As diferenças entre vício e defeito do produto, a responsabilidade sobre sua ocorrência e a garantia do consumidor

Exibindo página 3 de 4
08/08/2017 às 15:24
Leia nesta página:

CAPÍTULO IV - DA RESPONSABILIDADE

O presente capítulo tem por finalidade o esclarecimento de impasses a respeito de sobre quem recairá a responsabilidade pelo vício ou defeito do produto, uma vez que esta questão possui grande repercussão no mercado consumerista.

Conforme Paulo de Tarso (2007), a responsabilidade civil passou a ser tratada de forma especial a partir da segunda metade do século XX, quando a produção e a demanda de produtos eram em grande escala e por este motivo o volume de danos ocasionados por defeitos aos consumidores eram muito comum. Desta forma buscou-se normatizar a relação de consumo, principalmente a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo.

Os acidentes de consumo se proliferavam de maneiras diversificadas tais como acidentes de trânsitos acarretados por defeitos de fabricação do veículo, alimentos contaminados, etc.

Os juristas membros do Mercado Comum Europeu, ao constatar que os acidentes causados pelos defeitos dos produtos estavam se tornando comuns, passaram a debater sobre a responsabilidade civil dos fabricantes e produtores, e se esta seria objetiva ou subjetiva. Após conferencias tais países decidiram seguir as regras e jurisprudências adotadas pelo sistema judicial norte-americano.

O marco inicial para a primeira decisão sobre o acidente de consumo ocorreu nos Estados Unidos, caso este conhecido como MacPherson v. Buick Motor Co., o qual foi julgado em 1916 pela Suprema Corte de Nova York.

MacPherson foi um americano que comprou um veículo da marca Buick, e após um ano de uso do veículo, veio a se envolver em um acidente causado por um defeito de fabricação do mesmo. Ante a corte, a fabricante alegou não ser a responsável direta pelo ocorrido, pois teria obrigações apenas com a revendedora e não com o consumidor. Após análise do caso o juiz se manifestou de forma que atribuiu a responsabilidade direta ao fabricante, sendo reconhecido que este tem o dever de diligência ante o consumidor.

Tal decisão teve grande repercussão, pois constituía o dever de diligência ao fabricante que produzisse produtos potencialmente perigosos ao consumidor. Desta forma diversos países passaram a adotar tal jurisprudência para aplicação interna.

No ano de 1985, o Conselho da Comunidade Européia, através da diretiva nº 85/374/CEE, passou a normatizar a responsabilidade civil por danos causados por defeitos do produto, definindo regras a ser adotadas nestes casos.

O acolhimento da responsabilidade civil por acidentes de consumo ocorreu na legislação brasileira apenas no inicio da década de noventa, sendo antes normatizada pelo Código Civil vigente na época. A então diretiva do Conselho da Comunidade Européia foi de grande influência na lei nº 8.078/90, o nosso Código de Defesa do Consumidor.

O Código Civil brasileiro prevê a responsabilidade civil em seus artigos a seguir expostos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A responsabilidade civil nada mais é que o dever de indenizar e tal dever surge com a presença de alguns pressupostos que são a ação ou omissão, dolo ou culpa do agente, nexo causal e o resultado danoso. 

Rui Stoco (apud Sansaverino 2007, pg.114) explica responsabilidade civil como:

“A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana”. 

Nas palavras Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, (apud Diniz, 2011, pg.50) responsabilidade civil é conceituada como:

‘‘A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal’’. 

Serpa Lopes (apud Diniz, 2011, pg.50) se posiciona da seguinte maneira:

‘‘ A responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva’’

Ante tais posicionamentos e conforme o Código Civil brasileiro entende-se que deve ser responsabilizado aquele que causar dano a outrem, observado alguns requisitos. Entretanto a presente monografia se baseia no Código de Defesa do Consumidor, o qual trata a responsabilidade pelo fato e pelo vício de forma diferente e mais específica, prevendo quem dos agentes da relação de consumo será o responsável pelo produto.

O artigo 6º, inciso VI do CDC, prevê como direito básico do consumidor a prevenção e reparação de danos causados ao patrimônio jurídico do mesmo, ou seja, a lei busca que seja garantido ao consumidor a reparação de danos oriundos da relação de consumo.

4.1 RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO

O artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor elenca quem se responsabilizará pelo fato do produto:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Conforme se observa no caput de tal artigo, o mesmo atribui a responsabilidade pelo defeito do produto ao fabricante, ao produtor, ao construtor, seja ele nacional ou estrangeiro, e ao importador. Desta forma se limita a escolha do consumidor quanto a quem ele irá se dirigir como responsável pelo defeito do produto, contrário do que será analisado no próximo tópico referente à responsabilidade pelo vício do produto.

