CONCLUSÃO
Viu-se que o crime de receptação constante no artigo 180 do CP é um crime que visa tutelar a inviolabilidade do patrimônio, sendo o produto do crime a coisa do delito que foi praticado anteriormente contra o patrimônio. A existência de crime antecedente é um pressuposto do crime de receptação e como foi visto este é um delito autônomo. É um crime comum, tendo como sujeito ativo qualquer pessoa, exceto o autor, coautor e participe do crime cometido anteriormente. O sujeito passivo do crime é a vítima do delito anterior.
Foi feita uma análise profunda e crítica a respeito do elemento subjetivo deste crime na sua forma simples e qualificada. No caput do artigo 180 (receptação simples) o elemento subjetivo exigido é o dolo direto, não se admitindo o dolo eventual. Já no § 1° (receptação qualificada) trata do crime em sua forma qualificada, em que se tem a expressão “deve saber”, sendo exigido o dolo eventual. Daí surgiu a divergência na doutrina a respeito do tema, pois o crime na sua forma qualificada tem a pena mais severa que a receptação simples, porém o dolo exigido do § 1° do artigo deveria ser o direto e não eventual, pois o primeiro é mais grave que o segundo.
Diante de todo o exposto, a discussão na doutrina a respeito do crime de receptação é de suma importância para o Direito Penal, pois mostra a violação de princípios como o da proporcionalidade, isonomia, dignidade da pessoa humana, individualização legal da pena e razoabilidade. Assim, a pena cominada para esse crime deveria ser declarada inconstitucional.
O autor renomado Damásio Evangelista de Jesus sugere que o preceito secundário do § 1° do artigo 180 seja desconceituado, mantendo, entretanto, a figura do crime próprio (preceito primário), segundo suas palavras:
1.º – se o comerciante sabia da origem criminosa do objeto material, aplica-se o caput do art. 180 (preceitos primário e secundário); 2.º – se devia saber, o fato se enquadra no § 1.º (preceito primário), com a pena do caput (preceito secundário). Não nos socorremos da forma culposa, uma vez que o deve saber está descrito e contém conduta subjetiva mais grave do que a simples inobservância do cuidado objetivo necessário. Corta-se o excesso (de 3 a 8 anos de reclusão), reduzida a pena à cominação mais grave subsistente (de 1 a 4 anos de reclusão). A pena abstrata é a mesma nos dois casos. Na individualização concreta, entretanto, o Juiz deve considerar a diferença subjetiva e a qualificação especial do sujeito ativo (comerciante ou industrial). (DAMÁSIO E. JESUS, 1997, pg. 6)
O que se espera agora é que o legislador faça sua parte e harmonize a figura típica desse crime, alterando a redação do § 1°, inserindo o dolo direto em sua composição. Enquanto essa mudança não ocorrer, o interprete deverá exercer sua função de esclarecer a matéria legal de forma que esteja de conformidade com a Constituição Federal.
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