Grande parte das ações que tramitam no Poder Judiciário são demandas familiares. As situações fáticas são as mais diversas possíveis e cada caso deve ser analisado pormenorizadamente porque a realidade vivenciada por uma pessoa ou uma família certamente não é igual à outra. Uma determinada ação de guarda de filho menor, por exemplo, não é igual a uma outra ação onde também se discute a guarda. Cada caso é um caso.
Dentre as várias ações de família, existem aquelas que envolvem pensões alimentícias. De igual forma, são variadas as necessidades de cada um, ou seja, numa ação de divórcio a mulher pode pedir alimentos ao ex-marido ou vice-versa; um filho pode pleitear pensão alimentícia aos pais ou avós; pais ou avós podem pedir aos filhos; uma mulher grávida pode pleitear os alimentos contra o pai da criança durante a gravidez, dentre outras. Esta última situação é o objeto deste artigo.
Muitas mulheres que se encontram grávidas desconhecem o direito que lhes assiste de buscar uma pensão alimentícia contra o pai da criança quando este permanecer inerte e silente quanto à ajuda que a grávida necessita durante a gestação.
Sabe-se que há casos em que o homem desconhece completamente a futura paternidade que lhe espera, geralmente porque o relacionamento com a gestante perdurou por curto período de tempo, não indo além de um simples namoro ou encontro casual. Mas há também situações em que o futuro pai abandona o relacionamento quando sabe ou desconfia da gravidez da mulher.
Assim, pacificando o que já era aceito pela doutrina e pela jurisprudência, no final do ano de 2008 foi publicada a Lei n.º 11.804, de 05 de novembro de 2008, que dispõe sobre o direito aos alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido.
A Lei dos Alimentos Gravídicos trata do direito de alimentos da mulher gestante, cujo objetivo é obter os cuidados necessários para uma boa gestação visando a saúde da mulher e do nascituro (aquele que nascerá).
O conceito trazido pelo doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, na obra “Direito Civil Esquematizado – volume 3”, pág. 710, 3ª edição, ano 2016, editora Saraiva, é o seguinte:
“Alimentos gravídicos, segundo o art. 2º da citada Lei, são os destinados a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto”.
O artigo 2º da Lei 11.804/2008 traz um rol exemplificativo de situações que os alimentos gravídicos devem compreender, de suma importância para se arbitrar o valor dos alimentos.
Diz o referido artigo:
Art. 2º. Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Portanto, é necessário comprovar as despesas decorrentes da gravidez, como as consultas médicas, medicamentos, exames, internações, parto, dentre outras, inclusive há decisões em que se coloca como despesas as roupas necessárias para a gestante e o enxoval da criança.
3.Certo é que os gastos pleiteados decorreram em função da preservação da saúde e bem-estar da menor, enquanto nascituro, envolvendo exames médicos e medicamentos para a apelante genitora, bem como enxoval, cabendo, portanto, aos genitores custear tais despesas. (...) (TJ-BA - APL: 00003697720148050134, Relator: Rosita Falcão de Almeida Maia, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 15/03/2017)
A Lei é clara quanto ao tempo de duração dos alimentos gravídicos quando impõe que os mesmos se darão “da concepção ao parto”, ou seja, desde o momento em que houve a concepção, a qual é aferida com o exame médico pertinente e perdura até o nascimento da criança com vida.
O parágrafo único do artigo 2º da Lei 11.804/2008 traz regras de solidariedade entre os pais quando dispõe que ambos devem arcar com as despesas da gravidez, dentro das proporções dos recursos financeiros de cada um. Vejamos:
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.
Assim, não necessariamente cada um dos pais deve arcar com 50% das despesas da gravidez. Cada um se responsabilizará pela verba alimentar conforme a sua condição financeira.
Atenção especial deve ser dirigida ao artigo 6º da Lei em comento. Vejamos o que diz a norma:
Art. 6º. Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Conforme descrito, a paternidade não necessita ser comprovada de maneira absoluta, bastando a existência de indícios de quem é o pai da criança. O indicativo do relacionamento entre o casal pode se dar através da apresentação de cartas, fotografias, mensagens, redes sociais, enfim, meios probatórios de que o pai é aquela pessoa indicada, já que se relacionava com a mãe no tempo da concepção do filho.