Na responsabilidade objetiva não há o que se falar em dolo ou culpa do agente nem elemento subjetivo, basta apenas que haja uma ação do agente e esta venha a ocasionar um dano e havendo um nexo causal entre a conduta e o resultado, o fornecedor se responsabilizará.

Há de ser analisada a solidariedade a qual se faz prevista no artigo 7º, parágrafo único do CDC:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Quando a lei elege o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, esta está indicando apenas o responsável direto, porém os produtores indiretos, que são aqueles que participam de alguma forma na produção de um produto, não poderão ser deixados de fora, os quais responderão solidariamente na medida de sua participação.

Temos ainda previsto no § 3° do artigo 12 do CDC as hipóteses excludentes de responsabilidade pelo fato do produto, ou seja, se comprovado que o agente não colocou o produto no mercado e caso o tenha colocado e o defeito inexiste, ou a culpa pelo fato do produto tenha sido ocasionada por culpa exclusiva do consumidor, se extinguirá a responsabilidade do fornecedor. Há de se observar que o ônus das provas será exclusivamente do fornecedor quanto às excludentes de sua responsabilidade.

Quanto à responsabilidade pelo defeito do produto Miragem (2008, pg.358) se posiciona da seguinte forma:

‘‘A responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço consiste no efeito de imputação ao fornecedor de uma responsabilidade em razão dos danos causados devido a defeito na concepção ou fornecimento de produto ou de serviço, que se determina o dever de indenizar pela violação do dever de segurança inerente ao mercado de consumo. ’’ (Bruno Miragem; Curso de Direito do Consumidor, 2ª Edição, revista atualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, 2008; p g. 358.)

O CDC prevê em seu artigo 13 a responsabilidade subsidiária do comerciante pelo fato do produto segundo sua redação:

‘‘Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. ’’

Nestes termos, quando o fabricante, o construtor, o produtor ou importador não puderem ser identificados, quem se responsabilizará pelo defeito do produto será o comerciante, ou seja, ele é responsável subsidiário. Responderá também pela forma a qual o produto é preservado em suas dependências, tendo o dever de conservar o mesmo para que quando seja comercializado, este esteja em perfeitas condições de consumo.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Sendo assim, João Batista de Almeida (2001, pg.84) entende que em regra o fornecedor é o responsável pelo fato do produto, uma vez que o mesmo distribuiu o produto no mercado consumerista, tendo obrigação de arcar com a responsabilidade sobre o risco que o produto em mercado oferece ao consumidor e desta forma expõe o seguinte:

‘‘O dever de não causar prejuízo a outrem, corresponde ao dever especial de não colocar no mercado de consumo produtos e serviços que possam acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores, a não observância do dever de segurança, surge a responsabilidade pelo do fornecedor pelo fato do produto e do serviço, tendo como consequência o dever de indenizar os consumidores e as vítimas do acidente de consumo causado em razão dos defeitos apresentados no produto ou no serviço. ’’ 

4.2 RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO

No que diz respeito à responsabilidade pelo vício do produto o artigo 18 do CDC estabelece que:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Tal artigo prevê a responsabilidade pelo vício de qualidade ou quantidade do produto afirmando que os fornecedores vão responder objetiva e solidariamente pelos vícios que tornem o produto impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina.

Rizzatto Nunes (2011) interpreta o respectivo artigo de maneira que se faz entender que o fornecedor engloba todos os agentes descritos no artigo 12 do CDC, sendo assim o artigo 18 da mesma lei elege como responsáveis de forma direta todos esses agentes, podendo o consumidor, acionar qualquer um dos envolvidos para que seu problema seja solucionado.

Desta forma entende-se que se um produto apresentar um vício, o consumidor poderá acionar um dos agentes fornecedores, à sua escolha, para que sane o problema. Já no caso de defeito do produto, por este causar dano ao patrimônio jurídico do consumidor, o mesmo deverá acionar o responsável pelo produto, seja ele o fabricante, o produtor, construtor ou importador. 

A partir do momento da constatação do vício ou defeito do produto e quem será responsável pelo mesmo, haverá a contagem dos prazos para que o conflito seja solucionado, prazos esses que variam de acordo com o contrato entre as partes e com o produto comercializado, assunto este que será abordado no próximo capítulo desta monografia.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos