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Uma aproximação entre o pensamento queer e a criminologia

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Conclusão

O primeiro desafio da criminologia queer é quanto a este termo, que possui muitas acepções. Pode ser usado para definir indivíduos com sexualidade diversa da “padrão”, mas também pode ser usado para subverter o que era estável e determinado, podendo desbancar a noção de que sexo, gênero, sexualidade são conceitos essenciais e fixos de identidade. Pode, ainda, desafiar a estabilidade dos conceitos, métodos e suposições da pesquisa convencional nas ciências sociais.

Se essa nova criminologia aceitar o primeiro significado (oposição entre sexualidade padrão e desviante) pode excluir pessoas que não se enquadram nas categorias “gay”, “lésbica”, “bissexual” e “transgênero”. Entretanto, se aceita apenas a segunda significação (noções fluidas de sexualidade e gênero), pode ser que haja o risco da diluição das relevantes diferenças sociais demográficas, sendo que pode ignorar pessoas que se identificam com a sigla LGBT e experimentam marginalização com base nesses termos. Além do imprescindível cruzamento com vulnerabilidades sociais advindas de raça, classe e gênero.

Os paradigmas da identidade (reconhecimento) e da desconstrução (queer) não são necessariamente contraditórios, apesar de se poder argumentar que há uma incoerência interna. Eles devem trabalhar juntos, pois abraçando as duas linhas facilita-se a tensão que é produtiva e significativa.

Os conhecimentos acumulados em todos os anos de estudo da criminologia crítica devem ser usados em favor do pensamento queer. Por exemplo, se há uma subnotificação quanto aos crimes homofóbicos, isto pode ser explicado pelo conceito de cifra negra da criminologia, que pode buscar o porquê de tal subnotificação. Outro exemplo: se temos de um lado uma demanda criminalizante das teorias queers e movimentos organizados LGBT, frente à gritante quantidade de homicídios homofóbicos, do outro a criminologia nos diz que a lógica do encarceramento é deletéria, injusta, ineficiente, que a criação de novos crimes e aumento da rigidez da sanção não impede que estes aconteçam.

Nem por isso se podem descartar a priori as demandas criminalizadoras (ou não) da comunidade LGBT. Caso façamos isto sem nos atentarmos aos anos de estudos sobre orientação sexual e identidade de gênero, ignorando a existência da violência homofobia, inclusive a sofrida por homossexuais que procuram o aparato punitivo estatal para coibir a discriminação e violência sofridas, estaríamos mais uma vez marginalizando toda essa pluralidade cultural e deslegitimando essas demandas como assuntos “menores” dentro da sociedade talvez porque seus titulares ainda sejam considerados cidadãos de segunda classe.


Referências bibliográficas

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Notas

[1] GRUPO GAY DA BAHIA. Assassinato de homossexuais (LGBT) no Brasil: relatório 2013/2014. Disponível em: http://homofobiamata.files.wordpress.com/2014/03/relatc3b3rio-homocidios-2013.pdf. Acesso em: 16, jan., 2014. Vide também: SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Relatório de Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013. Brasília, 2016. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/dados-estatisticos/Relatorio2013.pdf. Acesso em: 18 de jul., 2016.

[2] “A ideia dos teóricos usarem o termo queer, representando raro, excêntrico, vem da situação de positivar a repulsa, a humilhação, de forma pejorativa, que os homossexuais são agredidos e insultados pela sociedade heteronormativa e centralizadora”, in: GARCIA, Paulo César; MIRANDA, Olinson Coutinho. A Teoria queer como representação da cultura de uma minoria. In: III ENCONTRO BAIANO DE ESTUDOS EM CULTURA, Cachoeira, Anais do III EBECULT, 2012. Disponível em: http://www.ufrb.edu.br/ebecult/artigos-completos/. Acessado em: 03, jun., 2014. A intenção de manter o termo no idioma original é fazer com que o leitor, ao traduzir, verifique o nível de preconceito existente nele mesmo, como proposto inicialmente por Salo de CARVALHO.

[3] Como movimento político e acadêmico “[...] os estudos culturais e a critica cultural conseguem representar a multiplicidade, a diversidade das variadas vertentes de cultura, sociedade e de indivíduos, principalmente os marginalizados e excluídos da hegemonia normativa e seletiva”, in: MIRANDA, Olinson Coutinho. Cultura Gay: por uma desconstrução heteronormativa. Revista Grau Zero, Alagoinhas, v. 1, n. 1, p. 75-85, jan./jun., 2013, p. 79.

[4] MISKOLCI, Richard. A Teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. Sociologias, Porto Alegre, ano 11, nº 21, p. 150-182, jan./jun. 2009, p. 150-152. Quanto à lógica heteronormativa o mesmo autor: “[...] a heteronormatividade é o conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela não se refere apenas aos sujeitos legítimos e normalizados, mas é uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e “natural” da heterossexualidade.” [grifa-se], idem, p. 156.

[5] BUTLER, Judith. O Parentesco é sempre tido como heterossexual? Cadernos Pagu, n. 21, p. 219-260, 2013, p. 229.

[6] Desconstruir significa mostrar que uma ideia que está posta não é natural nem inevitável, mas construída por discursos que nela se apoiam.

[7] MISKOLCI, Richard, op.cit., p. 154-167. As teorias queer não procuram estudar quem quebra as normas ou o desviante, como faz a sociologia, mas sim os processos normalizadores que produzem o hegemônico e o subalterno.  Na perspectiva sociológica o sujeito é que tem a experiência, já para as teorias queers é a experiência que constitui o sujeito.

[8] MIRANDA, Olinson Coutinho, op.cit., p. 81.

[9] GARCIA, Paulo César; MIRANDA, Olinson Coutinho, site cit., loc. cit. O esforço do pensamento queer parece ir ao sentido da valorização da diferença, não de sua negação, por intermédio da desconstrução dos processos sociais que inferiorizam a sexualidade que destoa da norma padrão, da quebra da ontologização da sexualidade humana. Há um rompimento com a cultura centralizadora a favor da multiplicidade e diversidade.

[10] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 73-77. Hoje já se estabeleceu que a criminologia é uma ciência empírica, que parte dos métodos indutivos e de observação do real, em oposição ao método dedutivo, abstrato e formal do direito penal, vide: idem, p. 63.

[11] LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. 2. remp. Trad. Sebastião José Roque. São Paulo: Ícone, 2013, p. 200. Garofalo também recorre à sexualidade para qualificar o homem criminoso, para tanto utiliza a expressão “luxúria desenfreada”, os sentimentos deste são os mesmos que tem o “homem normal”, não encontrando, porém, resistência de seu “senso moral”, em razão de este ser deficiente, in: GAROFALO, Raffaele. Criminologia: Studio sul delito, sulle sue cause e sui mezzi di repressione. Torino: Fratelli Bocca, 1885, p. 95-97.

[12] WOODS, Jordan Blair. “Queering Criminology”: overview of the state of the field. In: PANFIL, Vanessa R.; PETERSON, Dana. Handbook of LGBT communities, Crime and Justice. Springer, p. 15-41, 2014, p. 22.

[13] CARVALHO, Salo de. Sobre as Possibilidades de uma criminologia queer. Sistema Penal e Violência, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 151-168, jul./dez., 2012, p. 157.

[14] MISKOLCI, Richard, op. cit., p. 165.

[15] Reportando um caso de um adolescente que havia cometido parricídio, a fim de demonstrar a relação entre imoralidade e delito, Nina Rodrigues expõe: “O criminoso tem dezoito anos, é ladrão, pederasta passivo, jogador, bêbado, um ser completamente desmoralizado, enfim, um incorrigível temível [...] A administração está informada de que esteve amasiado com um companheiro como pederasta passivo durante dois meses. Por infrações disciplinares de toda a sorte, jogo, embriaguez vive constantemente em castigo. O administrador afirma que não sabe mais o que há de fazer ele”, vide: RODRIGUES, Raymundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2011, p. 89. [grifa-se] [Livro originalmente publicado em 1894]. Ao relacionar desvio à homossexualidade Nina Rodrigues o faz sempre em relação à “passividade” na relação sexual, o que pode significar estigma ao desempenhar função sexual “inferior”, “própria” do sexo feminino, o que denota um liame entre homofobia e machismo como reações ao rompimento de papéis pré-estabelecidos. A passividade imbuiria à prática homossexual masculina de maior estigma. Tal expressão também aparece na obra de Garofalo quando este disserta sobre a possibilidade da imoralidade ser herdada, aparentemente para dar mais ênfase na imoralidade inata do examinado, ele aduz “No cárcere ele era viciado em pederastia passiva”, tradução livre do italiano, GAROFALO, Raffaele, op. cit., p. 435.

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[16]  GREEN, James Naylor. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. Trad. Cristina Fino e Cássio Arantes Leite. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 191-192.

[17] Idem, p. 193.

[18] GREEN, James Naylor, op. cit., p. 199-200.

