Tutela da evidência

Dignidade do processo civil

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26/07/2017 às 10:43
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O artigo tem por objetivo uma análise do instituto da tutela da evidência, bem como as hipóteses de concessão e os benefícios introduzidos pelo Novo CPC.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo uma análise do instituto da tutela da evidência, seu conceito e hipóteses de cabimento. Busca fazer uma análise sintética dos benefícios do instituto que tem por objetivo uma prestação jurisdicional mais eficaz. Será realizado ainda uma análise do caráter sancionatório do instituto, que tem por objetivo evitar abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do feito. Destaca-se que a tutela da evidência em nada se confunde com a tutela de urgência, onde os requisitos para sua concessão são diversos. O nascimento do instituto no Novo Código Civil serve para que a morosidade judiciária não venha a favorecer o ofensor em detrimento do detentor evidente do direito.

PALAVRAS CHAVE: Tutela da evidência, cabimento, sancionatório, concessão

ABSTRACT:This article has as objective an analysis of the institute of the tutelage of the evidence, its concept and hypotheses of fit. It seeks to make a synthetic analysis of the benefits of the institute that aims at a more effective jurisdictional rendering. An analysis of the sanctioning nature of the institute will be carried out, with the purpose of avoiding abuse of the right of defense or the manifest purpose of the action. It should be emphasized that the protection of the evidence is not confused with the guardianship of urgency, where the requirements for its concession are diverse. The birth of the institute in the New Civil Code serves so that judicial delays do not favor the offender to the detriment of the obvious holder of the right.

Key word: Evidence protection, enforcement, sanction, grant


1 CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS

A maior característica da tutela da evidência é a possibilidade de antecipação dos efeitos finais da decisão, situações em que o provável direito do autor é desde logo satisfeito, independentemente da necessidade ou não da urgência da prestação jurisdicional.

Salienta-se que a própria Constituição Federal em seu artigo 5º, LXXVII estabelece que o processo deve ter duração razoável, e que a natureza satisfativa da decisão, igualmente, não pode fugir à razoabilidade.

Como o processo deve se adequar às aspirações da sociedade moderna, o legislador adequou sistematicamente inúmeros dispositivos do Novo Código visando a concessão de uma tutela jurisdicional adequada.

Antes de se adentrar ao estudo do instituto, imperioso ver o que estabelece o artigo 311 do Novo Código de Processo Civil:

Art. 311.  A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

No revogado Código de Processo Civil (artigo 273 inciso II) já existia a possibilidade de deferir a tutela, independentemente do risco de dano, sempre que houvesse abuso de direito ou propósito protelatório do feito.

No Novo Código, as hipóteses de concessão da tutela da evidência foram ampliadas para que o detentor do direito não sofra com a demora do processo. Pode-se afirmar que o direito provável deve preencher os mesmos requisitos da probabilidade necessária à tutela de urgência, que, se enquadráveis em algum dos incisos do artigo 311 do Novo Código de Processo Civil (que serão abordados sistematicamente na continuação desse artigo) deverá ser concedida.


2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Constitucionalmente todos têm direito ao acesso à justiça. O Estado, por sua vez, tem o dever de prestar uma tutela jurisdicional ágil e de maior utilidade.

Vejamos o que ensina Luiz Rodrigues Wambier nesse sentido:

Quando se fala em acesso à justiça, o que se quer dizer é direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, ou seja, o direito à obtenção de provimentos que sejam realmente capazes de promover, nos planos jurídicos e empíricos, as alterações requeridas pelas partes e garantidas pelo sistema processual.[2]

A própria Constituição Federal assegura a todos a duração razoável do processo em seu artigo 5º, inciso LXXVIII que estabelece: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Luiz Guilherme Marinoni ensina que a morosidade do processo caminha em benefício daquele que viola as leis e os direitos de outrem, e que seria ingenuidade imaginar algo diferente, logo, a parte que tem razão sempre será a mais prejudicada.[3]

Quando o direito do autor se mostra nítido não é correto lhe impor a longa espera pelo desfecho do processo. Se o direito salta aos olhos pode o magistrado, desde logo, lhe entregar o bem da vida.

Logicamente é notório que a estrutura do Poder Judiciário no Brasil é precária e não consegue atender satisfatoriamente a demanda que lhe é imposta, por isso o instituto da tutela da evidência visa entregar logo o bem da vida, e, com isso, propiciar maior felicidade ao jurisdicionado que busca no Estado a solução para os seus conflitos.


3 O USO DO INSTITUTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973

Mesmo antes da vigência do Novo Código de Processo Civil os julgadores já estavam a aplicar a tutela da evidência, apesar de timidamente.

O Ministro Luiz Fux foi um dos primeiros (ou o primeiro) a utilizar o termo Tutela da Evidência. Vejamos o que ensina:

A cognição judicial da evidência permite não só o deferimento initio litis do provimento requerido como também o seu indeferimento e, nesse tópico, coincidem os regimes da segurança e da evidência, tanto que o juízo que indeferir de plano a inicial pela inexistência “evidente” de direito alegado, sem que haja qualquer violação do contraditório, instituído em prol do demandado, para que a sentença favorável não seja fruto da manifestação unilateral do autor. Ora, se o juízo de per si verifica de plano da inexistência do direito, pelo ângulo da evidência, nenhuma utilidade representará a vinda do réu aos autos, mercê de essa postura resguardar, no plano jusfilosófico a igualdade de tratamento às partes do processo.[4]

Nesse sentido, cita-se 02 julgados que corroboram o uso do instituto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - INDISPONBILIDADE DE BENS - TUTELA DE EVIDÊNCIA - REQUISITOS - 'PERICULUM IN MORA' - PRESUMIDO - FORTES INDÍCIOS DA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA - EX-PREFEITO MUNICIPAL - REMANEJAMENTO DE SERVIDOR MUNICIPAL - POSSIBILIDADE - CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE - PERSEGUIÇÃO POLÍTICA - NÃO COMPROVAÇÃO - PAGAMENTO DOS VENCIMENTOS - RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO - PROVIMENTO. - Consoante precedente do STJ (repercussão geral), a medida cautelar, nas ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, "não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando representes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa." (TJ-MG - AI: 10183140115704002 MG, Relator: Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 07/05/2015, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2015).

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INOVAÇÃO RECURSAL. DESCABIMENTO. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI N. 8429/92. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. DESPROVIMENTO. 1. Não se conhece da preliminar de ilegitimidade passiva, porquanto fora apresentada de forma originária em sede de agravo regimental, o que caracteriza inovação recursal, sendo vedado o exame da matéria ainda que se trate de conteúdo de ordem pública. Precedentes. 2. A Primeira Seção desta Corte de Justiça, no julgamento do REsp 1.366.721/BA, solucionado sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543 -C do CPC), consolidou o entendimento de que o decreto de indisponibilidade de bens em ação civil pública por ato de improbidade administrativa constitui tutela de evidência, dispensando a comprovação de periculum in mora. É suficiente para o cabimento da medida, portanto, a demonstração, numa cognição sumária, de que o ato de improbidade causou lesão ao patrimônio público ou ensejou enriquecimento ilícito, o que ocorreu na espécie. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1316211 DF 2012/0061561-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 07/04/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2015).

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Desse modo, em que pese somente no CPC/2015 a tutela da evidência estar expressamente prevista, conforme demonstrado, muitos julgadores, sabiamente já utilizavam o instituto, como forma de dar maior efetividade à jurisdição.


4 REQUISITOS À CONCESSÃO DA TUTELA DA EVIDÊNCIA

4.1 I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte

Esse inciso não é inovador, pois já estava previsto no antigo artigo 273, II do Código de Processo Civil de 1973.

De acordo com Rogéria Dotti a única diferença entre o novo e o antigo CPC é que o novo não prevê expressamente a necessidade de prova inequívoca e da verossimilhança das alegações, mas, em uma análise sistemática, percebe-se a necessidade da probabilidade do direito do autor.[5]

Alguns doutrinadores entendem que o abuso de direito deve ser combatido, e uma das formas é o deferimento da tutela pretendida pela parte contrária. Destaca-se o entendimento de Souza:

Todo o abuso de direito deve ser combatido de forma rigorosa, seja decorrente do direito de ação ou proveniente do direito de defesa, razão pela qual o Relatório Final da Câmara dos Deputados faz uso do termo “parte” e não “réu”. O abuso do direito de defesa caracteriza-se quando a parte tenta se valer de diversos mecanismos de defesa, por serem ineficazes ou inadequados jamais poderiam colocar em dúvida a evidência do direito do autor.[6]

Pelo que se percebe, não basta o abuso do direito de defesa para que a tutela da evidência seja concedida, ou seja, o direito deve ser provável.

