INTRODUÇÃO
O homem é um ser gregário por natureza, e das suas relações sociais ocorrem conflitos, desta forma, para que o convívio em sociedade seja harmonioso e pacífico, portanto possível, é necessário que a elaboração de regras que, de um lado garantam direitos, e por outro limitem as ações do indivíduo.
O ser humano é um animal social, como concluiu o filósofo Aristóteles, no século IV a.c, “o homem é naturalmente um animal político”. Para tal filósofo somente um ser inferior, um ogro, ou ser superior, um deus, procuraria viver fora da sociedade.
Há várias doutrinas sobre o momento em que o homem passou a viver em sociedade, a corrente defendida por Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã de 1651, o homem celebrou um contrato, dispondo de sua liberdade para que o Estado lhe garanta direitos. Os motivos que levam o homem a se unir em sociedade, é que anteriormente a esta existia o chamado “Estado de Natureza”, um período anterior ao Direito e ao Estado, onde na ausência da lei beirava o caos e a predominância da vontade do mais forte sobre os demais.
Jean Jacques Rousseau, em sua obra intitulada o Discurso sobre as causas da desigualdade entre os homens, o Estado existe como uma entidade forte capaz de proteger os interesses de seus cidadãos, este nasce, portanto da necessidade de salvaguardar a liberdade do indivíduo.
Em resumo, o Estado é uma organização do poder da sociedade, um conjunto complexo, que através de suas atividades, cargos e autoridades e governo, utilizando-se da coação para controlar a sociedade, tem como finalidade defender os indivíduos de ameaças externas e internas.
O Estado tem como objetivo proteger o bem comum, em outras palavras, a vontade geral da população, pois uma vez originado no contrato social, a soberania pertence ao povo. Logo, para que este não aja de forma arbitrária lhe é imposto limitações através do ordenamento jurídico, em especial os direitos fundamentais e princípios constitucionais previstos na Carta Magna.
Para que a sociedade viva em harmonia, é fundamental que exista leis, o Direito age como controle social, dispondo regras e garantindo direitos. Entretanto, é natural que ocorram conflitos mesmo com a existência de leis que regulem a vida em sociedade pela natureza conflituosa e complexa das relações humanas. Deste modo, o Estado utilizando-se de seu poder jurisdicional deve disponibilizar um instrumento para a solução de conflitos.
Desta forma, o Estado age como arbitro na solução de conflitos, através da pessoa do magistrado, sua longa manus, um agente imparcial que por meio do processo, consagrado pelo princípio do devido processo legal, utiliza o poder jurisdicional para dizer o direito, aplicar o ordenamento jurídico, dirimindo dúvidas interpretativas em sua decisão.
Entretanto, a pacificação dos conflitos de forma eficiente continua sendo um desafio para os juristas brasileiros, diante da demanda de grande volume processual e a falta de infraestrutura do poder judiciário. O processo, em sua forma clássica onde a solução do conflito é tarefa exclusiva do magistrado, cada vez mostra insuficiente de representar justiça.
Uma sentença que apesar de definir um direito em um caso concreto e objetivo não é sinônimo de justiça se o processo foi alongado mais do que o razoável, pois quem ingressa com uma peça inicial deseja ter sua demanda solucionada o mais breve possível, se a decisão final é concedida toma um prazo longo, a satisfação com o resultado é consideravelmente inferior.
Nesse sentido surgem os métodos alternativos de solução de conflitos como uma opção para a concretização de justiça, agindo com o objetivo de diminuir a carga de demanda processual e garantir direitos de forma mais rápida e eficiente.
Desfazendo o paradigma do monismo jurídico, no qual a tarefa de resolver conflitos pertence apenas o magistrado, sendo substituído pelo pluralismo, onde abre-se possibilidades.
1. PRINCIPAIS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO
Os Métodos Alternativos de Solução de Conflito são técnicas jurídicas que renovam o poder judiciário, ampliando o acesso a justiça, tornando-se cada vez mais presente na atualidade, estando a disposição das partes em sua variadas espécies, as mais conhecidas são: conciliação, mediação e arbitragem, não se limitando a estas.
