APAC, REDENÇÃO (OU ALTERNATIVA) PARA A EXECUÇÃO PENAL (2)

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APAC, REDENÇÃO (OU ALTERNATIVA) PARA A EXECUÇÃO PENAL (2).

Prossigo na construção do discurso apaqueano com o desfecho que gostaria de ter dado ao artigo anterior, com a afirmativa/indagativa, Eu acredito na APAC, e você?

 Naquela oportunidade, escrevi, mas não publiquei, que para os incautos, mormente leigos insurgentes contra o novo modelo de execução penal, seja mediante conjecturas ou com elucubrações, repagino o episódio Madalena quando Jesus ao interceder em seu favor disse “atire a primeira pedra”, aquele que se acha despojado de pecado, para em seguida, rebuscando o antigo padrão de impedimento público do matrimonio religioso, suplicar ao cético que fale agora ou “cale-se para sempre”.

Com efeito, vivenciar, como assim o fiz, as experiências dos Centros de Reintegração Social da APAC de pelo menos três distintas Comarcas em diferentes comunidades, ainda que no mesmo ente federativo, credencia a mim e a eclética representação potiguar (03 magistrados, 02 evangélicos, 02 serventuárias da Justiça, 01 servidora municipal e, para satisfação geral, 02 representantes em graus diferentes do Ministério Público Estadual), a fazer prefaladas assertivas, abstraídas, naturalmente, as tantas emoções (e foram muitas), ali sentidas.

Urge destacar, que pela primeira vez em toda a minha vida, adentrei numa penitenciária sem temor de qualquer natureza (o CRS é um presídio sim). Melhor explicando, a intrepidez somente aconteceu nas duas últimas visitas (Nova Lima e Itaúna) que se seguiram a APAC de Lagoa da Prata, onde não mais havia resquícios e, deveras, perplexidade quanto o que poderia vir a ocorrer, até pelo desconhecimento de causa.  

É fato, entretanto, que a partir da receptividade da nossa caravana naqueles Centros de Reintegração Social, ambientes onde, assevero, não houve a mínima maquiagem ou alguma manipulação sub-reptícia, restou manifesta a abissal distinção entre aos dois formatos de se fazer o cumprimento de pena, tradicional versus apaqueano.

Não abordarei, naturalmente, por não ser a temática do texto, as vicissitudes ou infortúnios da execução penal no estilo secular, até porque tudo que se disser de ruim bem se ajusta nesse sistema, cujas agruras demonstram a cada dia os equívocos e frustrações alistadas pela história na tentativa de se aprimorar essa perversa e inadequada maneira de cumprimento de pena privativa de liberdade, cuja reincidência, segundo o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), inventaria o atônito índice de 70% a até 95%.

Ficarei, portanto, adstrito ao discernimento Ottoboniano.

O vitorioso método de inserção social, inspirado no resgate do homem criminalmente condenado através do amor pelo amor, tem supedâneo em doze pilastras sintetizadas pelo seu instituidor Mário Ottoboni na: i) valorização humana; ii) conquistas de benefícios por mérito pessoal; iii) participação da comunidade; iv) integração família/recuperando; v) trabalho voluntariado; vi) ajuda mútua entre os recuperandos; vii) trabalho dentro e fora da instituição; viii) apoio e busca religiosa; ix) jornada de libertação em Cristo; x) assistência jurídica; xi) assistência à saúde e xii) centro de reintegração social (CRS).

Discorrendo sobre cada uma, tem-se na Valorização Humana o ponto capital da metodologia, conquanto consistente na elevação moral do encarcerado busca a mudança da sua auto-imagem de homem errante, através de comportamento prosaico, como o chamamento pelo próprio nome, conhecimento de sua história, noção de suas carências, interesse por sua vida (no cotidiano e muito mais no seu amanhã), traduzindo, pois que, o reencontro consigo próprio.

Quanto às Conquistas de benefícios por mérito pessoal, tenho-las como componente aferidor da biografia prisional do recuperando, posto que será sempre pelo merecimento que conseguirá evoluir, constituindo-se no conjunto das tarefas relacionadas à sua vida disciplinar cativa.

A despeito da Participação da comunidade, ressalto a sua imprescindibilidade para o sistema, vez que a técnica do ensino APAC só poderá manter-se com a sua interveniência, por lhe caber o ônus de implementar o projeto nas prisões, competindo ao Judiciário unicamente fomentar a idéia.

Buscar espaços para difundir o movimento apaqueano, no desiderato de arrebentar as fronteiras do preconceito, é condição sine qua non para aglutinar as forças vivas da sociedade neste afã.

Já no tocante a Integração familiar do recuperando, vejo também como de particular acuidade, conquanto ao obstar a transcendência criminal com alicerce no princípio constitucional da personalidade e da individualização da medida repressiva (art. 5°, inc. XLV da CF), pelo qual a “pena não pode passar da pessoa do condenado”, estimula, outrossim, a presença mais perene dos entes queridos nos dias festivos e de visitação, otimizando o tratamento ao manter o recuperando perto da prole e círculo afetuoso, numa verdadeira incubação focada ao seu regressar ao convívio social.

No Trabalho voluntariado, a APAC guarda fundamentação na desonerosidade no serviço ao próximo. Para esta empreitada, o espontâneo carece de exemplar vida fenômeno/espiritual, seja pela credibilidade que o recuperando nele deposita, seja pelas atribuições que lhe são acreditadas, restando-lhe atuar com fidelidade e convicção.

Sobre a Ajuda mútua entre os recuperandos o fato de o detento amparar um igual, lembra a simbologia dos mosqueteiros “um por todos e todos por um’’, buscando interiorizar no segregado o ânimo de co-participação, harmonia, felicidade, alegria, convivência pacífica entre irmãos, despertando, por outro lado, o conceito de unicidade (somos um só), sobretudo, a veridicidade de que nascemos para servir e coexistir em união, em coletividade.