[19] Como retrata GREEN, a intenção dos profissionais que transitavam no campo da biologia e da medicina era reconduzir o homossexual ao seu estado “natural” de masculinidade: “A homossexualidade, tal como era concebida pelos médicos e criminologistas, confunde a noção de papéis de gênero apropriados. A maioria dos indivíduos por eles observados apresentava um comportamento feminino que era considerado parte integrante do seu distúrbio. Esses “pederastas passivos”, como são chamados até hoje, praticavam atos sexuais associados às noções tradicionais de “passividade” feminina. Compreender  as causas exatas dessa degeneração  biológica e possivelmente encontrar uma cura para o problema significaria corrigir o comportamento impróprio. Os homens que se comportavam de forma feminina poderiam, assim, voltar ao seu devido estado de masculinidade”, in: idem, p. 201.

[20] No tocante à psicologia, vale ressaltar que embora o foco da psicanálise freudiana, apesar de sexista e machista, não fosse o julgamento de invertidos, mas o custo psíquico – neurose - cobrado pela normalidade sexual, tanto esta quanto a sexologia mantiveram a relação entre hegemônico e subordinado, hetero e homossexual, sendo que o subordinado sintetizaria tudo o que não é desejável, atribuindo ainda a este uma inferioridade ontológica, o que vem a ser contestado pelos estudos queers, vide: MISKOLCI, Richard, op. cit., p. 165 e ss.

[21] As leis anti-sodomia não adentraram na parte especial do Código Penal de 1940, vigente até a atualidade, mas estudos demonstram que por vezes a vítima homossexual de um crime era coresponsabilizada (ou unicamente responsabilizada) pela prática do mesmo, por sua “conduta de vida”, assim, no caso de um homicídio cuja vítima era homossexual, o juiz: “Como não tinha como acusar a vítima de algum ato ilícito, já que a homossexualidade não estava tipificada como crime no Código Penal, foi necessário utilizar a noção jurídica de legítima defesa da honra, porque somente a alegação de legítima defesa, única e simplesmente, não era suficiente para conseguir inocentar os rapazes pelo crime de homicídio. Aliás, no Código Penal de 1940 havia um título que tratava dos crimes contra os costumes, com um capítulo sobre os crimes contra a liberdade sexual, mas não fazia qualquer referência à homossexualidade”, vide: RODRIGUES, Fabiana Cardoso Malha; ROLIM, Rivail Carvalho. O assassinato de um homossexual diante de um tribunal da capital da república em meados do século XX. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 424, p. 325-342, jan./abr., 2013, p. 334. Neste artigo acima os autores tratam de um caso real em que um taxista homossexual foi morto por dois jovens estrangeiros e os mesmos foram inocentados do homicídio, como se eles fossem vitimados pelo “assédio” do taxista.

[22] WOODS, Jordan Blair, op. cit., p. 16-17.

[23] CARVALHO, Salo de, op. cit., p. 158-159.

[24] CARVALHO, Salo de, op. cit., p. 159. Nesse sentido vide também: COELHO NETTO, Helena Helkin; BORGES, Paulo César Corrêa. A mulher e o direito penal brasileiro: entre a criminalização pelo gênero e a ausência de tutela penal justificada pelo machismo. Revista de estudos jurídicos UNESP, Franca, n. 25, v. 17, 317-336, 2013.

[25] CARVALHO, Salo de. Três hipóteses e uma provocação sobre homofobia e ciências criminais: queer(ing) criminology. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 238, a. 20, p. 2-3, set./2012, p. 2.

[26] Idem, Sobre as Possibilidades de uma criminologia queer, p. 161.

[27] Idem, p. 163.

[28] CARVALHO, Salo de, op. cit., p. 164.


Riassunto: C'è bisogno da parte della criminologia, come scienza empirica e sfaccettata, quest'ultimo aspetto dimostrato da influssi che le varie discipline hanno nei loro studi, assorbire la conoscenza accumulata dalle teorie Queer. Lo standard eterosessista produce l'ideale della violenta mascolinità egemonica che si esprime sotto forma di eterosessualità obbligatoria, omofobia e misoginia. Non si desidera la impossibile neutralità scientifica che produce dei modelli universali propri della  criminologia ortodossa maschilista, che rafforzava l’eteronormatività. I processi di criminalizzazione legati all'orientamento sessuale e all'identità di genere, che rendono queste persone vulnerabili, non possono restare ai margini della criminologia.

Parole chiave: criminilogia, teorie queer, omofobia.

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Sobre os autores
Ana Luisa Imoleni Miola

Defensora Pública do Estado do Paraná

Ian Matozo Especiato

Advogado, mestrando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), ex-integrante do Núcleo de Estudos Penais (NEP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIOLA, Ana Luisa Imoleni ; ESPECIATO, Ian Matozo. Uma aproximação entre o pensamento queer e a criminologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5188, 14 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59465. Acesso em: 24 nov. 2024.

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