Desta forma nota-se que as mudanças enfrentadas pela sociedade mostram que é necessário realizar uma reforma no poder judiciário, para conceder o acesso a justiça de forma satisfatória é vital que se mude o padrão clássico de tutela judicial, conforme aduz Angela Hara Buonomo Mendonça (2014, p. 31):
“Especialmente nas grandes metrópoles, a difícil crise vivenciada pelos poderes judiciais locais, a crescente heterogeneidade sócio-cultural, a especialização da divisão do trabalho, a diversificação e fragmentação de papéis sociais, e os problemas e dificuldades de acesso das camadas populares a bens materiais e imateriais valorizados no âmbito da sociedade abrangente, são fatos que favorecem a noção de complexidade do mundo contemporâneo. Constata-se uma significativa mudança nos padrões “tradicionais” relativos aos valores e crenças, que se deslocam em busca de adequação a um novo establishment. A valorização do indivíduo encontra um papel determinante não só na dimensão econômica, como também na dimensão interna da subjetividade. O trânsito entre mundos sócio-culturais distintos favorece os inúmeros choques de valores e interesses, demandando a utilização de novos padrões de comportamento e comunicação, em cujo cenário a “negociação” é a fonte primária dos interrelacionamentos (entre partes e organizações)”.1
Neste espírito de evolução processual, de superação da exclusividade do juiz na solução de conflitos, o código de Processo Civil de 2015 recepciona, inclusive incentivando, o uso de novos métodos de solução de conflito.
O novo Código de Processo Civil foi elaborado tendo em conta a falência do sistema judiciário, concedendo espaço aos Métodos Adequados de Solução de Conflitos, tanto é, que logo em seus primeiros artigos a conciliação, mediação e arbitragem ganham destaque. É importante frisar que o § 3º do art. 3º do CPC é meramente exemplificativo, existindo outras técnicas que não são contempladas no código.
Conforme o enunciado 81 da primeira Jornada de Prevenção e Solução de Conflito: “A conciliação, a arbitragem e a mediação, previstas em lei, não excluem outras formas de resolução de conflitos que decorram da autonomia privada, desde que o objeto seja lícito e as partes sejam capazes”.
O art. 3º do CPC, através de seus parágrafos, introduz uma série de novos princípios processuais, entre eles, no § 2º, a primazia da solução consensual de conflitos, tal parágrafo expõe que o Estado promoverá, sempre que possível a solução através de um método amistoso, a sentença arbitrária por parte do juiz deixa de ser o foco no sistema judiciário, sendo necessária somente quando os métodos consensuais não solucionarem a lide.
Já no § 3° do mesmo artigo, o CPC impõe a cooperação entre todos os envolvidos no processo como um dever, não somente as partes e seus procuradores, mas bem como também o juiz e membros do Ministério Público. No mais segue texto do art. 6º, do CPC: “Art. 6oTodos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Nessa guisa, segue conteúdo do enunciado 16 da primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos: “O magistrado pode, a qualquer momento do processo judicial, convidar as partes para tentativa de composição da lide pela mediação extrajudicial, quando entender que o conflito será adequadamente solucionado por essa forma”.
No enunciado 17 da mesma Jornada fica claro o dever de todos os operadores do Direito de utilizar os métodos adequados de solução de conflito para trazer pacificação à lide de forma eficiente: “Nos processos administrativo e judicial, é dever do Estado e dos operadores do Direito propagar e estimular a mediação como solução pacífica dos conflitos”.
Assim, supera-se a mentalidade que o processo é uma competição, destacando-se o princípio da boa-fé.
Nesta linha a conciliação age como opção de solução mais eficaz, atualmente a conciliação é definida como “processo pelo qual o conciliador tenta fazer que as partes evitem ou desistam da juridição.”2
Percebe-se que o acordo firmado entre as partes através da conciliação, a homologação da transação é considerada como espécie de resolução de mérito, caso seja proferida sentença posterior à homologação esta é nula. Conforme se observa na jurisprudência:
“APELAÇÃO. ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. HOMOLOGAÇÃO. SENTENÇA PROFERIDA POSTERIORMENTE. NULIDADE. RECURSO PROVIDO.I. No presente caso, verifica-se que as partes compareceram à audiência de conciliação, realizada em 10 de janeiro de 2006, e firmaram acordo, cujo teor restou homologado pelo MD. Juiz a quo, conforme se observa nas fls. 176/178.II. Assim sendo, a sentença proferida posteriormente, em 21 de agosto de 2007, reanalisando o mérito, deve ser anulada, em razão da homologação da transação efetuada pelas partes.III. Apelação a que se dá provimento
(TRF3, Apelação Cível n. 0007870-13.2005.4.03.6108 , de Bauru, rel. Des. Valdeci dos Santosi, j. 30-08-2016).”