No respeitante ao Trabalho dentro e fora da instituição, entende Ottoboni que o trabalho, por si só, não é o bastante para reconstruir o homem, devendo fazer parte de um contexto e a finalidade da proposta.

 No modelo ensinado, o regime fechado é o tempo para a recuperação, o regime semi-aberto para a profissionalização e o aberto para a inserção social, sendo, pois, os afazeres aplicados em cada um dos regimes compatibilizado com o desígnio direcionado.

Neste escopo, os trabalho realizado no interior dos CRS objetiva a autogestão e auto-análise por meio de atividades bem delineadas, a exemplo de lições de valorização humana, laborterapia, dentre outras tantas.

                           No referente ao fundamento Apoio e busca religiosa, o jeito de ser apaqueano proclama a obrigação do recuperando fazer a experiência de Deus, ter uma religião, amar e ser amado, oferecendo-lhe, portanto, sentido de devoção.

   Neste particular, a metodologia se afirma na Jornada de Libertação com Cristo, constituindo o seu ponto mais elevado numa reflexão por três dias, cujo alvo é infundir no recuperando a necessidade de uma definição quanto à adoção de uma nova filosofia de vida.

                                              A Assistência Jurídica, diferentemente do aparelho tradicional de execução criminal, onde 95% da população aprisionada não possui condições de constituir Advogado, ganha excelência na pedagogia APAC por ser o serviço oferecido com distinta e individual atuação, além da proeminência na sua oferta, uma vez prestado sempre por profissionais de gabarito.  

Igualmente se pode afirmar no relativo a Assistência à saúde, restando assegurado ao recuperando o suprimento médico, odontológico, psicológico, social e outros de um modo humano e eficiente, existindo no CRS, a exemplo da assistência advocatícia, os respectivos gabinetes e, quando impossibilitados ou ausentes, o atendimento se processa mediante remoção do recuperando para espaço aprazível.                          

Por fim, partindo do entendimento de ser a APAC apenas uma idéia metodológica, uma filosofia pedagógica, temos nos Centro de Reintegração Social (CRS), os seus locais de operacionalização.

Neles se oferece ao recuperando a oportunidade de, como já arraigado na cultura popular - pagar o que deve a sociedade, ou seja, cumprir a pena, contudo, com dignidade e decência, uma vez respeitado os direitos humanos, além do que, unido ao seu núcleo doméstico, tem facilitado, a contento, a formação de mão-de-obra e o favorecimento na reinclusão social.

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No CRS o controle é exercido com um intento religioso e são os próprios recuperandos que tomam grande parte das decisões da APAC, por meio do Conselho de Solidariedade e Sinceridade, os CSS.

É função (do CSS), por exemplo, prestar auxílio aos recuperandos em período de adaptação, orientá-los e admoestar aqueles que cometem faltas tidas como leves como a inobservância dos horários das atividades por eles desempenhadas. As faltas julgadas médias ou graves são deliberadas pela Direção da APAC, assim como pelo Juiz das Execuções.

Por estas razões, não admito imaginar a menor probabilidade de que uma metodologia assentada nos fundamentos acima e arraigada nos princípios morais do amor como caminho; o diálogo como entendimento; a disciplina com amor; o trabalho como essencial; a fraternidade e respeito como meta; a responsabilidade para o soerguimento; a humildade e paciência para vencer; o conhecimento para ilustrar a razão; a família organizada como suporte e Deus como fonte de tudo, não desabroche como redentora da execução penal, reafirmando em tudo a inabalável fé e confiança nesse ensinamento.

                         Desdobrarei esses elementos, enquanto decálogo da APAC, nos próximos escritos, frente à missão que abracei de bem excitar a cidadania no cumprimento da pena.

A tudo se soma o fato de haver presenciado a entrevista feita pela equipe potiguar com os “Filhos de Francisco”, denominação carinhosa dada pelos reeducandos do CRS de Lagoa da Prata aos colegas norteriograndenses Francisco e Francisco - para ali levados pela providencial e ousada iniciativa do Desembargador Rafael Godeiro, dentro do seu arrojado humanismo - os quais, juntamente com outros dois destacados para o CRS de Nova Lima, voltarão ao Estado para preencherem o remanescente correcional, oportunidade em que atuarão como agentes multiplicadores da metodologia em Macau, primeira APAC do Nordeste.

Deixarei para novo apontamento, a reprodução dos impressionantes depoimentos dos “Filhos de Francisco” - antes e depois, da ida para Minas Gerais, honrando assim, o gancho aberto quanto ao decálogo apaqueano.

Por fim, trago a lume as palavras de Flávio Borges D’Urso, Presidente do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo reproduzidas por Mario Ottoboni no Livro “Vamos Matar o Criminoso? Método APAC”, Paulinas, 3ª. Ed. 2006, pág. 309, São Paulo: “Jamais um homem será recuperado sem que ele próprio assim deseje, mas é indispensável que se estimule tal desejo, e a APAC assim trabalha. A sociedade é responsável por tudo o que aqui se faz, e pelo proveito que, com a recuperação do homem, reverte em benefício dela própria”.

Encerro, agora, com parte da canção apaqueana “Estamos Juntos”, que diz:

Era cego e não sabia

Enxergava, mas não via

Hoje sinto a liberdade

No amor e na amizade.

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Sobre o autor
Francisco Saraiva Dantas Sobrinho

Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Integrante da Câmara Criminal do TJ/RN, Ex-presidente do Programa Novos Rumos na Execução Penal e do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Rio Grande do Norte.

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