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Controle do poder executivo do juiz

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25/11/2004 às 00:00
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10 O controle do poder executivo após o trânsito em julgado

A sentença deve concluir que determinado agir é: i) adequado e efetivo à tutela do direito; ii) configura a menor restrição possível; e iii) não configura uma restrição desproporcional. Na fase de execução, se o agir fixado na sentença não for observado pelo réu, esse - que constitui, de acordo com a decisão, a menor restrição possível - poderá ser alterado, pois aquele que seria o meio mais idôneo para tutelar o direito do autor, por ter sido recusado pelo réu, não pode mais assim ser considerado, e, portanto, exige a definição de outro agir, que possa ser idôneo à tutela do direito.

Como se vê, não é possível ao juiz questionar, na fase de execução, se o agir fixado na sentença é adequado à tutela do direito ou se nela foi corretamente observada a regra da proporcionalidade em sentido estrito. É apenas a regra da necessidade que pode ser novamente analisada, e isso diante do fato de o agir não ter sido observado pelo réu. O réu, com o não cumprimento da sentença, abre oportunidade para que outro agir seja imposto, uma vez que o fixado na sentença restou inidôneo. Por isso, outro agir, idôneo à tutela do direito, deve ser escolhido pelo juiz.

Para exemplificar: o juiz não pode, na fase de execução, considerar que a instalação de equipamento antipoluente: i) não é adequada para a tutela do direito; ii) não representa a menor restrição possível; ou iii) fere a proporcionalidade em sentido estrito. O juiz apenas pode inovar quando o réu não atende à sentença, e assim o agir deixa de se configurar, por culpa sua, como meio mais idôneo, permitindo que um outro seja imposto no seu lugar. De modo que se o réu não instala o equipamento, atendendo à ordem sob pena de multa, o juiz não é obrigado a determinar que o equipamento seja instalado por terceiro – alterando apenas o meio executivo -, mas fica com a possibilidade de determinar a interdição da fábrica.

Por outro lado, o meio executivo também pode ser modificado após o transito em julgado da sentença, quando devem ser consideradas apenas as regras do meio idôneo e da menor restrição. O Código de Processo Civil é expresso no sentido de que o juiz pode, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva (art. 461, §6º). Assim, é possível que o juiz conclua que o valor ou a periodicidade da multa - que devem ter observado tais regras no momento em que foram fixados na sentença – sejam modificados, ou mesmo que seja alterado um meio de execução que, embora observado pelo demandado, possa ser substituído por um menos gravoso.

Ademais, se a sentença for descumprida, o juiz pode substituir a multa pela execução direta ou vice-versa, ou ainda impor a prisão como última alternativa e no caso de ordem que não exija disposição de patrimônio. Nessa linha, a única forma de se controlar o exercício do poder será através da análise da justificação. Ou seja, o juiz deverá justificar a razão pela qual, por exemplo, a multa não teve êxito, e porque acredita que a execução direta ou a prisão poderão viabilizar o encontro da efetividade da tutela jurisdicional.


11 O controle da alteração da modalidade executiva na tutela antecipatória

Diante da tutela antecipatória, não é possível esquecer do §4º do art. 273, que admite a alteração da tutela em razão de "novas circunstâncias". As razões que permitem a alteração da tutela com base no referido §4º do art. 273 são "outras razões", no sentido de "razões" que não foram apresentadas. Lembre-se que não é apenas a alteração da situação de fato que permite a alteração da tutela, mas também o surgimento, derivado do desenvolvimento do contraditório, de uma outra evidência sobre a situação fática.

Portanto, diante da tutela antecipatória, não é apenas o meio de execução que pode ser alterado, mas também a própria ação material imposta. Ou melhor, para a alteração do não fazer ou do fazer determinados não é necessário o não cumprimento da tutela, bastando o surgimento de uma nova circunstância, seja fática ou decorrente do desenvolvimento do processo. Por isso, o juiz pode alterar a tutela antes dela ter sido conhecida pelo réu ou após ter sido observada, quando o seu cumprimento deva se desenvolver no tempo.


12 O controle da determinação da modalidade executiva adequada na antecipação de soma

Como visto, a antecipação de soma deve ser executada mediante meios executivos capazes de permitir a sua efetivação em tempo que permita atender ao seu próprio pressuposto legitimador: a urgência. Isso porque o direito à execução da tutela antecipada é uma modalidade especial do direito à execução das decisões jurisdicionais – que é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional -, particularizado por ser direito à execução de uma tutela fundada em urgência.

Também já foi demonstrado que a tutela antecipada de soma pode ser executada por intermédio dos meios executivos colocados nos artigos 733 e 734 do Código de Processo Civil, da multa e das medidas de execução que servem à sentença que condena ao pagamento de dinheiro.

Porém, nesse momento importa saber quando o juiz deve utilizar a prisão civil, o desconto em folha, o desconto de rendas periódicas, a multa e as medidas executivas de expropriação.

A prisão apenas pode ser utilizada para constranger o devedor a pagar alimentos. Contudo, como já observado, os alimentos não têm fonte apenas no direito de família, mas também no ato ilícito. Isso quer dizer que a prisão pode ser utilizada, como meio de coerção, quando o juiz entende que o autor precisa imediatamente de alimentos indenizativos. Ora, se a tutela antecipatória é concedida porque se supõe que o autor necessita da soma, não admitir a sua execução por intermédio da prisão, apenas pela razão de que os alimentos não se fundam em direito de família, é negar a evidência de que o jurisdicionado tem o direito à execução tempestiva da tutela antecipatória.

A prisão somente pode ser negada quando há a possibilidade de a execução da soma alimentar ser feita por desconto em folha ou por meio de desconto de renda periódica (aluguel etc). Não há qualquer racionalidade em pensar que a prisão não pode ser utilizada quando for viável o uso da execução por expropriação. É que a execução por expropriação, em razão da sua natureza, impede a execução tempestiva da decisão que concede a tutela antecipatória e, assim, o seu uso transformaria a tutela antecipatória em tutela final, desprezando a própria necessidade daquele que a postulou.

Quando a soma perseguida não caracterizar verba alimentar, mas a necessidade da sua obtenção também for urgente para o autor, nada impedirá a utilização da multa como meio de coerção indireta. Lembre-se de que os arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil são expressos em admitir a multa como meio de constranger o réu a não fazer, a fazer e a entregar coisa, mas nada pode impedir o seu uso quando se busca a execução da tutela antecipatória de soma em dinheiro.

Se é evidente a impossibilidade de a tutela antecipatória ser executada mediante expropriação, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não só justifica, mas na realidade impõe o uso da multa como meio executivo [18]. Se isso não acontecer, o direito à tutela antecipatória, que obviamente está inserido no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, será evidentemente negado pelo juiz.

Não se diga que a multa não tem utilidade porque pode ser transformada pelo réu em simples valor a ser cobrado (sanção pecuniária), quando então existirá dificuldade igual a que se tinha para cobrar o valor do principal. Isso é pouco mais que absurdo, pois seria o mesmo que dizer que a multa não tem efetividade alguma porque pode ser transformada em sanção pecuniária pelo réu que se nega a não fazer, a fazer ou a entregar coisa. Ou seja, negar o valor da multa diante da soma em dinheiro é o mesmo que eliminar a utilidade da multa como meio de coerção indireta.

Por outro lado, há um grande equívoco em ver na dificuldade da cobrança da multa algo que possa influir decisivamente sobre a sua efetividade. Ora, se importar mais em como cobrar a multa do que na sua efetividade como mecanismo de coerção é uma perspectiva de análise ainda comprometida com a compreensão de um sistema processual preocupado fundamentalmente com a cobrança do valor equivalente ao do direito degradado em pecúnia.