A norma, num primeiro momento, pode causar estranheza pelo fato de que alguém pode ser compelido a pagar alimentos gravídicos à gestante sem que o juízo tenha a certeza de quem é o pai. Entretanto, não se diz que basta apenas a palavra da mãe. É necessário que ela prove, através dos meios que possui, que havia um relacionamento.
Ademais, a norma visa proteger a gravidez saudável, permitindo à mãe um parto sem complicações e ao nascituro o desenvolvimento sadio e vigoroso. Nenhum sentido prático teria a Lei dos Alimentos Gravídicos se houvesse a necessidade de exames prévios para aferir a paternidade, já que poderia demandar tempo até a conclusão da apuração, ultrapassando os 09 (nove) meses da gestação.
Outro ponto de crucial importância é o parágrafo único do artigo 6º da Lei, assim redigido:
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.
Quem ingressa com a ação dos alimentos gravídicos é a mãe, ou seja, é ela que necessita da verba alimentar para auxiliar a sua gestação. Após o nascimento da criança, com vida, estes alimentos são automaticamente convertidos em pensão alimentícia para o menor, passando a criança a ser o credor dos alimentos e não mais a mulher.
Assim, havendo a necessidade da revisão do valor da pensão alimentícia após o nascimento do menor, seja para aumentar, seja para diminuir, ou ainda para exonerar, o autor ou o réu na demanda não será mais a mãe, e, sim, a criança representada pela mãe. Fato importante é que não precisará ingressar com uma nova ação, mas apenas dar continuidade àquela já distribuída.
Outrossim, ao ingressar com os alimentos gravídicos, a gestante poderá pleitear alimentos provisórios, uma espécie de liminar concedida pelo juízo, em que se estipula um valor temporário da pensão, antes do arbitramento final através da sentença. Isto porque as disposições da Lei 5.478/68, que trata das ações de alimentos em geral, são aplicadas supletivamente nas demandas específicas dos alimentos gravídicos e naquela lei há a previsão expressa acerca dos alimentos provisórios.
Uma questão bastante importante foi discutida na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, onde foi aprovado o Enunciado 522, cuja redação é a seguinte:
Cabe prisão civil do devedor nos casos de não prestação de alimentos gravídicos estabelecidos com base na Lei n. 11.804/2008, inclusive deferidos em qualquer caso de tutela de urgência.
Portanto, fixados os alimentos gravídicos pelo juiz, seu recebimento é importante para a gestante e fundamental para a sobrevivência do nascituro. Quando o devedor não cumprir com a sua obrigação, poderá ele ser preso se não pagar a verba alimentar arbitrada.
Por fim, não é difícil perceber a angústia e a frustração das mulheres, que, após a descoberta da gestação, acabam abandonadas pelos companheiros, namorados, enfim, desassistidas neste momento tão importante da vida, principalmente quando os gastos advindos da gravidez aumentam demasiadamente.
Não é preciso esperar o nascimento da criança para pleitear os alimentos. Podem as gestantes, quando desamparadas pelo pai da criança, desde já, pedir os alimentos gravídicos que são devidos desde a concepção até o parto.
Destarte, uma divulgação maior, mais eficiente e mais abrangente deve ser realizada pelos meios de comunicação, órgãos de atendimento e amparo à mulher, dentre outros, informando sobre o direito da gestante de buscar na justiça os alimentos necessários para a saudável gestação, compelindo o pai a assumir a sua obrigação de prover o essencial para a gestante e para o desenvolvimento do filho que nascerá.
Não se pode obrigar alguém a gostar do outro; não se pode obrigar o pai a gostar do filho. Entretanto, o dever de prestar assistência material ao nascituro e, posteriormente, ao nascido com vida é decorrente do nosso sistema normativo, cujo objetivo principal é garantir as condições necessárias para a sobrevivência do filho. Os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, dentre eles os alimentos, sobrepõem-se às atitudes desarrazoadas de pais omissos.