O impacto da teoria do adimplemento substancial no viés dos contratos de plano de saúde

11/08/2017 às 19:28
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O presente artigo vem demonstrar a influência e polêmica discussão criada quando tratamos sobre a relação entre a teoria do adimplemento substancial e os contratos de plano de saúde, trazendo um viés nas aplicações do direito moderno, sendo muito debatido

INTRODUÇÃO

O contrato de adesão, em sua síntese, é definido como aquele contrato que é realizado por apenas uma das partes, na qual cabe apenas a outra parte se submeter, não havendo ajustes bilaterais quanto suas cláusulas.

O Código de Defesa do Consumidor traz, em seu bojo, a definição do contrato de adesão, observado:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Perante esta definição, temos que o contrato de plano de saúde é um contrato de adesão, as quais estão presentes neste contrato as características de rigidez e unilateralidade. Não cabe as partes discutirem formação de cláusulas, cabendo se submetê-la em sua integralidade ou não.

Com isso vem a grande polêmica que subsiste na situação de um possível inadimplemento fortuito, como é chamado pelo mestre Orlando Gomes (2008), e este seja mínimo e a aplicabilidade ou não da denominada teoria do adimplemento substancial neste caso, que é o que cuidarei de expor no presente artigo.

O ADIMPLEMENTO COMO UM DEVER OBRIGACIONAL

Se tratando de formas de extinção de uma obrigação, o adimplemento é o cumprimento de uma obrigação de forma voluntária pelo devedor, seja pela realização de uma obrigação de dar quantia, fazer, não fazer ou uma obrigação de dar coisa distinta de dinheiro, e, com a realização de uma destas, o devedor se exonera da obrigação.

O resultado que se espera de toda relação obrigacional é a satisfação de um dever que o devedor tem com o credor, decorrente de um ato-fato jurídico praticado pelo primeiro em detrimento do segundo.

Toda obrigação irá ter, obrigatoriamente, três elementos, quais sejam, a existência de dois polos, o ativo e o passivo, isto é, o credor e o devedor, respectivamente, podendo haver mais de um sujeito em cada polo; temos a existência de um vínculo jurídico, que é a força que une os sujeitos, seja qualquer acontecimento que interesse ao direito capaz de fazer nascer uma obrigação; e um objeto, que é a prestação devida pelo polo passivo da obrigação.

Na relação jurídica, como regra geral, aquele que vai cumprir a obrigação é o próprio devedor, aquele que vai realizar o pagamento, no sentido amplo do termo. Todavia, o adimplemento de uma obrigação pode ser realizado por um terceiro interessado, por exemplo, um fiador, ou, até mesmo, um terceiro não-interessado, como é o caso de um pai que paga a dívida pelo filho.

Todo pagamento, em princípio, deve ser efetuado no dia do vencimento da dívida, e se não tiver sido ajustada época para o pagamento, preceitua o Código Civil de 2002, em seu art. 331, que pode o credor exigi-lo imediatamente.

Ainda há a possibilidade extinguir a obrigação sem pagamento, nos casos de haver a prescrição da dívida, a existência de caso fortuito, força maior, advento da condição resolutiva ou de termo extintivo.

Como o propósito do texto é o tratamento sobre os contratos, mais especificamente o de plano de saúde, irá gerar a resolução contratual deste se, quanto aos contratos individuais, não for realizado o pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, e quando há a resolução do plano coletivo, com inadimplência de trinta dias, porém devendo haver a prévia notificação ao consumidor.

A doutrina aponta duas vertentes quanto ao inadimplemento: quando este for culposo ou fortuito. Quando culposo, será aquela praticada intencionalmente ou por negligência do sujeito, sendo a este imputável a culpa contratual. Nas palavras do mestre Orlando Gomes “ocorre por se abster o devedor do que devia fazer para a satisfação do crédito, seja deixando totalmente de cumprir a obrigação, seja deixando de cumpri-la pontualmente, seja cumprindo-a defeituosamente”.

Entretanto, no outro lado da moeda, surge o inadimplemento fortuito, ocorrente por fato não-imputável ao devedor. Esta inadimplência irá decorrer do simples acaso, por vontade alheia do devedor. Se trata de uma impossibilidade de realizar a prestação.

A diferença principal em ambos está quanto às perdas e danos, devido quando o inadimplemento for culposo e isento se fortuito, devendo o devedor provar a ocorrência do caso fortuito ou força maior.

ORIGEM E APLICABILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

Segundo Flávio Tartuce, para a teoria do adimplemento substancial, nos casos em que o contrato tiver sido quase todo cumprido, sendo a mora insignificante, não caberá sua extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, como a cobrança ou o pleito de indenização de perdas e danos.

Em outras palavras, a teoria do adimplemento substancial traz a ideia de que não se deve extinguir uma obrigação quando o devedor fez cumprir com maior parte dela e houve apenas o inadimplemento de uma parcela de menos importância do conjunto de obrigações dele.

Assim, se o sujeito vem pagando com quantia certa durante dez anos de sua vida uma obrigação referente a plano de saúde, e, por uma dificuldade financeira deixa de pagar por um mês, não é visível a imediata resolução do contrato por este motivo.

A teoria tem sua origem no direito inglês, no sistema do Common Law, no século XVIII, na qual os tribunais ingleses buscaram, com isso, alcançar a justiça, relativizando a exigência do estrito cumprimento de um contrato.

Um caso que serviu como precedente para a ascensão da mencionada teoria foi o caso Cutter vs. Powell, na qual Powell contratou Cutter como imediato do navio em viagem, partindo da Jamaica, em 1973, porém o contrato não fora cumprido, ocasionado pelo falecimento de Cutter ainda durante a viagem.

Sua esposa/viúva moveu ação para receber parte da quantia combinada diante dos trabalhos prestados pelo marido enquanto ainda estava em vida. Todavia, a ação foi julgada improcedente, com fundamento de que, conforme o contrato, o pagamento estava condicionado ao cumprimento da obrigação, ou seja, o sucesso da viagem, a qual não ocorreu.

Visando uma injustiça nesta decisão, as Cortes de Equity estabeleceram a Substancial Performance, valorando a gravidade objetiva do prejuízo causado ao credor pelo não cumprimento da obrigação.

Entretanto, a teoria do adimplemento substancial foi concretizada pela doutrina a partir do caso Boone vs. Eyre, de 1779. Boone demandou contra Eyre em razão do atraso do pagamento estipulado no contrato, porém Eyre alegou que a obrigação contratual não havia sido cumprida.

O magistrado, neste caso, julgou a lide procedente, entendendo que o comprador não estava dispensado de pagar o convencionado, em que não se configurava uma obrigação dependente, considerando ser uma obrigação secundária se resolvendo somente em perdas e danos e não cabendo a resolução contratual.

A teoria do adimplemento substancial foi se espalhando pelo mundo, sendo amplamente aceita e aplicada nos diversos ordenamentos jurídicos, sendo através de previsão efetiva na legislação, como é o caso da Itália, estando previsto no seu art. 1.455, segundo o qual dita que o contrato não será resolvido se o inadimplemento de uma das partes tiver escassa importância, levando-se em conta o interesse da outra parte, ou, se não havendo previsão em lei, gozando de grande prestígio doutrinário e jurisprudencial, como é o caso do Brasil, em que atrela a aplicabilidade desta teoria aos princípios contratuais contemporâneos.

Atualmente, há vários julgados no sentido de que, se há um adimplemento de quase toda a obrigação e a falta de pagamento de parcela mínima da prestação, aplica-se a teoria do adimplemento substancial. Temos como exemplo jurisprudência do Tribunal de Minas Gerais:

EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO – NÃO APLICAÇÃO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.

Aplica-se a Teoria do Adimplemento Substancial nos casos em que o devedor já tiver arcado com grande parte do débito, assim, é de se concluir pela inexistência de interesse de agir a amparar a propositura de Ação de Busca e Apreensão, cujo objetivo é a retomada do bem, devendo o credor buscar outra forma de adimplemento de seu crédito, especialmente porque a retomada do bem consubstancia-se em medida desproporcional. Contudo, nos casos em que o devedor não tiver quitado a maioria da dívida, o prosseguimento da Ação de Busca e Apreensão se torna a medida mais pudente, objetivando assim assegurar o direito do credor.[1]

Além desta, temos o julgamento do agravo de instrumento n° 0018584-04.2009.8.19.0000 (2009.002.25737), em que a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu a possibilidade de purga da mora ao devedor que já havia pagado 36 das 48 prestações assumidas e entendeu inviável o deferimento de medida liminar pleiteada em ação de busca e apreensão, ante o adimplemento de 75% da obrigação assumida.

Finda-se que há vários Tribunais que entendem em favor da teoria, porém há muitos outros também que não seguem a mesma linha, sendo uma decisão totalmente instável entre os Tribunais do país.

A INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL NA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

A IVª Jornada de Direito Civil, ocorrida em 2006, aprovou o Enunciado n. 361 CJF/STJ, estabelecendo que:

“O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.

O art. 475 do Código Civil Brasileiro fala sobre o inadimplemento voluntário ou culposo do contrato, trazendo que a parte lesada pelo descumprimento pode exigir o cumprimento forçado da avença ou a sua resolução por perdas e danos.

Como mencionado anteriormente, há a diferença do inadimplemento culposo e o fortuito. Ao contrário de quando culposo, em que pode exigir a resolução imediata do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo indenização por perdas e danos, o inadimplemento fortuito é no caso de descumprimento da obrigação por fato alheio a vontade do devedor.

Caberá a aplicação da teoria discutida no presente artigo quando for situação deste último caso, não havendo a intenção de não cumprir com a prestação, sendo o inadimplemento ocorrido por fato outro diverso da culpa do agente.

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Os polos de uma relação obrigacional possuem deveres de condutas recíprocos a serem seguidos, com o fim de alcançar o objetivo da obrigação pactuada. Entre estes deveres deve ser destacada a boa-fé objetiva, cujo a teoria do adimplemento substancial vem sendo aplicada amparada pelo grandioso princípio.

A respeito do princípio da boa-fé objetiva, ensina Clóvis do Couto e Silva:

O princípio da boa-fé atua defensivamente e ativamente; defensivamente, impedindo o exercício das pretensões, o que é a espécie mais antiga; ou ativamente, criando deveres, podendo inclusive restringir o princípio de o cumprimento ser completo ou integral, permitindo outra solução. É a doutrina do adimplemento substancial, estabelecida por Lord Mansfierld em 1779, no caso Boone v. Eyre, isto é, em certos casos, se o contrato já foi adimplido substancialmente, não se permite a resolução, com a perda do que foi realizado pelo devedor, mas atribui-se um direito de indenização ao credor.[2]

Em outras palavras, não se a prestação for irrelevante frente ao todo do contrato, se permite a resolução do contrato por adimplemento. Infelizmente, esta situação ainda é de difícil compreensão para os Tribunais, não sendo unificado o entendimento do que seja substancial.

Ademais, devemos observar a teoria do adimplemento substancial em face do princípio da função social, em que deve-se haver um equilíbrio entre os contratantes e que o contrato atinja aos interesses sociais, sem prejudicar excessivamente nenhuma das partes além de terceiros.

Ao cumprimento de deveres anexos pelas partes em um contrato devem ser observados preceitos constitucionais, especificamente a função social do contrato, disposto no art. 5º, XXII e XXIII.

Com isso, o princípio da função social deve ser analisada de acordo com sua aplicabilidade na esfera jurídica, em que o contrato passa a ter uma aplicação voltada ao social, visando a igualdade e o equilíbrio contratual das partes.