Essa visão patrimonialista ou "monetizada" dos direitos é que perturba a visão da importância da multa como forma de pressão ao pagamento, absolutamente indispensável quando se precisa imediatamente de soma em dinheiro e não se pode recorrer à prisão ou ao desconto em folha ou de renda periódica.

É por isso que a execução por expropriação, em face da antecipação de soma, é a última via que deve ser percorrida.


13 A justificativa como forma de racionalizar o uso do poder de execução e de viabilizar a participação das partes no processo

Se o juiz pode determinar a modalidade executiva adequada ao caso concreto, cabe-lhe obviamente justificar a forma executiva que lhe parecer a mais idônea. Ou seja, como o poder executivo não é mais delimitado pelo princípio da tipicidade e pela regra da adstrição, e a via executiva pode ser modificada, o juiz deve explicar as razões que o levaram a admiti-la ou a preferi-la.

Não se pretende, nesse momento, voltar a tratar da importância da justificativa da decisão que defere ou indefere a tutela antecipatória, mas apenas frisar que as regras para o controle da racionalidade da decisão judicial, como a do meio idôneo e da menor restrição, não teriam qualquer importância se não fosse clara a necessidade de o juiz demonstrar a sua perfeita adoção na justificativa da sua decisão.

A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz [19]. O equívoco da justificativa é que evidenciará a ilegitimidade da sua escolha. Sem ela a legitimidade do exercício do poder de execução ficaria comprometida e não seria possível concretizar o direito constitucional das partes participarem adequadamente do processo.

A ampliação do poder de execução do juiz, ocorrida para dar maior efetividade à tutela dos direitos, possui, como contrapartida, a necessidade de que o controle da atividade executiva seja feita pela regra hermenêutica da proporcionalidade e pelo seu indispensável complemento, a justificação judicial. Em outros termos: pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da tutela, exige-se dele, por conseqüência, a justificação das suas escolhas. Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz.

O crescimento do poder executivo do juiz e a necessidade de outros critérios de controle da decisão judicial nada mais são do que conseqüências das novas situações de direito substancial e da tomada de consciência de que o Estado tem o dever de dar proteção efetiva aos direitos.

Na justificativa, o juiz deve dizer a razão pela qual preferiu uma modalidade de execução e não outra. Ou seja, porque preferiu, por exemplo, i) ordenar a instalação de um equipamento antipoluente ao invés de ordenar a cessação das atividades da empresa ré, ii) utilizar a multa e não a execução direta quando verificou que o réu deveria fazer, e iii) determinar o desconto em folha e não ordenar sob pena de multa quando deferiu a antecipação de soma. Tais opções somente podem ser aceitas se configuram o meio mais idôneo, concretizando o meio idôneo e o menos restritivo ao réu.

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As sub-regras da proporcionalidade, embora façam parte do raciocínio decisório, pois viabilizam a decisão, obviamente não podem ser ignoradas quando da justificativa. Até porque tais regras não servem apenas para facilitar a decisão, mas muito mais para que se possa justificá-la de modo racional, permitindo-se o seu controle pelas partes.


Notas

1 CrisantoMandrioli, L’esecuzione forzata in forma specifica. Milano : Giuffrè, 1953.

2 Ver, também, Luigi Montesano, Condanna civile e tutela dei diritti. Napoli : Jovene, 1965, p. 86; Crisanto Mandrioli, Sulla correlazione necessaria tra condanna ed eseguibilità forzata. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976, p. 1.347; Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro. Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 23.

3 Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1993, p. 808.

4 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, Napoli: Jovene, 1978, p. 36.

5 Como observa Mazzamuto, "il significato della garanzia dell’incoercibilità ed il ricorso alla sanzione risarcitoria, allorché venga compromessa in obbligo la stessa persona del debitore nel suo multiforme dispiegarsi in attività pratiche (materiali, intellettuali, giuridiche), va oltre, in sostanza, la pura difesa dei valori di libertà e si ricollega direttamente alle trasformazioni del processo economico" (Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 36).

6 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37.

7 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37.

8 A diferença é que a lei é resposta abstrata do legislador, ao passo que a decisão é resposta do juiz diante do caso concreto. Ou seja, há direito, devido pelo Estado-legislador, à edição de normas de direito material de proteção, assim como de normas de direito instituidoras de técnicas processuais capazes de propiciar efetiva proteção. Porém, o Estado-Juiz também possui dever de proteção, que realiza no momento em que profere a sua decisão a respeito dos direitos fundamentais.

9 Não há dúvida de que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva engloba o direito aos meios executivos adequados. Veja-se, nesse sentido, a lição de Canotilho: "Finalmente, a existência de uma proteção jurídica eficaz pressupõe a exequibilidade das sentenças (‘fazer cumprir as sentenças’) dos tribunais através dos tribunais (ou, evidentemente, de outros órgãos), devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do juiz. Esta dimensão da proteção jurídica é extensiva, em princípio, à execução de sentenças proferidas contra o próprio Estado (CRP, artigo 208º/2 e 3, e, em termos constitucionalmente claudicantes, o Decreto-Lei n. 256/-A/77, de 17 de junho, artigo 5º segs, e Decreto-Lei n. 267/85, de 12 de julho, artigo 95o ss). Realce-se que, no caso de existir uma sentença vinculativa reconhecedora de um direito, a execução da decisão do tribunal não é apenas uma dimensão da legalidade democrática (‘dimensão objetiva’), mas também um direito subjetivo público do particular, ao qual devem ser reconhecidos meios compensatórios (indenização), medidas compulsórias ou ‘ações de queixa’ (cfr. Convenção Européia dos Direitos do Homem, artigo 6º), no caso de não execução ilegal de decisões dos tribunais" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 2002, p. 654).

10 A doutrina espanhola tem deixado de lado as velhas discussões em torno da ação como mero direito de ir a juízo ou como simples direito a uma sentença de mérito, e assim estabelecido: "El derecho a la tutela judicial efectiva que consagra el art. 24 CE no agota su contenido en la exigencia de que el interessado tenga acceso a los Tribunales de Justicia, pueda ante ellos manifestar y defender su pretensión jurídica en igualdad con las otras partes y goce de la libertad de aportar todas aquellas pruebas que procesalmente fueran oportunas y admisibles, ni se limita a garantizar la obtención de una resolución de fondo, fundada en derecho, sea o no favorable a la pretensión formulada, si concurren todos los requisitos procesales para ello. Exige también que el ‘fallo se cumpla’ y que el recurrente sea repuesto en su derecho y compensado, si hubiere lugar a ello, por el daño sufrido. Lo contrario sería convertir las decisiones judiciales y el reconocimiento de los derechos que ellas comportan en favor de alguna de las partes en meras declaraciones de intenciones"(David Vallespín Pérez, El modelo constitucional de juicio justo en el ámbito del proceso civil, Barcelona: Atelier, 2002, p. 142-143). Ver, ainda, Álvaro Gil-Robles, Los nuevos límites de la tutela judicial efectiva, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996, p. 85 e ss.

11 "Trata-se, antes de mais, de conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da interpretação, à referência à Constituição. Com efeito, cada norma legal não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva" (Jorge Miranda, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 659).

12 Como observa Cristina Queiroz, valendo-se de lição de Herbert Kruger, "‘(a)ntes os direitos fundamentais só valiam no âmbito da lei; hoje as leis só valem no âmbito dos direitos fundamentais’ estabelecidos na Constituição" (Direitos Fundamentais (Teoria Geral), Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p.32).

13 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 148.

14 A respeito do tema, ver João Pedro Gebran Neto, A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais, São Paulo, Ed. RT, 2003.

15 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), Coimbra: Almedina, 2001, p. 256.

16 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 256-257.

17 Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo, Ed. RT, 2004, p. 587 e ss.

