Loteamentos fechados: da associação compulsória e imposição de pagamento de taxas

15/08/2017 às 10:22
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Tendo em vista que os Loteamentos Fechados não se confundem com Condomínios, estes disciplinados pela Lei n° 4.591/64, não é cabível a imposição ao pagamento de taxas a morador ou proprietário de imóvel que a elas não tenham aderido.

Loteamento fechado é a subdivisão de uma gleba original em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, a qual tem seu perímetro murado, para a realização de controle de acesso a área.

Por sua natureza, os Loteamentos Fechados são dotados de personalidade jurídica própria, estabelecidos sob a forma de associações civis sem fins lucrativos, sendo que cada um dos proprietários dos lotes exerce privativamente as prerrogativas de domínio sobre o seu imóvel.

Pois bem, numa associação civil cada interessado se associa por sua própria vontade, por meio de declaração expressa, ou seja, cada proprietário possui o direito e não a obrigação de participar do quadro social da entidade criada.

Ocorre que muitos destes Loteamentos incluem em seus Estatutos a cobrança de contribuição mensal para o custeio de despesas com segurança, manutenção das vias públicas, lazer etc., impondo aos proprietários dos lotes o pagamento de taxas, sem, contudo, formalizarem a associação destes ao Loteamento ou mesmo dar a oportunidade para que os mesmos se manifestem no sentido de aderir formalmente ao ato que instituiu os encargos, de modo que a cobrança acaba ocorrendo de forma automática àqueles que vierem a adquirir os lotes oferecidos.

Na maioria dos casos, os proprietários dos lotes acabam por pagar as referidas contribuições sem saberem, de fato, qual a destinação de tais valores ou se os mesmos estão sendo empregados na manutenção do Loteamento, abrindo margem à recorrente má utilização e, até mesmo, ao desvio dos valores arrecadados.

Porém, por motivos diversos, alguns dos proprietários de lotes nos loteamentos fechados acabam se tornando inadimplentes, levando à interposição de Ação de Cobrança pela administração do Loteamento em face daqueles, situação esta que, de tão recorrente, motivou a elaboração do presente artigo.

Como se sabe, a liberdade de associação é garantia fundamental prevista na lista do artigo 5º, incisos II e XX da Constituição Federal. Vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

(…)

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; (g.n.)

Deste modo, a adesão não pode ser compulsória, muito menos automática, como normalmente inserido nos estatutos dos Loteamentos Fechados. Pelo contrário, deve ser expressamente formalizada pelo titular do lote, ressalvada apenas a eventual existência de cláusula contratual expressa no sentido de obrigar os promitentes compradores a participarem da divisão de despesas de manutenção do empreendimento.

Nesse sentido, cumpre ressaltar que o entendimento jurisprudencial atual é no sentido de que as despesas comuns de associações somente obrigam àqueles que estiverem a ela associados ou àqueles que a ela anuírem, sendo irrelevante o debate acerca da existência ou não da associação quando da aquisição do imóvel.

“ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – “LOTEAMENTO FECHADO” -RECURSO REPETITIVO – ARTIGO 543-C – REEXAME – COBRANÇA DE TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA INCONFORMISMO – SENTENÇA CONFIRMADA POR VENERANDO ACÓRDÃO DESTA COLENDA 8ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO – INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE CONTRIBUIR COM DESPESAS COBRADAS POR ASSOCIAÇÃO DE MORADORES SEM PRÉVIA FORMAÇÃO DO VÍNCULO ASSOCIATIVO OU SEM ANUÊNCIA A TAIS DESPESAS – PREVALENCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIVRE ASSOCIAÇÃO, CONFORME TESE UNIFORMIZADA PELO COLENDO STJ, SOB O RITO DO ARTIGO 543-C, DO CPC, INDEPENDENTEMENTE DO FATO DE O MORADOR TER ADQUIRIDO O LOTE DEPOIS DA CRIAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO – MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO, PARA SE DAR PROVIMENTO Á APELAÇÃO. Entendimento firmado pelo STJ em sede de recurso repetitivo (Art. 543-C, CPC) no sentido de que: “as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram”. Ressalva feita, contudo, em relação aos casos em que a fonte criadora da obrigação é a própria lei ou o compromisso de compra e venda, que contém cláusula expressa na qual o adquirente se compromete a participar do rateio das despesas do empreendimento, o que não é o caso dos autos. Recurso provido para julgar improcedente a ação, conforme precedentes recentes deste Egrégio Tribunal de Justiça. RESULTADO: apelação provida.”

(Apelação nº0015032-10.2008.8.26.0020 8ª Câmara de Direito Privado – Relator(a): ALEXANDRE COELHO – data do julgamento: 13/04/2016). 

Além disso, convém destacar que a conservação e reparação das áreas públicas, por serem de uso comum, é dever do Poder Público e não dos residentes da localidade.

Assim sendo, se os proprietários de lotes não associados se beneficiam dos serviços prestados pelo Loteamento Fechado, tal fato não tem o condão de criar obrigação jurídica a ser exigível através de Ação Judicial, não havendo que se falar em enriquecimento sem causa, ante o risco de violação aos princípios constitucionais da legalidade e da livre associação.

Portanto, se o imóvel integra Loteamento Fechado, se o proprietário não está associado a este e se não fora estipulado em contrato a sua obrigação quanto ao rateio das despesas da associação, indevida a cobrança de taxas, ante a ausência de obrigação legal.

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Sobre a autora
Susen Kelly Bezerra Souza

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (2013). Pós Graduada em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes (2018). Advogada inscrita na OAB/SP sob o nº 347.605 desde 2014, com atuação nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Civil.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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