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Direito penal: finalidades e sanções

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18/08/2017 às 10:40
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5. CRÍTICAS AO MODELO DA JUSTIÇA RETRIBUTIVA

 Existe um sem-número de críticas ao atual sistema de justiça penal, feitas dentro e fora do ambiente acadêmico. Este é, em verdade, um dos temas que mais interessa atualmente a sociedade brasileira, que procura alguma solução rápida para tanta violência e descrença na legislação penal vigente. Não é raro, ao se ler um jornal, que a maioria das notícias trate de crimes recentes, praticados, muitas vezes, por delinquentes em liberdade provisória, recém-saídos da penitenciária ou até mesmo ainda reclusos, o que fortalece a conclusão de que nosso sistema jurídico-penal não recupera os malfeitores.

Alvo de grande parte das censuras, a ressocialização não é presenciada no plano concreto. Com a clara intenção de recuperar o apenado, fazendo com que este indivíduo possa ser reinserido de forma satisfatória no convívio social e que não venha a delinquir novamente, a pena vem descumprindo sistematicamente seus misteres, e sua ineficácia acarreta prejuízos irreparáveis, como vidas inocentes ceifadas todos os dias.

 Entretanto, não se trata de uma chaga social a ser resolvida apenas pelo Direito Penal, vez que “a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel.” (GRECO, 2010, v. 1, p. 469). A corroborar tal entendimento, Paulo Queiroz (2008, p. 317) aduz que:

Castigar criminosos é necessário, mas não é o mais importante, porque problemas estruturais demandam soluções também estruturais. É preciso enfim ver o crime para além dos criminosos, pois a criminalidade é um problema sério demais para ser enfrentado apenas com direito penal. Além disso, o crime não é uma praga ou uma maldição, mas um problema humano e social, muito próximo e cuja existência inevitável devemos assumir com sensibilidade e solidariedade, em vez de ignorá-lo ou de afastá-lo de nossas reflexões com solenes declarações de guerra.

Muito do fracasso atribuído ao sistema penal se deve à preferência pelas penas de aprisionamento. Como visto, uma das espécies de pena é a privativa de liberdade, que poderá ser cumprida em regime fechado, devendo o preso ser recolhido a estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, caput e §1º, alínea “a”, do Código Penal brasileiro). Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça, o Brasil encerrou o ano de 2013 com um total de 548 mil presos, o que representa um aumento de 29% em comparação ao número de presos em 2008 (451 mil presos).[5]

Isso demonstra uma inclinação político-criminal pela pena de prisão, ambiente que não corresponde às expectativas legais de ressocialização. Em verdade:

A prisão, como sanção penal de imposição generalizada não é uma instituição antiga e que as razões históricas para manter uma pessoa reclusa foram, a princípio, o desejo de que mediante a privação da liberdade retribuísse à sociedade o mal causado por sua conduta inadequada; mais tarde, obrigá-la a frear seus impulsos antissociais e mais recentemente o propósito teórico de reabilitá-la. Atualmente, nenhum especialista entende que as instituições de custódia estejam desenvolvendo as atividades de reabilitação e correção que a sociedade lhes atribui. O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno de contágio), os efeitos da estigmatização, a transferência da pena e outras características próprias de toda instituição total inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as próprias cifras de reincidência são por si só eloquentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama. (CERVINI, 1995, p. 46 apud GRECO, 2010, v. 1, p. 468).

Em razão dos efeitos deletérios da prisão, já bastante disseminados no cenário jurídico internacional, muitos doutrinadores pugnam por novas soluções para os conflitos sociais. Para Cezar Roberto Bitencourt, o Brasil possui um dos melhores elencos de penas alternativas ao encarceramento, se comparados com os europeus. O que torna inviável sua aplicação é a falta de vontade política dos governantes, que não fornecem a infraestrutura para seu cumprimento, acarretando um empobrecimento da “criatividade dos Judiciários” para a fixação de tais medidas. “Criar alternativas à prisão, sem oferecer as correspondentes condições de infraestrutura para o seu cumprimento, é uma irresponsabilidade governamental que não se pode mais tolerar.” (BITENCOURT, 2012, v. 1, p. 106).

Pedro Scuro Neto sintetiza as críticas ao modelo retributivo da seguinte forma:

Depois de um processo em que não pode participar ativamente, a vítima tende a sentir que foi agredida novamente. Os infratores, por seu turno, “pagam” pelo que fizeram sem se importar com reabilitação. Os juízes cada vez pressentem que estão sendo pressionados a “inventar condenações” na hora de prolatar sentenças. Os custos judiciais crescem à medida que os processos tornam-se mais longos e complicados. O processo retributivo de justiça [receber da sociedade tratamento equivalente ao que foi tirado ou feito], tradicionalmente centrado no infrator e no Estado, tornou-se um anacronismo, não admitindo sanções que não sejam de caráter tutelar. (ISPAC, 2004 apud SCURO NETO, online, 2004, p. 4).

Quanto ao processo penal retributivo, o rito público e solene, com diversos procedimentos formais e complexos, enrijece a participação dos envolvidos; além do que a decisão do conflito fica a cargo de um terceiro, o juiz, que deve reconstruir os fatos, reavivando o sofrimento da vítima, e aplicar, segundo suas idiossincrasias, a punição que acha adequada. A definição de justiça é, pois, estabelecida verticalmente.

