Inicialmente uma luz no fim do túnel para muitos, para mim, mega iluminação proveniente de um gigantesco farol, porque não dizer, a própria redenção da execução penal no Brasil, quiçá, no mundo, admitindo até, aí já com algum esforço, como alternativa plausível para o cumprimento da pena.
É fato que, em promovendo transformação radical na maneira de cumprimento de pena, a filosofia apaqueana, nada mais representa do que efetiva observância a LEP (Lei de Execuções Penais), bastando que se atribua melhor compreensão aos seus arts. 10, 25, 28, 40 (garantias) e 41 (direitos), incluindo-se na sua exegese, eis o segredo, o elemento nobre do amor, dele sobressaindo-se à solidariedade, tudo em obséquio a dignidade da pessoa humana, único ser criado a semelhança de Deus, cuja precípua finalidade é continuar a sua obra na terra e, onde, neste desiderato, algumas das vezes, criador e criatura se tornam indistinguíveis.
O porque do contentamento, diria da empolgação a ponto de procurar espargir a metodologia, começou quando recebendo do Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, Desembargador Rafael Godeiro (magistrado de visão assaz social, para quem juiz não é só para prender...), a incumbência de presidir o Programa Novos Rumos na Execução Penal, o fiz em ingênua Reverência a Sua Excelência - ledo engano, pois já no instante seguinte, levado pela não menor visão jurídico/social do Juiz Gustavo Marinho (da Central de Penas Alternativas da capital), adentrar de cabeça, é verdade, na nova missão, é como vejo o encargo a mim atribuído, não sei exatamente, o pretexto.
É fato, porquanto, que levado a Macau, comarca na qual, por obra da semente do igualmente visionário magistrado Marcos Vinícius (Nísia Floresta), será instalada a primeira APAC do Estado, a primeira do nordeste, fui contagiado pelo ânimo e disposição de macauenses já comprometidos com a causa (resgate do homem pelo homem).
Ali, ocorreu, literalmente, a interiorização do lema do projeto Novos Rumos na Execução Penal de que "Todo homem é maior que o seu erro", restando quebrantado, definitivamente, o dito popular "O pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto". Melhormente esclarecendo, finalmente compreendi e todos que estão a lê este artigo certamente compreenderão, "que o pau que nasce torto, tem jeito sim senhor, não morre torto".
Pois bem. Renovado no espírito, encontrei em Minas Gerais, notadamente nas comarcas de Lagoa de Prata, Nova Lima e Itaúna, após adentrar nos seus respectivos núcleos de operacionalização do método apaqueano, os CRS (Centro de Reintegração Social), a certeza absoluta e insofismável de que a execução penal no tipo ora preconizado é viável, indiscutivelmente acertada, pois a técnica concebida por Mário Ottoboni no ano de 1972, realmente recupera o condenado pelo apagamento do crime através do fornecimento de condições essenciais ao processo de humanização da pena, resgatando o humano intrínseco ao criminoso, fazendo ele, por si só, descobrir o seu lado extraordinário, Homem Filho de Deus, fato renegado, infelizmente, por alguns que se julgam alforriados ou se intitulam em liberdade.
Como bem teoriza Bitencourt C. R. (Falência da Pena de Prisão: Causas e alternativas, São Paulo 3. ed. 2004), a filosofia apaqueana sugere que se mate o criminoso e salve o homem presente nos sujeitos anti-sociais, por intercessão da valorização humana, do trabalho, da convivência com os familiares e, em especial, por intermédio do discurso religioso em que se fundamenta.
Estatisticamente comprovado, a execução da pena neste sistema, é extremamente menos onerosa para o Estado, pois, enquanto no modelo século/tradicional se gasta 4,5 salários mínimos mensais com um preso, na pedagogia do amor ao próximo, este quantum é encurtado para l,5 sm, se bastante não fosse o fato de que na forma habitual, 90% (noventa por cento) dos apenados retornam a criminalidade, invertendo-se no formato de ser apaqueano onde apenasmente 10% (dez por cento) dos reeducandos tornam a errar, não digo, delinqüir (nesta o aprisionado é chamado pelo seu nome próprio, não é um número e, é tratado como gente), índice, que aliás, já se mostra decrescente, por mais que não acudam os contrários.
Originariamente movimento pastoral, a APAC (Amando ao Próximo Amarás a Cristo), hoje ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS, é uma entidade civil de direito privado, dotado de um modelo de penitenciária cuja finalidade é desenvolver nos CRS, a reabilitação do apenado, suprindo a deficiência estatal nessa área, atuando, desta feita, na proteção da sociedade, posto somente devolver ao seu convívio tão-só novos homens ou homens novos em condições de respeitá-la, funcionando, pois, como órgão Auxiliar da Justiça e da Segurança na Execução da Pena.
