Construção civil:

canteiro de acidentes e responsabilidade civil

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26/07/2017 às 10:49
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Breve análise sobre o canteiro da construção, o porquê de existirem tantos acidentes de trabalho nessa área e a extensão da responsabilidade do empregador.

RESUMO: Tendo como pano de fundo o princípio da dignidade humana, o presente artigo busca analisar, de forma sistemática, o porquê de existirem tantos acidentes de trabalho em canteiro de obras. Busca analisar, ainda, meios que visem diminuir a ocorrência de acidentes e analisar o limite da responsabilidade dos empregadores em decorrência de sua negligência na observância às normas de segurança. Por último, faz uma breve análise acerca da responsabilidade objetiva dos empregadores nas atividades de risco.

PALAVRAS CHAVE: Construção civil, canteiro de obras, acidente, responsabilidade


1 CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS

Uma das melhores definições que encontramos para acidente de trabalho é aquela que está expressamente prevista na Lei Previdenciária 8213/91 em seu artigo 19 que estabelece:

Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

A Lei 8213/91 vai ainda mais longe, ao considerar as doenças ocupacionais como acidente de trabalho. Vejamos o que estabelecem os incisos I e II do artigo 20 da referida lei:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

O artigo 21 da mesma Lei elenca outras situações em que o evento também é considerado acidente de trabalho, tais como: concausa, atos de companheiro de trabalho ou terceiro, casos fortuitos, acidente de trajeto, ou quando o trabalhador estiver prestando qualquer serviço a proveito da empresa, mesmo que fora de seu estabelecimento.

Hodiernamente o setor da construção civil é notoriamente um dos que mais registram acidentes de trabalho no Brasil.

Como conseqüência, tem despertado a atenção do Poder Judiciário e do Ministério Público do Trabalho, que, no afã de minimizar as ocorrências, constantemente têm traçado estratégias de combate à não observância das normas regulamentadoras de segurança.

Vejamos o que diz Eliney Bezerra Veloso, em entrevista ao Olhar Jurídico:[2]

Vivemos em um grande canteiro de obras, não só em Cuiabá, mas também em todo o Mato Grosso. Além das obras com vistas para a Copa do Mundo de 2014, existem construções de edifícios, condomínios horizontais, verticais e por isso a preocupação é com a segurança e condições de trabalho impostas aos trabalhadores é grande;

Os elevadores usados na construção civil é uma parte que exige uma atenção muito grande, para não se correr o risco de ter acidente com queda e elevador. Os acidentes na construção civil provocam muitas mortes e por isso a importante a fiscalização ser continua para o cumprimento dessas normas regulamentadoras”, enfatizou.

De acordo com a desembargadora, foi criado o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, coordenado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), com foco específico para a área de construção civil, na intenção de reverter a crescente expansão dos acidentes de trabalho no país.


2 CANTEIRO DE OBRAS OU CANTEIRO DE ACIDENTES?

No canteiro de obras se encontram, quase em sua totalidade, operários com baixíssimo nível de instrução. O trabalho é extremamente braçal. Os empresários, visando maior produtividade, acabam por relativizar as normas de segurança. Os operários consideram incômodo usar corretamente os EPIs. Tudo isso, de forma isolada ou conjunta, acaba por gerar um ambiente de trabalho propício à ocorrência de acidentes de trabalho, muitas vezes fatais.

O Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo realizou uma pesquisa, em 2009, no objetivo de apontar as principais causas de acidentes no canteiro de obras.[3] De acordo com a pesquisa, 8,35% dos operários já sofreram algum tipo de acidente com afastamento pelo INSS. Ainda, de acordo com a pesquisa, os principais motivos da ocorrência de acidentes são: falta de atenção, não uso de equipamentos de proteção individual, falta de proteção e descuido dos gestores das obras.

De acordo com a Fundacentro[4], somente no ramo da construção civil em 2009 morreram 395 trabalhadores vítimas de acidente de trabalho, ou seja, ocorre mais de uma morte por dia no ramo em análise. De acordo com o mesmo estudo, em todos os demais ramos de atividade econômica 2,08% dos acidentes resultam em óbito, enquanto, somente na construção civil, esse índice é de 2,87%.

Para tentar diminuir o índice de acidentes no ramo da construção civil vários esforços estão sendo levados a termo, dentre os quais se destaca a implantação da NR18 em 1978, específica para o ramo da construção civil, que estabelece diversas diretrizes tais como elaboração de PPRA e PCMSO. A referida Norma Regulamentadora estabelece normas de ordem administrativa, de planejamento e de organização, com medidas de controle e prevenção contra acidentes de trabalho no meio ambiente de trabalho.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

O trabalhador, normalmente, quando sofre um acidente de trabalho tem em mente que deve procurar o INSS. A maioria ignora que, conforme o caso, pode ter direito a indenizações cíveis, que serão suportadas pelo empregador.[5]

O empregador é civilmente responsável por manter a segurança de seus funcionários e de terceiros envolvidos direta ou indiretamente no empreendimento.

Ressalta-se que o artigo 225 da Constituição Federal[6] estabelece que é direito de todos desfrutar de um meio ambiente sadio e equilibrado, aí incluído, logicamente, o meio ambiente do trabalho.

Em momento pretérito não muito distante, os empregadores eram completamente irresponsáveis, que somente se preocupavam com a maximização dos lucros, deixando em segundo plano a higidez física dos funcionários.

O Ilustre professor Nelson Rosenvald ensina que a responsabilidade civil inicialmente:

Visava atender às situações por eles não reguladas, basicamente com a função de disciplinar a alocação das perdas que derivavam das atividades humanas econômicas, com a proteção do status quo dos indivíduos atingidos por ilícitos por elas desencadeados. Portanto, a responsabilidade, tal e qual a conhecemos hoje, consolida-se ao curso da modernidade como o reverso da liberdade, no sentido do ressarcimento dos danos decorrentes da circulação de bens e obrigações.[7] (grifou-se)

No decorrer dos anos observou-se que muitas vezes é quase impossível ao empregado demonstrar a culpa do empregador. Muitas vezes a própria atividade da empresa, em si, já representa risco ao trabalhador e ao meio ambiente.

Com isso surgiu a responsabilidade objetiva, que tem como fundamento a não necessidade de se demonstrar a culpa do ofensor. Nessa modalidade basta que se demonstre o dano e o nexo causal entre o dano e a atividade da empresa.

O principal fundamento sustentado pelos juristas a justificar a aplicação da responsabilidade objetiva é o parágrafo único do artigo 927 que estabelece:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Assim sendo, hodiernamente, é pacífico que, quando ocorrer dolo ou culpa do empregador, ou, quando a atividade por ele exercida for de risco, emerge o dever de indenizar o ofendido.


4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A realidade da vida atual, somado aos inúmeros fatores de risco, cumulado à estonteante revolução tecnológica e os perigos difusos acabavam por deixar inúmeros lesados sem reparação.

Interessante notar o que sabiamente leciona o Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira:

O choque da realidade com a higidez da norma legal impulsionou os estudiosos no sentido da busca de soluções para abrandar, ou mesmo excluir, o rigorismo da prova da culpa como pressuposto para indenização, até porque o fato concreto, colocado em pauta para incômodo dos juristas, era o dano consumado e o lesado ao desamparo... Pouco a pouco, o instrumental da ciência jurídica começou a vislumbrar nova alternativa para acudir as vítimas dos infortúnios. Ao lado da teoria subjetiva, dependente da culpa comprovada, desenvolveu-se a teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, segundo a qual basta o autor demonstrar o dano e a relação de causalidade, para o deferimento da indenização. Em outras palavras, os riscos da atividade, em sentido amplo, devem ser suportados por quem dela se beneficia.[8]

Desse modo, basta demonstrar que a atividade da empresa é de risco, bem como o nexo de causalidade entre a atividade e o dano ocorrido, para que seja cabível a reparação civil, pois, se a empresa se beneficia da atividade, deve arcar também com o ônus dela gerado.


5 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Para os que militam em prol das reclamadas, sempre deve ser aplicada a responsabilidade subjetiva, aquela em que é necessário a demonstração de culpa ou dolo do empregador como causa direta para o surgimento do dever de indenizar.