Ademais, o sistema tradicional enfatiza o passado, fundando-se apenas na “sucessão de imposições de sofrimento, mantendo o homem, com isso, sempre preso a uma situação passada, insuscetível de reversão para dar margem ao novo, o que se justifica por ter esse olhar centrado marcadamente no passado, não no presente, muito menos no porvir.” (MELO, online, 2005, p. 6).

Diante da falência do sistema penal tradicional, com prisões consideradas antros criminógenos e com índices de criminalidade galopantes, destaca Ferreira (2006, pp. 11 e 12):

Enfim, trata-se de um conjunto de factores – entre muitos outros a referir – que vêm motivando o renascer de respostas não punitivas e divertidas ao sistema de regulação judiciária. Assentam estas num novo paradigma recriativo e conciliatório de justiça, onde se percepciona a relação da vítima com o agressor já não como um <<pretérito de culpabilidade>> deste, mas numa visão reconstrutiva dos laços humanos e sociais estilhaçados.

Assim, ante a premente necessidade de mudanças, na busca de um ideário de justiça mais humana, que se contraponha ao arruinado sistema penal tradicional e que possua métodos e princípios em consonância com as exigências atuais, eis que surgem formas alternativas de resolução de conflitos sociais, entre elas a Justiça Restaurativa.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Após feita análise acerca das teorias que tratam das finalidades do Direito Penal e da evolução histórica das sanções penais, desde o período iluminista ao ordenamento constitucional atual, percebe-se que, no Brasil, o sistema penal tradicional é falho, com mazelas dogmáticas e estruturais que impossibilitam a finalidade precípua da pena: a ressocialização.

 Diante de tal contexto, numa tentativa de solucionar a crise de legitimidade por que passa a Justiça Retributiva tradicional, foram abordadas formas alternativas de solução de conflitos, tais como a Justiça Restaurativa.


7. REFERÊNCIAS

 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 6. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal - Parte geral. 17. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, 1 v.

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FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal – Parte geral. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, 1 v.

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

QUEIROZ, Paulo. Direito penal – parte geral. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

SCURO NETO, Pedro. Por uma justiça restaurativa real e possível, 2004. Disponível em:< http://www.nest.org.br/colab.pedro.scuro.neto/por.uma.justica.restaurativa.real.e.possivel.pdf> Acesso em: 05 de maio de 2014.

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 02 de maio de 2014.


Notas

[1] BITENCOURT, 2012, v. 1, p. 145.

[2] Nesse sentido, assevera Bitencourt (2012, v. 1, p. 157, grifo do autor) que: “Assim como evolui a forma de Estado, o Direito Penal também evolui, não só no plano geral, como também em cada um dos seus conceitos fundamentais. E como vimos nos capítulos anteriores, esta evolução esteve sempre marcada pelo contexto social, cultural e político de um determinado momento da história, de modo que as modificações na concepção do Estado e do Direito Penal podem ser vistas como a expressão do espírito do seu tempo. Da mesma forma, as teorias da pena sofreram, ao longo da história, uma forte influência do contexto político, ideológico e sociocultural nos quais se desenvolveram.”.

[3] Não obstante as censuras sofridas, o marquês de Beccaria deixou bem claro seu verdadeiro e estimável intuito: “Mas, se, ao sustentar os direitos do gênero humano e da verdade invencível, contribuí para salvar da morte atroz algumas das trêmulas vítimas da tirania ou da ignorância igualmente funesta, as bênçãos e as lágrimas de um único inocente reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens.” (BECCARIA, 2011, p. 13)

[4] Pedro Scuro Neto identifica três modelos convencionais de justiça: a justiça retributiva, a justiça distributiva e a justiça restaurativa. “O primeiro modelo é o da justiça retributiva (ou comutativa), que atua através da punição proporcional ao mal praticado e segue a lógica do mercado (própria do capitalismo). O segundo modelo é o da justiça distributiva (ou meritocrática), no qual a justiça não é atribuída de forma igual a todos, mas depende da situação jurídica e social da conduta perpetuada pelo infrator, que receberá serviços e benefícios que irão recuperá-lo e reintegrá-lo à sociedade. O terceiro e último é o modelo de justiça restaurativa (ou do reconhecimento), que pretende estabelecer uma correspondência entre sentença judicial e o sentimento de justiça dos implicados no delito (vítima e infrator).” (SCURO, 2004, p. 36 apud PALLAMOLLA, 2009, p. 72). Para aprofundamento, cf. “Por uma Justiça Restaurativa real e possível”, disponível em: <http://www.nest.org.br/colab.pedro.scuro.neto/por.uma.justica.restaurativa.real.e.possivel.pdf.> Acesso em: 03 de maio de 2014.

[5] Dados colhidos a partir de artigo “Número de presos aumentou 29% nos últimos 5 anos”. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jan-14/numero-presos-brasil-aumentou-29-ultimos-cinco-anos.> Acesso em: 29 de abril de 2014.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Rayan. Direito penal: finalidades e sanções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5161, 18 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59793. Acesso em: 4 nov. 2024.

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