4. Entendimento do STF a respeito da temática e a sua Repercussão Geral
Essa negativa do Estado em conceder o benefício de amparo assistencial ao idoso e ao portador de deficiência estrangeiro fez com que este buscasse o Poder Judiciário a fim de ver o seu direito reconhecido. Diversas ações foram ajuizadas pelo país, e, dentre os fundamentos contrários alegados pela Autarquia Federal, permeiam principalmente as questões orçamentárias, bem como a ausência de regulamentação infraconstitucional sobre a matéria.
Toda essa controvérsia temática foi leva à análise da Suprema Corte pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), através do Recurso Extraordinário de nº. 587970, o qual se tratava de um case do ano de 2005 de uma Autora, imigrante italiana, que solicitou ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a concessão do benefício. Apesar da idade avançada (65 anos) e de não ter condições ou familiares para prover seu sustento, o INSS negou seu pedido, alegando que o benefício se restringe a brasileiros. A autora teve seu pleito deferido na primeira instância.
Ao tomar conhecimento do referido recurso, o Plenário Virtual do STF reconheceu repercussão geral do assunto, em que se discute o direito de estrangeiro residente no país, que não tenha meios para prover sua existência ou de tê-la provida pela família, receber benefício assistencial de um salário mínimo, conforme previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, cuja emenda segue transcrita:
ASSISTÊNCIA SOCIAL - GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO A MENOS AFORTUNADO - ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS - DIREITO RECONHECIDO NA ORIGEM - Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de conceder a estrangeiros residentes no país o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta da República.” (RE 587970 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 25/06/2009, DJe-186 DIVULG 01-10-2009 PUBLIC 02-10-2009 EMENT VOL-02376-04 PP-00742 ).
Esse recurso teve como relator o ministro Marco Aurélio Mello. Para fundamentar o seu voto no que se refere à possibilidade de concessão do BPC aos estrangeiros, o ministro defendeu que o benefício em questão visa concretizar a assistência aos desamparados, tendo como plano de fundo os princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, bem como a erradicação da pobreza, um dos objetivos da República. Segundo o relator, o artigo 203, inciso V, da Constituição, deve ser interpretado de forma a conferir proteção a quem for incapaz de garantir sua subsistência, independendo, portanto, de ser o indivíduo estrangeiro ou brasileiro.
Essa linha de entendimento foi seguida pelos demais membros da Corte Constitucional. Os ministros entenderam que a Constituição, ao estabelecer o benefício, não fez distinção entre brasileiros e estrangeiros, garantindo uma espécie de direito universal na assistência social e que o auxílio respeita outro preceito constitucional o da dignidade humana. Concluindo-se então pela seguinte tese: “Os estrangeiros residentes no país são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V da Constituição Federal (CF) uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais”.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal sedimenta entendimento sobre a tão controvertida temática, demonstrando que uma norma infraconstitucional deve ser interpretada conforme os ditames constitucionais. Se a própria lei fundamental não restringiu direitos em relação ao amparo assistencial aos estrangeiros, não caberá a uma norma hierarquicamente inferior suprimir tais direitos.
Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, decidiu que a condição de estrangeiro residente no Brasil não impede o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às pessoas com deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou ter o sustento provido por sua família, desde que atendidos os requisitos necessários para a concessão.
Essa decisão do Supremo reafirma o compromisso do Brasil no quese refere ao respeito aos direitos humanos e ao Princípio da Isonomia que permeia as relações sociais. A própria Constituição Federal de 1988, ao garantir a assistência social não fez distinção entre brasileiros e estrangeiros e ressaltou o caráter universal do auxílio, sendo obrigação do Estado prestar assistência aos desamparados.
Os efeitos dessa decisão repercutirão em todas as ações que tramitam no judiciário envolvendo essa matéria, vinculando as demais instâncias do Poder Judiciário a processos semelhantes.
Entretanto, é uma decisão que, apesar de não vincular diretamente a Administração Pública, inibe a sua atuação no sentido de denegar administrativamente o benefício de prestação continuada aos estrangeiros, já que pela via judicial o entendimento já está consolidado quanto a esse direito, devendo este ser igualmente estendido aos não brasileiros que atendam aos requisitos constitucionais e legais referentes ao benefício.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de uma análise sistemática pôde-se perceber que não há razão para discriminação do estrangeiro quanto à concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), uma vez que a própria Assistência Social deverá ser dada a quem dela necessitar, principalmente àqueles que estão em uma condição de vulnerabilidade, como os idosos e os deficientes sem meios socioeconômicos de sobrevivência.
O Estado não poderá ser omisso a ponto de dar proteção a apenas alguns, ignorando outros que estão em uma mesma situação, pois isso violaria tanto o Princípio da Isonomia, quanto da Dignidade da Pessoa Humana.
Os estrangeiros que possuem os requisitos necessários para ter direito ao amparo assistencial não poderão ser excluídos da Assistência Social simplesmente por questões de nacionalidade, ainda mais, quando nem mesmo a Lei Fundamental prevê essa restrição.
Foi com vista nesses fundamentos que a Suprema Corte, na qualidade de Guardiã da Constituição, firmou entendimento no sentido de que o direito dos estrangeiros legalmente residentes no Brasil de receber o Benefício de Prestação Continuada, instituída pela Lei nº. 8.742/93, não encontra óbices na Constituição Federal de 1988 ou nas normas infraconstitucionais, bastando, para tanto, apenas a comprovação, por parte do estrangeiro, da condição de necessitado exigido pela Lei.
REFERÊNCIAS
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