18 Aliás, a multa também pode ser utilizada para efetivar a decisão (e a sentença) que ordena o ressarcimento na forma específica, seja para compelir a um fazer, a entrega de coisa em substituição à destruída, ou ao pagamento do valor necessário para a reparação na forma específica. É que o dissemos em livro que acabamos de publicar (Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, cit., p. 212 e ss): "No contexto da efetividade dos meios de execução, nada parece tão relevante quanto o problema da tutela ressarcitória na forma específica. Como é sabido, o direito ao ressarcimento na forma específica prefere ao ressarcimento pelo equivalente. Porém, como se percebe na prática forense, o ressarcimento pelo equivalente é muitas vezes imaginado como o único possível de ser obtido. Isso ocorre, como é óbvio, em razão de que o CPC instituiu, como veículo processual destinado ao ressarcimento na forma específica, a sentença condenatória e a ação de execução de obrigação de fazer - quando, uma vez não cumprido o fazer necessário para a reparação, o exeqüente teria que requerer que esse fosse prestado por um terceiro às custas do devedor. Como o executado que não faz geralmente não paga para um terceiro fazer, a probabilidade do lesado ter que pagar para a reparação na forma específica era muito grande, e assim praticamente inviabilizava o ressarcimento na forma específica. Porém, se reparar significa, antes de mais nada, fazer ou entregar coisa em substituição à destruída, nada pode impedir que, atualmente, seja empregada a multa para dar efetividade ao ressarcimento na forma específica (arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC). É verdade que não há procedência em obrigar o réu a reparar – ou seja, a fazer -, quando ele é destituído de capacidade técnica para tanto. Porém, isso constitui circunstância meramente acidental em relação ao dever de reparar – que é, acima de tudo, dever de ressarcir na forma específica, e não simples obrigação de pagar dinheiro. O dever de reparar na forma específica não se extingue no caso em que o demandado prova não ter capacidade técnica para fazer. Ou seja, a demonstração de incapacidade técnica não tem o condão de transformar o direito ao ressarcimento na forma específica em direito a indenização em pecúnia. Assim, demonstrada a incapacidade técnica e não cumprida a sentença, o juiz deve utilizar a multa para compelir o infrator a pagar para que terceiro preste o fazer necessário ao ressarcimento. Nesse caso, a multa não estará sendo utilizada para compelir o infrator a pagar, mas sim para viabilizar o ressarcimento na forma específica. Como é evidente, a incapacidade técnica do lesado não pode transformar o seu dever de ressarcir em obrigação de pagar dinheiro. Na realidade, em todos os casos em que a multa for o único meio capaz de conferir a tutela do direito, o seu uso será evidentemente sustentado pelo direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Isso ocorre no caso de tutela antecipatória de soma em dinheiro (com visto atrás) e no caso de tutela ressarcitória na forma específica. Perceba-se que a não utilização da multa, mesmo para compelir o infrator a custear o fazer, inutiliza o ressarcimento na forma específica. Ou melhor: a multa, embora não expressamente prevista, é absolutamente necessária para a efetividade da tutela antecipatória de soma em dinheiro e para a tutela ressarcitória na forma específica. Sendo assim, não há como argumentar que, pelo fato dela não ser expressamente prevista para essas situações, o seu uso fica vedado. É que a omissão do legislador em dar efetividade ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como é óbvio, não pode ser interpretada em seu desfavor".

19 Sobre a importância da justificativa, ver Michele Taruffo, La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, p. 194-195, Michele Taruffo, Funzione della prova: la funzione dimostrativa, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, 1997, p. 553-554; Michele Taruffo, Il controllo di razionalita’ della decisione fra logica, retorica e dialettica, in: www.studiocelentano.it/le nuove voci del diritto; Michele Taruffo, La motivazione della sentenza, Revista de Direito Processual Civil (Genesis Editora), v. 30, p. 674 e ss; Michele Taruffo, Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz, Conferência proferida na Faculdade de Direito da UFPR; Curitiba, março de 2001, p. 17.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 506, 25 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5974. Acesso em: 16 abr. 2024.

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