INTRODUÇÃO
A presente monografia tem por finalidade pesquisar as diferenças entre o vício e o defeito do produto, a responsabilidade sobre sua ocorrência e a garantia do consumidor. Para tanto pesquisamos a história do direito do consumidor, os princípios constitucionais norteadores, abordando o conceito da relação de consumo e seus elementos fundamentais, a diferença entre vício e defeito e a responsabilidade por sua ocorrência, assim como o direito de garantia.
Para desenvolvermos o tema começamos no primeiro capítulo com o estudo da história da relação de consumo e do direito do consumidor a qual há registros desde o período da antiguidade, uma vez que a exploração do comércio é comum desde os primórdios da humanidade, com registros referentes ao direito do consumidor no Código de Hamurabi, conhecida como uma das leis mais antigas do mundo, a qual previa a responsabilidade pela ocorrência de defeito de produtos e serviços.
Percebemos que com o passar do tempo e com a evolução da sociedade, houve um momento em que se fez necessária a criação de uma lei para normatizar a relação de consumo, norma esta que teve origem nos Estados Unidos da América.
Naquele país a figura que representa a evolução do direito do consumidor é o ex-presidente americano John F. Kennedy, o qual veio a demostrar perante o Congresso nacional, em 1962, a importância de assegurar ao consumidor seus direito.
No Brasil a proteção ao consumidor somente veio a ser normatizada na década de 90 pela lei n° 8.078/90 o então Código de defesa do consumidor o qual é a base da presente monografia.
Mais adiante no mesmo capítulo estudamos os princípios norteadores que deverão ser respeitados nas relações de consumo, tais como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, e a proteção à vida, saúde e segurança.
No segundo capítulo abordamos conceitos de relação de consumo, de consumidor, fornecedor e produto segundo o entendimento de diversos autores, sendo de suma importância, pois para melhor entendimento do tema é necessário o estudo destes tópicos.
Neste capítulo vemos a pessoa do consumidor como pessoa física e pessoa jurídica, entendimento este que varia de acordo com alguns autores, porém prevalece o entendimento da corrente majoritária que o consumidor pode ser toda pessoa física ou jurídica desde que o bem seja adquirido para consumo final, não sendo utilizado como bem de capital, a qual deverá ser aplicada outras medidas para a solução do conflito.
Posteriormente adentramos no tema principal discorrendo sobre o vício e defeito do produto, suas modalidades e sua diferenciação, pois é muito comum ver no dia a dia que os consumidores desconhecem tais termos e suas diferenças acarretando em erros que podem ser prejudiciais.
Outro aspecto de primordial importância apresentado nesta monografia é a quem deve ser atribuída a responsabilidade quando constatado o vício ou o fato do produto, que é outro engano comum entre os consumidores, uma vez que o defeito do produto, por causar danos aos bens jurídicos do consumidor, deve ser tratado de forma mais cautelosa, elegendo quem é o responsável pela restituição dos danos sofridos.
Por fim o último capítulo aborda a garantia do consumidor que se divide em garantia legal e garantia contratual apontando o conceito legal de ambas e também o entendimento dos autores sobre a sua eficácia, prazos de reclamação e aplicação.
A escolha do tema na área do direito do consumidor, mais especificamente o assunto sobre o vício e defeito do produto, se justifica devido à minha experiência profissional na área, bem como que esse trabalho poderá contribuir para uma visão mais abrangente e crítica a respeito de tal assunto, uma vez que é comum ver a falta de informação dos consumidores frente a tal situação.
Para realização de tal monografia nos amparamos em diversos posicionamentos de autores especialistas na área de direito do consumidor e responsabilidade civil, desta forma trazendo conceitos e interpretações diversas sobre o tema.
Sendo assim a presente monografia busca trazer conhecimento ao público que busca informações referente aos seus direitos ante uma relação de consumo para que não seja prejudicado pela falta de conhecimento.
CAPÍTULO I - HISTÓRICO DO DIREITO DO CONSUMIDOR E OS PRINCÍPIOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Para melhor desenvolver sobre o tema proposto, é necessário, preliminarmente, apresentar as noções gerais referentes ao histórico do Direito do consumidor, bem como os princípios norteadores da relação de consumo.
Desde o período da antiguidade há relatos de exploração do comércio por diversos povos, tais como os egípcios, os hebreus, etc.
Conforme Filomeno (2003) há registros de que já no antigo “Código de Hamurabi” haviam regras que visavam a proteção do consumidor na relação de consumo. Um exemplo disso está previsto na Lei n° 233 que estipulava que o arquiteto que construísse uma casa seria responsável pela reparação de deficiências estruturais que a mesma viesse a apresentar, em caso de desabamento com vítimas fatais, o empreiteiro, além de ter que reparar o dano, era condenado à morte caso a vítima fosse o chefe da família, caso morresse outro parente, a pena recairia sobre o familiar equivalente do empreiteiro.
Já na Índia, em meados do século XIII a.C., o Código de Manu estipulava multas e punições para aqueles que adulterassem o produto, ou seja, entrega de produto inferior ao acordado entre as partes.
Na Grécia antiga a preocupação com a defesa do consumidor não era diferente. Agentes eram nomeados para exercer a fiscalização nos mercados e na cidade, com a finalidade de monitorar as vendas verificando se o produto oferecido no mercado não era adulterado, tanto em sua mistura quanto em seu peso. Também fiscalizavam se os preços dos produtos eram correspondentes ao valor das matérias primas utilizadas na sua confecção.
A Europa medieval, mais especificamente na França e Espanha, também previam penas para aqueles que adulterassem de alguma forma o produto colocado no mercado, principalmente produtos alimentícios.
No Brasil há registros desde a época colonial, por volta do século XVII, de fixação de multa para os comerciantes que vendessem seus produtos acima dos valores tabelados. Estes eram condenados à prisão na pior cela e também eram condenados a nunca mais exercer a atividade de vendas.
Nos Estados Unidos da América, em 1891 foi fundada a “National Consumers League” com a finalidade de representar os consumidores em questões de problemas com o mercado de vendas e compras.
Porém o marco inicial para a existência do direito do consumidor se deu no dia 15 de março de 1962 com uma carta do presidente John F. Kennedy, então presidente dos Estados Unidos da América, que foi enviada ao Congresso Nacional norte americano. Nessa carta o presidente falava que todos eram consumidores, porém consumidor é o único polo não eficazmente organizado na economia, afetando e sendo afetado diariamente. Com esta carta o presidente demonstrou a importância de legislar e de se garantir os direitos básicos do consumidor.
Em 1974, doze anos após o marco inicial, surgiu no Rio de Janeiro, o CONDECON que é o conselho de defesa do consumidor, que foi o primeiro movimento social organizado existente no Brasil.
Em 1976 surge em Curitiba a ADOC, que é a associação de defesa e orientação do consumidor, a Associação de Proteção ao Consumidor em Porto Alegre e, finalmente, em São Paulo, através do decreto nº 7890/76, surge o PROCON que é um sistema de proteção ao consumidor, órgãos estes essenciais.
Com o surgimento da Constituição Federal de 1988, mais precisamente no artigo 5º, inciso XXXII, os direitos do consumidor são decretados como direitos fundamentais essenciais à dignidade da pessoa humana. No artigo 170, V da Constituição Federal o direito do consumidor é estabelecido como princípio para a ordem econômica, sendo assim foi estipulado no artigo 48 da ADCT um prazo de 120 dias para a elaboração de uma lei de proteção ao consumidor, porém a mesma só veio a ser criada no dia 11 de setembro de 1990, sendo chamada de Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor é uma norma federal com status de norma constitucional, tendo base na Constituição Federal de 1988 e por essa razão se aplica a Lei 8.078/90 em detrimento de algumas legislações inclusive leis essas específicas, pois o Código de Defesa do Consumidor possui características que lhe permitem a garantia desses direitos.