Então, haverá a quebra da função social contratual quando uma das partes for exagerada ou desproporcional, ou seja, quando houver vantagem discrepante para uma das partes ou, até mesmo, quando quebrar-se a base objetiva ou subjetiva do contrato.

Logo, aplica-se os princípios da boa-fé, da função social do contrato, além da vedação ao enriquecimento ilícito e a segurança jurídica para nortear as relações obrigacionais, onde os Tribunais vêm aplicando a teoria do adimplemento substancial sempre que há um adimplemento máximo de uma obrigação, e falta apenas o pagamento de uma ou duas das últimas parcelas, não podendo resolver o contrato, mas tão somente entrar com perdas e danos.

DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE: SUBMISSÃO À LEI 9.656/98 E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Uma das grandes polêmicas e controvérsias atualmente dizem respeito ao adimplemento substancial nos contratos de planos de saúde. Estes contratos estão submetidos à Lei n. º 9.656/98 (Lei de Planos de Saúde).

A Lei traz, em seu art. 1º, I, a conceituação deste contrato, na qual diz:

Art. 1º  Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:

I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;

Assim sendo, se trata de um contrato de adesão, com prazo indeterminado, para garantir o direito constitucional à saúde ao seu contratante, mediante pagamento mensal deste.

Antes da referida Lei ser promulgada, os usuários desses serviços se baseavam no Código de Defesa do Consumidor para regular seus direitos e deveres. Porém, mesmo após a Lei n. º 9.656/98, o CDC continua sendo um instrumento forte contra os abusos praticados pelas empresas de saúde.

Além de todo o regimento dentro destes textos, o controle e a fiscalização dos planos de saúde é realizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O plano, para ser regular, deve conter registro na ANS.

Segundo a Lei de Planos de Saúde, há três espécies de regime de contratação, quais sejam: a) individual ou familiar; b) coletivo empresarial; e c) coletivo por adesão.

Será individual ou familiar quando contratado o plano de saúde diretamente com a operadora que vende planos. Quanto aos coletivos, existem dois tipos: o empresarial e o por adesão. O empresarial são os que prestam assistência aos funcionários da empresa contratante devido ao vínculo empregatício, ao passo que os de adesão são os contratados por pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial, como os sindicatos e associações profissionais.

Como mencionado anteriormente, independente do regime de contratação empregado, o contrato de planos de saúde será um contrato de adesão (em sentido lato), na qual cabe ao contratante, se quiser realizar o vínculo, se submeter a todas as cláusulas; são elaboradas unilateralmente pelo fornecedor do serviço, sem que o consumidor possa discutir suas cláusulas.

Entretanto, muitas são consideradas cláusulas abusivas, e, mesmo sendo um contrato de adesão, aquelas se tornam nulas de pleno direito, quando o contrato se torna excessivamente desequilibrado, mostrando-se onerosas para o consumidor ou qualquer dos casos do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

(...)

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Com previsão do CDC, o contrato de adesão pode conter cláusulas que limitam os direitos do consumidor, porém estas cláusulas não podem ser abusivas, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito.

As cláusulas presentes nos contratos de planos de saúde, então, devem ser interpretadas de maneira mais favorável possível ao consumidor, a fim de reequilibrar a relação de consumo e obtenção final da concretização do direito constitucional à saúde.

INCIDÊNCIA DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL AOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE

A questão em foco aqui é dizer que, dentre outros tantos contratos, existem diversos casos, principalmente no que toca o plano de saúde, a incidência da teoria do adimplemento substancial.

Isso porque há diversos casos em que, desrespeitando o que a própria Lei n. º 9.656/98 diz, além de ferindo os princípios da boa-fé e da função social, a operadora rescinde unilateralmente o contrato por um mero atraso mínimo no pagamento.

A Lei n. º 9.656/98, em seu art. 13, parágrafo único, II, traz em seu bojo que:

Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas:

[...]