Partindo do pressuposto de que todo ser humano é recuperável, desde que submetido a passadio adequado, a APAC adota como princípios a individualização do tratamento; a redução da diferença entre a vida na prisão e a vida livre; a participação da família, a integração da comunidade no processo de ressocialização, o oferecimento de ensino moral, assistências médica, odontológica, social, psicológica, jurídica, religiosa e educacional, incluída a formação profissional.
Em seu livro Ninguém é irrecuperável (1997), Ottoboni doutrina que no procedimento apaqueano, por ocasião do acolhimento do apenado/recuperando nos CRS, o crime por ele perpetrado é, de certa maneira, deixado do lado de fora do estabelecimento e o que ali adentra é o homem há muito esquecido e perdido naquele criminoso, enfatizando, outrossim, que em regra, os delitos cometidos pelos ‘’anti-sociais’’ tiveram origem, não na sua bravura e na força, todavia na pusilanimidade levada pela carência de religião e de Deus, sendo a moral um viés da crença, ou seja, a religião cumpre o papel de abastecer o sujeito delinqüente de possibilidades de apreender virtudes.
A prática pedagógica da APAC, alfim tem por escopo moldar uma ressignificação dos princípios, valores e normas que governam o comportamento humano em sociedade, fazendo com que o homem, mediante transformação moral e atuando em co-responsabilidade na sua reinclusão social, descubra em si próprio, através do amor (ali ele ama e é amado) e ajuntamento de virtuosidades, o sentido de sua vida, concebendo a unidade e unicidade do outro (enquanto ser humano), todos descendentes de um único criador, o ser supremo, Deus.
Nos Centros de Recuperação Social (CRS), diferentemente do cumprimento do castigo em presídios propriamente dito, onde o “xadrez’’ genuinamente pune o Homem a partir do mal cometido por esse Homem, sem ensanchas de ressocialização e, por consecutivo, ambiente onde presidiário não auxilia presidiário, ao contrário, o recuperando ajuda e cresce no adjutório ao recuperando, desenvolvendo, sobremaneira, o sentimento de mútua cooperação entre “os irmãos”, incutindo, designadamente, valores sublimes da vida em agrupamento.
Outra determinante a avalizar o sucesso do estilo ottoboniano, é o trabalho do voluntariado, assentado na gratuidade, no serviço ao próximo. Para este mister, o espontâneo carece estar bem preparado, sobretudo espiritualmente, já que sua devoção há de contemporizar irrestrita confiança que o recuperando nele deposita, enquanto no intelectual lhe é oferecido curso de formação de voluntário, durante o qual irá apreender a metodologia e desenvolver suas aptidões para o desempenho deste trabalho com pujança e imbuído de um alentado anseio de gratidão e espírito comunitário.
Anoto como vitória desta revolucionária (talvez opcional) metodologia, lamentavelmente ainda ignorado feitio de cumprimento da sanção criminal, a possibilidade do recuperando ter facilitado o implemento da medida repressiva junto ao seu núcleo familiar o que permite a formação de mão-de-obra especializada com o favorecimento da reintegração social, respeitada a lei sem mácula aos direitos dos objurgados, afastando, de vez, qualquer temerariedade a despeito de reincidência.
Ainda contextualizando, não se pode olvidar, haver a maneira de agir apaqueana compatibilizado estrita obediência à lei e o apreço a dignidade do ser humano, com o mérito pessoal de cada reeducando, entendido aí, o conjunto de seus dos afazeres a exemplo de elogios, advertências, saídas, etc., anotados em seus prontuários, servindo, destarte, o merecimento para as conquistas de benefícios e paradigma na averiguação da conduta para com a sua vida durante e pós-carcerária, com repercussões, deveras, na reinserção na sociedade.
Não pensem os incautos de maneira graciosa: a metodologia apaqueana fundamenta-se, sim, no emprego de disciplinas rígidas, austeras e às vezes até, intransigentes (não é moleza, não), distinguidas pelo respeito, ordem, trabalho e o abarcamento da família e da comunidade do sentenciado em todo trajeto correcional.
Em arremate, vi e constatei e para tanto, dissemino com desígnio semeador, que a concepção apaqueana de cumprimento de pena, que tem baldrame na pedra angular na ressocialização do homem - não pelo sofrimento, degradação ou aviltamento a pessoa, contudo, no amor pelo amor, com o acendimento no princípio da dignidade da pessoa humana e na convicção de que todo ser humano é “recuperável” - é a redenção da execução penal no Brasil e, oxalá, a exemplo da Argentina, Canadá, e Estados Unidos, no mundo como um todo.
Para melhor poder de convencimento, chamo a colação, mais uma vez Mário Ottoboni, o já anunciado fundador da APAC, quando, ao promover ilações sobre o intuito transformante de seu método (Ninguém é irrecuperável - 1997), se reporta ao Compêndio de Criminologia do penalista Hilário Veiga:
“Eu creio firmemente na capacidade de recuperação do homem. Se o espírito humano é capaz de um infinito aperfeiçoamento, é ele, por igual, acessível a uma recuperação sem limites”.