Para fundamentar tal assertiva eles utilizam como fundamento o artigo 7º, XXVIII da Constituição Federal que estabelece:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Vejamos o que Claudia Salles Vilela Vianna ensina sobre o tema:

A presença de culpa (ainda que leve) ou dolo por parte do empregador restou expressa no inciso XXVIII do art. 7º da CF/88 e, por isso, referida responsabilidade possui natureza subjetiva. Ainda que o texto assim não diga claramente, a expressão “verificação da culpa e avaliação da responsabilidade” nos faz presumir que quanto maior a culpa, maior a responsabilidade e, consequentemente, maior a reparação do dano causado.

Desse modo, para os adeptos da aplicação da responsabilidade subjetiva, não pode o empregador ficar refém de atos/fatos que fogem completamente ao seu controle, e somente pode ser condenado a indenizar quando for comprovado que agiu com dolo ou culpa no evento danoso.

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6 COMPENSAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Durante algum tempo foi turbulenta a discussão se a indenização a que o empregador estaria obrigado compensava ou não com aquela deferida em âmbito previdenciário.

Em 1991, com a edição da Lei 8213, tal matéria foi objeto de texto expresso no artigo 121 que estabelece:

Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem.

Como se isso não bastasse, foi editado até Enunciado da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho que estabelece:

48. ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO. NÃO COMPENSAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. 

A indenização decorrente de acidente de trabalho ou doença ocupacional, fixada por pensionamento ou arbitrada para ser paga de uma só vez, não pode ser compensada com qualquer benefício pago pela Previdência Social.

Desse modo, pacificado está, que a responsabilidade civil da empresa não pode ser objeto de minimização com o benefício previdenciário recebido pelo trabalhador.


7 EXCLUDENTES DO DEVER DE INDENIZAR

As excludentes do dever de indenizar “são situações cujas consequências acabam por quebrar ou enfraquecer o nexo de causalidade, de sorte a interferir na obrigação de indenizar o dano suportado por alguém”.

A principal excludente do dever de indenizar é a culpa exclusiva da vítima, situação em que a própria deu causa ao acidente, sem que a ação/omissão do empregador tenha qualquer contribuição para o infortúnio.

Também cita-se o caso fortuito ou força maior, situação em que era completamente impossível se prever ou evitar que o dano ocorresse. Ressalta-se que, nessas situações, o dever de indenizar não desaparece se constatado que o empregador poderia ter adotado medidas de prevenções, mas restou omisso.


8 LIMITES DA INDENIZAÇÃO

Discorrido sobre o dever de indenizar, se faz necessário então uma breve análise sobre os limites do dever de indenizar.

É pacífico que, pelo princípio da reparação integral, deve o ofensor indenizar todo o prejuízo suportado pelo ofendido.

Em acidente de trabalho com óbito, a reparação consiste em danos emergentes[9], lucros cessantes[10] e danos morais, que devem ser razoavelmente arbitrados pelo julgador.

Quando do acidente não decorre o óbito da vítima, para o cálculo da reparação deverá ser levado em conta os artigos 949 e 950 do Código Civil que estabelecem:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Pelo que se extrai dos dispositivos acima transcritos, o ofensor deverá reparar o período em que o ofendido esteve em recuperação, reparação essa que consiste nos rendimentos que receberia, se trabalhando estivesse.

Se o trabalhador não tiver condições de continuar a exercer sua atividade, ou se a capacidade laborativa foi reduzida, o ofensor indenizará o ofendido pelo período de sua expectativa de vida, podendo a vítima exigir que a indenização seja paga de uma só vez.

Somado a tudo isso, o ofensor ainda estará obrigado a reparar o dano moral causado.

Ressalta-se que eventual recebimento de benefício previdenciário não pode ser compensado com a indenização devida pelo empregador, por força do artigo 121 da Lei 8213/91.

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Sobre a autora
Nildecir Pereira da Silva

Advogado em Curitiba-PR pelas Faculdades OPET. Formado em 2012. Pós-Graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale. Pós-Graduando em Direito Acidentário pela Faculdade Legale. Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Legale.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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