II – a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência;

Os produtos que tratam o caput são aqueles que vimos no início de que tratam o inciso I, além do §1° do art. 1º.

Não pode, por exemplo, por um atraso de uma semana de pagamento da mensalidade do plano se saúde, a operadora resolver o contrato por falta de pagamento.

Além desta regra, incide a teoria do adimplemento mínimo aqui também, com uma vertente análoga. Se o sujeito vem pagando seu plano de saúde a dez anos e, por uma dificuldade financeira, ele atrasa uma mensalidade, não é cabível a rescisão unilateral por parte da operadora.

Assim sendo, para a configuração da teoria do adimplemento substancial para os contratos de plano de saúde faz-se necessários presentes alguns requisitos, como o cumprimento de boa parte do contrato, a boa-fé objetiva do contratante e a ausência de enriquecimento ilícito e de abuso de direito pela parte.

É preciso que, para configuração do adimplemento substancial, o sujeito esteja de boa-fé, e não o “não pagamento culposo”.

Neste sentido, temos julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

STJ. Plano de saúde. Consumidor. Contrato de seguro-saúde. Atraso no pagamento de uma parcela do prêmio. Inadimplemento total não caracterizado. Conceito de adimplemento substancial.

O simples atraso no pagamento de uma das parcelas do prêmio não se equipara ao inadimplemento total da obrigação do .segurado, e, assim, não confere à .seguradora o direito de descumprir sua obrigação principal, que, no seguro-saúde, é indenizar pelos gastos despendidos com tratamento de saúde.[3]

Logo, vemos que o acolhimento da teoria do adimplemento substancial em nosso ordenamento é necessário para a concretude de princípios norteadores que temos que preservar no âmbito do Direito, princípios estes que asseguram até mesmo cláusulas pétreas trazidas pela nossa Constituição Federal de 1988.

Com a retirada da seguinte teoria e a contínua ilicitude que persistem quanto a esta espécie contratual, irá abalar todo o Direito, suprimindo garantias contratuais e constitucionais, ferindo completamente, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que é o cerne do Direito Contemporâneo.

Destroçando a dignidade da pessoa humana e, além do mais, o acesso à saúde que é um dever básico e um direito a todos, se torna um absurdo sobrepor uma inadimplência eventual e mínima, quando de boa-fé, a uma situação de ferimento de princípios pilares do Direito atual.

CONCLUSÃO

Como exposto ao longo desse trabalho, a teoria do adimplemento substancial é um dos pontos de partida para a celeridade processual e uma maior eficácia da Justiça, visando um olhar maior para o social.

Quando falamos na teoria em relação aos contratos de plano de saúde, a maioria da doutrina e jurisprudência, em peso, admite a aplicação da mesma em função da boa-fé objetiva e da coletividade, mesmo não estando o adimplemento substancial expressamente previsto no Código Civil.

Todavia, mesmo não previsto legalmente, há diversos princípios e valores que circundam nosso direito que dá efetividade e licitude a aplicação da teoria do adimplemento substancial, dando evolução ao sistema jurídico brasileiro.

Não é adequado se pensar que, estando o contratante lastreado pelo princípio da boa-fé objetiva, tenha seu contrato resolvido unilateralmente pelo outro polo por um inadimplemento que não condiz nem com 50% do contrato, sem prévia notificação, devendo ser defendido a razoabilidade e proporcionalidade.

Assim, a teoria do adimplemento substancial deve ser defendida quanto sua aplicabilidade não só no contrato de planos de saúde, mas em todas espécies contratuais, e isso vem tendo uma visão positiva e aplicável na atualidade.


[1] TJ-MG – Apelação Cível AC 10312150018983001 MG (TJ-MG).

[2] O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, p. 68.

[3] STJ – Recurso Especial 293.722 – São Paulo – Rel.: Minª. Nancy Andrighi – J. em 26/03/2001 – DJ 25/05/2001 – Jurisprudência Brasileira 193/000071

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