Antes do surgimento do Código de Defesa do Consumidor era aplicado às relações de consumo o Código Civil vigente na época, lei que entrou em vigor em 1917 no século XX, para solucionar os conflitos que surgiam, porém esta forma de solução foi equivocada.
Ocorre que estes equívocos influenciaram na formação jurídica dos consumidores, gerando interpretações errôneas e até mesmo causando dificuldade na interpretação da atual legislação da relação de consumo.
Nos dias atuais, no que tange a relação consumerista tem de ser observados os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 5º e 170 da Constituição Federal de 1988 e os artigos 4º e 6º do Código de Defesa do Consumidor a seguir expostos, uma vez que eles são a base estrutural da política consumerista e disciplinam os direitos dos consumidores em conjunto com a ordem econômica.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; “.
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V - defesa do consumidor; “.
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. ”
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX - (Vetado) ;
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Parágrafo único. (Vide Lei nº 13.146, de 2015). ”
Dentre os diversos princípios constitucionais, também não podemos deixar de citar, como norteadores da relação de consumo os princípios: da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da proteção à vida, saúde e segurança, os quais serão brevemente apresentados.
A dignidade da pessoa humana diz respeito ao tratamento do consumidor, o qual jamais poderá ser tratado de forma indigna. Como princípio amparador este possui um valor moral e espiritual relativo à pessoa, ou seja, todos os humanos são dotados de tal preceito.
O filósofo Immanuel Kant (2004, pg.65) formulou a clássica defesa de que as pessoas deveriam ser tratadas com um fim em si mesmas, e não como um meio estabelecendo assim o princípio:
“No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende dignidade."
A respeito da liberdade do consumidor e do fornecedor, o autor Rizzato Nunes (2011) se posiciona de forma que a liberdade do consumidor é decorrente da ação livre, ou seja, a possibilidade de agir no meio social e o Estado tem o dever de assegurar a liberdade da sociedade, podendo intervir na produção ou distribuição de bens ou serviços. Já a liberdade do fornecedor se refere à livre iniciativa, ou seja, o direito de escolher em qual setor do mercado empreender desde que respeitadas às regras do Código de Defesa do Consumidor.
Outro princípio de extrema importância é o da igualdade, o qual é assegurado pela Constituição Federal que estabelece:
Art. 5º "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.
Tal princípio já fora interpretado pelo filósofo Aristóteles (apud Nunes, 2011, pg.72) que entendia que o igual deveria ser tratado de forma igual e o desigual, na medida de sua desigualdade.
Portanto, não podemos esquecer que deve-se levar em consideração a hipossuficiência do consumidor, para que a relação de consumo seja balanceada. A hipossuficiência do consumidor, conforme entendimento do professor Flávio Tartuce, deve ser analisada de caso a caso pelo aplicador no sentido de que este reconheça a desigualdade técnica ou informacional ante uma situação em que haja desconhecimento. Deste modo o consumidor é considerado vulnerável, mas nem sempre será hipossuficiente, pois pode ou não possuir meios de obtenção de prova. Sendo assim a vulnerabilidade do consumidor é presumida em razão da desproporção econômica na relação de consumo, ou seja, é a parte mais fraca que carece de cuidados especiais e neste caso por força da desigualdade que o vulnerável é protegido.
O Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabelece ainda, como cláusula pétrea o direito à vida, saúde e segurança, motivo pelo qual esta foi a primeira preocupação dos legisladores ao redigir o Código de Defesa do Consumidor. Posto isso o fornecedor ou o produtor é obrigado tomar medidas preventivas na relação de consumo para que a vida digna do consumidor seja priorizada, bem como sua saúde e segurança sejam garantidas.
Desta forma, ante os fatos históricos fica evidente a necessidade de uma legislação que normatizasse a relação de consumo para que os consumidores tivessem uma vida digna, não sendo assim prejudicados pelos produtores e fornecedores devido à sua vulnerabilidade e desigualdade. Tais princípios acima expostos são norteadores, porém existem diversos princípios garantidos constitucionalmente que também devem ser analisados diante de uma relação de consumo.