanções disciplinares corresponder-se-á uma ou algumas faltas disciplinares.

Desta feita, após traçar as linhas mestras da sanção disciplinar é que passaremos a analisa-las, utilizando conceitos doutrinários, para que possamos entender a sua aplicação.

A advertência, é uma penalidade que há algum tempo não mais existe em vários estatutos, visto ser apenas uma reprimenda oral de caráter leve e não sendo anotada na ficha funcional do servidor, porém o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União – Lei n.° 8.112/90, ainda impõe esta penalidade, possuindo escopo da sanção disciplinar de Repreensão, pois é feita por escrito e anotada na ficha funcional do servidor.

A repreensão é uma falta disciplinar de natureza leve, sendo esta, reprimenda por escrito que deixa vestígios na ficha funcional do servidor público, no inciso I do art. 154 da Lei Complementar Estadual n.° 04/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Mato Grosso.

Atualmente, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União – Lei n.° 8.112/90, não prevê a sanção disciplinar de Repreensão e em substituição aplica a sanção disciplinar de advertência (por escrito), conforme dispõe o art. 127 da Lei n.º 8.112/90.

A Suspensão, conforme José Cretella Jr. [47]é o afastamento forçado do cargo que a Administração impõe ao servidor público, durante certo tempo, com perda da remuneração correspondente, e impedimento de adentrar no órgão público.

A sanção disciplinar de Suspensão é aplicável em falta disciplinar de natureza grave conforme já dito anteriormente e somente por tempo determinado de acordo com a legislação pertinente e na maioria dos Estatutos é aplicável em caso de reincidência em falta disciplinar de natureza leve [48].

Alguns Estados da Federação, utilizam processos distintos aplicação da sanção disciplinar de Suspensão, ou seja, para a Suspensão de até 30 dias utiliza o instituto da Sindicância e para a Suspensão por mais de 30 dias, tendo como limite de todas as Suspensões o máximo de 90 dias o instituto do Processo Administrativo Disciplinar.

A Lei Complementar Estadual n.º 04/90, utiliza o instituto da Sindicância para aplicação de sanção disciplinar de Repreensão e Suspensão de até 30 dias e para aplicação de sanção disciplinar de Suspensão por mais de 30 dias, como também, a demissão (art. 154, inciso III), cassação de aposentadoria (art. 154, inciso IV), cassação de disponibilidade (art. 154, inciso IV) e destituição de cargo em comissão (art. 154, inciso V), bem, como o Processo Administrativo Disciplinar, devendo em todo e qualquer caso de aplicação de sanção disciplinar a utilização dos Princípios Constitucionais do Contraditório, Ampla Defesa e do Devido Processo Legal.

A Multa para José Cretella Jr. [49]é a obrigação, imposta ao servidor, de pagar ao Estado determinada quantia em dinheiro, mediante desconto em folha, não superior à metade da remuneração.

A Lei Complementar n.º 04/90, prevê no § 2.° do art. 157, que quando houver conveniência para o serviço, a sanção disciplinar de Suspensão poderá ser convertida em Multa, na base de 50% (cinqüenta por cento) por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A Demissão, segundo José Cretella Jr., citando Marcelo Caetano é "o ato administrativo pelo qual a autoridade competente expulsa o agente dos quadros, privando-o temporária ou definitivamente do direito de exercer funções públicas" [50], sendo aplicável à falta disciplinar de natureza gravíssima.

Em alguns Estatutos dos Servidores Públicos existe previsão da demissão simples e da demissão a bem do serviço público, este último quando verificar a prática de crimes contra a administração pública, ou vindo a ferir o erário.

A cassação de aposentadoria é definida por José Cretella Jr. como "pena disciplinar que se aplica ao funcionário inativo por atos praticados, quando já aposentado, ou quando ainda em serviço" [51].

O Estatuto dos Servidores Públicos Federais – Lei n.° 8.112/90, bem como Lei Complementar Estadual n.° 04/90 (previsto no inciso IV, art. 154), prevê a aplicação da sanção disciplinar de cassação de aposentadoria a mesmas faltas disciplinares apenadas com a sanção disciplinar de Demissão.

A cassação de disponibilidade, conforme José Cretella Jr. é "a pena que se impõe ao funcionário que não assume, no prazo legal, o exercício do cargo ou função em que for aproveitado" [52]. Ressalta-se que tanto a legislação disciplinar dos Servidores Públicos Federais, quanto a Lei Complementar Estadual de Mato Grosso n.° 04/90 no inciso IV, do art. 157, prevê a aplicação da sanção disciplinar de cassação as mesmas faltas disciplinares apenadas com a sanção disciplinar de Demissão.

A Destituição de Cargo em Comissão, prevista na Lei Complementar n.° 04/90, subdivide-se em: o servidor não ocupante de cargo efetivo (art. 162) aplicando-se as mesmas faltas disciplinares sujeitas à penalidade de Suspensão e de Demissão; no caso servidor ocupante de cargo efetivo em exercício de cargo em comissão, deverá ser aplicada à sanção disciplinar de Demissão e ao invés de Destituição de Cargo em Comissão.

Salientamos ainda, que além das sanções disciplinares mencionadas, a Lei Complementar Estadual n.º 04/90 e suas alterações, da poderes para que a autoridade competente para sancionar o servidor pode subsidiariamente aplicar as seguintes penalidades ao servidores: quando os mesmos incorrerem nas faltas disciplinares capituladas nos incisos XV, VIII a X do artigo 144, implicará na indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível, conforme estatuído no art. 163; quando os servidores infringirem os inciso X, XII e XIII, do artigo 144, incompatibilizará o ex-servidor para nova investidura em cargo público estadual, pelo prazo mínimo de 05 (cinco) anos, conforme estatui o art. 164, caput; e, ainda os servidores que incorrerem nas faltas disciplinares capituladas no Inciso I, IV, VIII, X e XI do artigo 159, não poderá retornar ao serviço público estadual conforme estatui o art. 164, § único, todo do citado diploma.

Após discorrer sobre os institutos disciplinares da falta e da sanção disciplinar, é que passaremos a analise das respectivas faltas e suas devidas sanções disciplinares, no aspecto da discricionariedade.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fernando Eugênio Araújo

Advogado em Cuiabá/MT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Fernando Eugênio. Limites do poder discricionário da Administração Pública na aplicação das sanções disciplinares aos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 495, 14 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5925. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao curso de pós-graduação lato sensu em Direito e Gestão Pública do Centro Universitário de Várzea Grande, como requisito para a obtenção do título de especialista em Direito e Gestão Pública, sob orientação do professor Francisco de Salles Almeida Mafra Filho.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos