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Limites do poder discricionário da Administração Pública na aplicação das sanções disciplinares aos servidores públicos

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14/11/2004 às 00:00
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CAPÍTULO III

A Discricionariedade na aplicação DA SANÇÃO disciplinar aos servidores públicos

A Administração Pública para que possa desempenhar plenamente as suas funções, dispõe do instituto da discricionariedade, porém antes de estuda-lo, discorreremos sucintamente sobre o poder disciplinar que é o poder de sancionar os servidores que cometerem faltas disciplinares e que conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro "o poder disciplinar é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa" [53]

Na aplicação do poder disciplinar pelo Administrador Público, deve ser observado a discricionariedade no instituto da sanção disciplinar, conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, define que "o poder disciplinar é discricionário, o que deve ser entendido em seus devidos termos. A Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois, tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível. Não o fazendo, incide em crime de condescendência criminosa, previsto no artigo 320 do Código Penal, e em improbidade administrativa, conforme artigo 11, inciso II, da Lei n.° 8.429, de 2-6-92". [54]

Assim, a discricionariedade é a possibilidade, diante de um caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência a escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito [55], entretanto como supramencionado a Administração não pode escolher entre punir ou não o servidor que cometer falta disciplinar, devendo conforme a legislação disciplinar puni-lo quando houver cometido a falta disciplinar.

Ressaltamos que essa discricionariedade quando não bem delineada serve como meio arbitrário e injurídico para a aplicação da sanção disciplinar.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro elenca dois critérios para existência da discricionariedade nos atos administrativos: um jurídico, utilizando a "teoria da formação do Direito por degraus, de Kelsen: considerando-se os vários graus pelos quais se expressa o Direito, a cada ato acrescenta-se um elemento novo não previsto no anterior; esse acréscimo se faz com o uso da discricionariedade; esta existe para tornar possível esse acréscimo" [56]; e, o outro prático, "a discricionariedade justifica-se, quer para evitar o automatismo que ocorreria fatalmente se os agentes administrativos não tivessem senão que aplicar rigorosamente as normas preestabelecidas, quer para suprimir a impossibilidade em que se encontra o legislador de prever todas as situações possíveis que o administrador terá que enfrentar, isto sem falar que a discricionariedade é indispensável para permitir o poder de iniciativa da Administração, necessário para atender às infinitas, complexas e sempre crescentes necessidades coletivas". [57]

Partindo-se das premissas supramencionadas, poder-se-á questionar: quais são os limites da discricionariedade no âmbito das aplicações das sanções disciplinares? ou, esse instituto pode ser utilizado nos casos da aplicação das sanções disciplinares ao servidor público que cometeu falta disciplinar?

Dessas indagações, de acordo com a melhor doutrina e, conforme já mencionado anteriormente, a discricionariedade no âmbito disciplinar não é aplicável ao fato de punir ou não punir o servidor faltoso, ou seja, aplicar ou não a sanção disciplinar, se a falta disciplinar ocorreu e comprovou-se a autoria, mas sim qual das penalidades previstas no Estatuto do Servidor Público deve ser aplicada.

Podemos entender conforme discorre Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a sanção disciplinar é um ato administrativo propriamente dito, "quanto à função da vontade, voltada para obtenção de determinados efeitos jurídicos definidos em lei" [58] E segundo a citada professora poder-se-á dividi-lo em ato administrativo discricionário, ou neste caso sanção disciplinar discricionária, "será discricionário quando houver vários objetos possíveis para atingir o mesmo fim, sendo todos eles válidos perante o direito; é o que ocorre quando a lei diz que, para a mesma infração, a Administração pode punir o funcionário com as penas de suspensão ou de multa" [59]e ato administrativo vinculado, ou sanção disciplinar vinculada onde, "o ato será vinculado quando a lei estabelece apenas um objeto como possível para atingir determinado fim; por exemplo, quando a lei prevê uma única penalidade possível para punir uma infração" [60].

Desta conceituação, podemos afirmar que um exemplo de sanção disciplinar discricionária é a sanção de Suspensão que pode variar de 01 (um) dia a 90 (noventa dias), conforme o que tem estabelecido a maioria dos Estatutos dos Servidores Públicos, tanto da União, como dos Estados e dos Municípios. Ressalvados os casos em que a legislação comporta a escolha entre uma ou outra sanção disciplinar. E a sanção disciplinar vinculada compreenderia as sanções disciplinares de Advertência, Repreensão, Multa, Cassação de Aposentadoria e de Disponibilidade, Destituição de Cargo em Comissão e de Função e a Demissão.

Desta forma, podemos entender que a aplicação da sanção disciplinar discricionária ocorrerá quando o julgador de uma Sindicância e de um Processo Administrativo Disciplinar tiver que escolher uma sanção disciplinar entre duas ou mais sanções aplicáveis ao caso concreto, entretanto se houver para uma falta disciplinar a correspectiva sanção disciplinar esta será uma sanção disciplinar vinculada, ou seja, vinculada a legislação que obriga a aplicação de uma sanção a um caso concreto.

Insta ressaltar, que mesmo distinguindo as sanções disciplinares em discricionárias e vinculas, o rol das faltas disciplinares nas legislações administrativas disciplinares utiliza vocábulos plurissignificativos, sendo denominados conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro de conceitos jurídicos indeterminados, "que ocorre quando a lei manda punir o servidor que pratica falta grave, ou "procedimento irregular", sem definir em que consiste, que deixam à Administração a possibilidade de apreciação segundo critério de oportunidade e conveniência administrativa, desde que se trate de conceitos de valor, que impliquem a possibilidade de apreciação do interesse público, em cada caso concreto, afastada a discricionariedade diante de certos conceitos de experiência ou de conceitos técnicos, que não admitem soluções alternativas" [61].

Retomando o Capítulo II, no tocante as faltas disciplinares, poder-se-á entender que as faltas disciplinares atípicas dão certa margem de discricionariedade para o administrador que poderá interpretá-las como sendo irregularidades passíveis ou não de sofrer sanção disciplinar, já as faltas disciplinares típicas serão sempre vinculadas à Lei, não deixando margem para o administrador apreciá-la através do critério de oportunidade e conveniência. Poder-se-á ainda dizer que a falta disciplinar enquadrar-se-á nos fatos administrativos que "ocorre quando o fato descrito na norma legal produz efeitos no campo do direito administrativo, podendo, conforme supramencionado, ser a falta disciplinar típica e atípica". [62]

Entender-se-á então que os limites da discricionariedade no âmbito das aplicações das sanções disciplinares são amplos e caso não haja limites bem delineados, poderá dar ensejo à aplicação de sanção disciplinar de forma arbitrária e até mesmo injusta ou injurídica, como é o caso da sanção disciplinar de Suspensão, que mesmo havendo previsibilidade na legislação administrativa disciplinar para sua aplicação, deverá ser analisado em sua aplicação: a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provieram para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes a os antecedentes funcionais do servidor. Todavia em momento algum nas legislações administrativas disciplinares traçam parâmetros, dos agravantes e atenuantes, ou mesmo quais os antecedentes funcionais que devem ser apreciados e levados em consideração para aplicação da sanção disciplinar.

Enfim, poder-se-á entender que a discricionariedade deve ser utilizada para evitar o automatismo que ocorreria se a administração pública não tivesse outros meios de aplicar a norma, bem como para suprir as normas pela impossibilidade do legislador prever todas as possíveis situações que o administrador terá que enfrentar, porém essa discricionariedade deve possuir limites muitos bem definidos em Lei, para que não seja utilizado o poder disciplinar, como meio de coagir ou perseguir servidores.

Podemos ainda ressaltar, que mesmo quando o servidor público é penalizado com sanção administrativa disciplinar no âmbito administrativo, o mesmo poderá recorrer as vias judiciais conforme estatui o art. 5.°, inciso XXXV da Constituição Federal, para que seja discutida a aplicação da sanção disciplinar, quer seja a respeito da legalidade do ato administrativo que deu ensejo a sanção disciplinar, quer seja para discutir a moralidade do ato administrativo, conforme estatui o art. 37, caput, e art. 5.°, LXIII da CF/88.

Neste diapasão, podemos refutar ainda que mesmo os atos administrativos discricionários podem ser passíveis de controle de judicial, pois os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato administrativo, são passíveis de controle judicial, desde que respeitando a discricionariedade administrativa nos parâmetros estabelecidos pela legislação à Administração Pública. [63]

Delineando, desta forma a discricionariedade e a vinculação, dos atos administrativos no âmbito disciplinar, mais especificamente com referência as sanções disciplinares, é que por fim discutiremos a aplicação analógica do instituto da Dosimetria da Pena advindo do Direito Penal, no âmbito disciplinar, para aplicação da sanção disciplinar.


CAPÍTULO IV

APLICAÇÃO ANALÓGICA DA DOSIMETRIA DA PENA NO ÂMBITO DO DIREITO DISCIPLINAR

Na maioria dos estatutos dos servidores públicos não existe previsão legal de como proceder na aplicação da sanção disciplinar, vindo apenas traçar normais gerais, tais como considerar a natureza e a gravidade da falta disciplinar cometida, os danos que dela provieram para o serviço público, as circunstâncias agravantes e atenuantes e os antecedentes funcionais do servidor [64], porém não há nenhuma normatização que elenca os agravantes, os atenuantes, e nem o quanto deveriam ser agravadas ou atenuadas as sanções disciplinares.

O Direito Penal nos oferta o instituto da Dosimetria da Pena, que nada mais é do que um regramento jurídico para a aplicação da sanção no âmbito penal. Este regramento está estabelecido na Parte Geral do Código Penal, mais precisamente no artigo 68, que estatui:

"Art. 68 A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento."

Desta feita, a aplicação de uma sanção no Direito Penal é composta de três fases: as circunstancias judiciais do art. 59 do CP; as circunstancias legais genéricas, que são as agravantes do art. 61 e 62 do CP e as atenuantes do art. 65 e 66 do CP; e, por último as causas de aumento e de diminuição, contidas nos art. 14, § único; 28, § 2.°; 70; 71, caput e seu § único, todos do Código Penal.

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Assim podemos verificar que não há na legislação administrativa disciplinar normas que demonstrem todo cuidado que o legislador penal teve com as sanções penais, principalmente no âmbito das sanções disciplinares quanto à penalidade de Suspensão ao servidor público, ou seja, a legislação disciplinar não estabelece os parâmetros em que o administrador público pautará a sua decisão administrativa disciplinar.

Enfim, após delinear, analisar e estudar os institutos concernentes aos Limites do Poder Discricionário da Administração Pública na aplicação das sanções disciplinares aos Servidores Públicos, passaremos as considerações finais de todo o trabalho monográfico exposto.


COnsiderações finais

Neste contexto do Direito Administrativo apresentado, mais precisamente os atos administrativos que ensejam a aplicação sanção disciplinar, pode-se afirmar que a Administração Pública no âmbito disciplinar, possui um imenso poder discricionário, pois os servidores que estão sob a sua égide, contam apenas com princípios constitucionais para assegurar os seus direitos, como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e os demais princípios e garantias constitucionais extrínsecos e intrínsecos que fazem parte dos direitos inerentes ao servidor a quem é imputada falta disciplinar.

Visando a uma melhor atuação estatal no âmbito disciplinar é que surgiu nos serviços públicos a figura das Corregedorias, implantada como parte integrante de Órgãos e Instituições Públicas com a finalidade de oferecer maior agilidade aos serviços públicos e otimizar resultados, mediante seu caráter de fiscalização, controle, poder de correição de desvios e decisões administrativas.

Assim sendo, com sua implantação e priorização a administração pública buscou dar resposta aos anseios da atual sociedade, que clama por melhoria, racionalidade, legalidade, honestidade... enfim, qualidade nas ações que o serviço público deve ofertar. Pois com setores específicos, para cuidar da área, pressupõem-se equipe melhor preparada e eficiente no desenvolvimento estrutural e de conteúdo dos processos formais existentes, bem como, agilidade e dinâmica no campo do processo administrativo.

Porém, mesmo com a criação de órgão específico para apurar faltas disciplinares, a mesma precisa de legislação mais clara e rígida, calcada na aplicação de sanção disciplinar que se aproxime ao máximo da função de qualquer penalidade seja ela civil, penal ou administrativa, alcançando somente o indivíduo faltoso e sancionando-o no quantum relativa a transgressão da norma jurídica.

Todavia, pode-se afirmar que o Brasil e, propriamente o Estado de Mato Grosso, não foge a triste realidade que assola nosso sistema disciplinar, pois a falta de conhecimento específico na área jurídica por parte de alguns servidores designados para as Comissões Disciplinares, contribui para o quadro de confusões terminológicas e de procedimentos que dificultam o desenvolvimento de um Procedimento Disciplinar.

Mesmo com a criação das Corregedorias há necessidade de se melhorar a legislação atual, transformando a realidade existente hoje, como está a clamar alguns setores da sociedade, havendo a necessidade dos órgãos públicos repensarem suas propostas de atuação, estabelecendo-as como prioridades políticas de governo na tentativa de garantir a justiça democrática, atinente às normas disciplinares, para homens que exercem cargos e funções públicas e privadas. Devendo ressaltar que para isso, há necessidade também, de garantir que o profissional que atuará na área tenha sólidos conhecimentos dos campos administrativo e jurídico, que permitirão a junção de esforços legais e profissionais no sentido da melhoria da construção do novo paradigma social que hoje esta posto no processo democrático e de direito conforme reza a Carta Magna.

Considerando ainda, que há necessidade das Comissões de Procedimentos Disciplinar e da autoridade Julgadora, agirem com maior segurança, na tarefa do campo dos diplomas legais, que regem o expediente disciplinar, para realizar o que a lei implícita e explicitamente quis estabelecer. Para tanto ressaltamos o artigo 37 da atual Constituição Federal, como sendo norteador de uma administração pública eficiente e que atenda aos anseios da sociedade, como expressão do DIREITO e da JUSTIÇA.

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Sobre o autor
Fernando Eugênio Araújo

Advogado em Cuiabá/MT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Fernando Eugênio. Limites do poder discricionário da Administração Pública na aplicação das sanções disciplinares aos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 495, 14 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5925. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao curso de pós-graduação lato sensu em Direito e Gestão Pública do Centro Universitário de Várzea Grande, como requisito para a obtenção do título de especialista em Direito e Gestão Pública, sob orientação do professor Francisco de Salles Almeida Mafra Filho.

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