Também deve ser concedida a tutela quando a defesa for inconsistente, incapaz de convencer. Isso se aplica, especialmente, nas defesas dos entes públicos, que contrariam seus próprios precedentes.

Destaca-se que o fundamento do inciso I pode ser aplicado antes mesmo da citação do réu, nos casos em que o juiz reconhecer que o réu já tem ciência da existência do processo mas está se comportando de modo a se esquivar da citação. Nesse caso é possível o deferimento da tutela da evidência inaudita altera pars.[7]

4.2 II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante

O referido inciso demonstra a preocupação do legislador em incorporar ao ordenamento jurídico pátrio uma prática comum anglo-saxônica (common Law), onde, visando maior segurança jurídica, obriga os tribunais a seguirem, em casos semelhantes, as decisões de casos anteriores.

Assim sendo, conhecendo um precedente torna possível saber qual será o desfecho da demanda. No incidente de resolução de demandas repetitivas parte-se de um caso concreto entre contendores individuais, cujo resultado da demanda deve ser repetido a casos semelhantes.[8]

De acordo com Carneiro, é possível o deferimento da tutela quando a incontrovérsia ocorrer no plano dos fatos ou do direito. Vejamos:

O inciso II do artigo 311 do Novo Código de Processo Civil se assemelha ao § 6º do artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973, hipótese em que os pedidos se mostrem incontroversos. Essa incontrovérsia refere-se ao objeto do processo e pode se dar no plano do direito ou dos fatos.[9]

A aplicação, quando existente súmula vinculante, também demonstra a ideia da segurança jurídica, tendo em vista que a súmula vinculante é o entendimento reiterado do Supremo Tribunal Federal que vincula todo o Judiciário e Administração Pública.

Ora, se o tema já está pacificado até no STF, vinculando os órgãos do Poder Judiciário, então por que o juiz não entregaria a tutela logo no início da demanda?

4.3 III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

Antes da vigência do Novo Código alguns autores entendiam que seria necessário comprovar a mora do devedor como requisito ao deferimento da tutela da evidência. Vejamos:

O texto estabelece expressamente que a hipótese vertente prescinde do contraditório prévio. (...) uma vez que o demandante aparelhe a petição inicial não somente com a prova do depósito, mas também com o documento comprobatório da mora, afigura desproporcional impor-lhe a espera pelos atos de citação e de resposta do réu, para só depois gozar do direito cuja existência já se sabe bastante provável.[10]

O dispositivo legal é claro ao estabelecer como requisito ao deferimento da liminar que a petição inicial esteja acompanhada de prova documental adequada do contrato de depósito, sendo desnecessário comprovar notificação prévia ao réu.

4.4 IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

O dispositivo legal exige prova documental extremamente forte do direito do autor. Critica-se o uso de expressões genéricas como “prova documental suficiente” ou “dúvida razoável”.

Da maneira como está impõe ao julgador a necessidade de motivação da decisão concessiva da tutela, e deverá expor discriminadamente o porquê entendeu que a prova documental foi suficiente e porque não existe dúvida razoável à prova do autor.

Como o texto do artigo cita “a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”, subentende-se que a tutela somente pode ser deferida após apresentação de contestação.

Nesse caso, tendo em vista o altíssimo grau de verossimilhança nas alegações do autor, seria injusto proteger a esfera jurídica do réu, sendo que este conta com poucas chances de êxito ao final da demanda, em detrimento do autor que, documentalmente comprovou seu direito, e o réu não foi capaz de semear dúvidas suficientes à pretensão do autor.

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Sobre a autora
Nildecir Pereira da Silva

Advogado em Curitiba-PR pelas Faculdades OPET. Formado em 2012. Pós-Graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale. Pós-Graduando em Direito Acidentário pela Faculdade Legale. Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Legale.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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