Tal decisão é importante pra solidificar os métodos alternativos de solução de conflitos, pois estes necessitam de força decisória, caso contrário, se ficassem fragilizados perante uma eventual sentença teriam efeito diverso da eficácia e celeridade processual, seriam como mais um entrave burocrático ao resultado útil do processo.3
A arbitragem segue o mesmo rumo, sendo que o Enunciado 1 da primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos prevê que não cabe ação revisional para a sentença arbitral.
A conciliação consiste na intervenção de um terceiro imparcial que conduz e estimula a negociação de acordos, podendo este propor opções que solucionem o conflito. Apresenta-se o conceito deste método elaborado por Luiz Antunes Caetano4:
“[...] meio ou modo de acordo do conflito entre partes adversas, desavindas em seus interesses ou direitos, pela atuação de um terceiro. A conciliação também é um dos modos alternativos de solução extrajudicial de conflitos. Em casas específicas, por força de Lei, está sendo aplicada pelos órgãos do Poder Judiciário”.
Além da do princípio da cooperação, destaca-se que o princípio do empoderamento, no qual a vontade de conciliar deve partir das próprias partes, e não por imposição do Estado. Assim, tem-se que “a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes e o desenrolar do mesmo é feito com base na consensualidade, pois só assim se alcançam soluções que servem os interesses de ambas as partes”5.
Desta forma, tenta-se substituir a cultura do conflito por uma mentalidade no qual a solução amistosa do conflito, entende-se que o Estado possui não somente o dever de aplicar os métodos adequados de solução de conflito no sistema judiciário, mas como também incentivar a sua ampla discussão na comunidade, principalmente nas escolas e universidades, conforme os enunciados 14, 15, 23 e 24.
O princípio pode ser amplamente visto na primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos. O enunciado 75 incentiva a conciliação e mediação no âmbito empresarial:
“As empresas e organizações devem ser incentivadas a implementar, em suas estruturas organizacionais, um plano estratégico consolidado para prevenção, gerenciamento e resolução de disputas, com o uso de métodos adequados de solução de controvérsias. Tal plano deverá prever métricas de sucesso e diagnóstico periódico, com vistas ao constante aprimoramento. O Poder Judiciário, as faculdades de direito e as instituições observadoras ou reguladoras das atividades empresariais devem promover, medir e premiar anualmente tais iniciativas”.
Destaca-se que a primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos indica inclusive a promoção da cultura da conciliação no sistema prisional, conforme se extrai do enunciado 38: “O Estado promoverá a cultura da mediação no sistema prisional, entre internos, como forma de possibilitar a ressocialização, a paz social e a dignidade da pessoa humana”.
2. NOVOS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
2.1. SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (SNDC)
A Constituição Federal, em seu inciso XXXII do art. 5º, estabelece a defesa do consumidor como garantia e direito fundamental. Por se tratar de uma questão de vulnerabilidade o constituinte impõe a proteção à classe consumerista como dever do Estado. A lei infraconstitucional n. 8.078/90 (Código de Defesa e Proteção do Consumidor), em seu art. 105 institui o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, estando o Procon entre os órgãos de Defesa do Consumidor.
Objetivando efetivar a tutela dos consumidores o Estado delega poderes aos Procons , órgãos da administração direta dos Poderes Executivos Estaduais e Municipais, dedicados ao desenvolvimento de atividades de fiscalização e proteção dos interesses individuais e coletivos dos consumidores.
Desta forma, o consumidor, através dos Procons, dispõe de diversas ferramentas para que seu conflito seja solucionado sem a necessidade de ingresso ao poder judiciário. Tais órgãos trazem inúmeras vantagens ao consumidor, garantindo celeridade na solução do conflito.
Além dos processos administrativos típicos, tal como a Carta de Informações Preliminares (CIP), a atuação do Procon dá-se inclusive pelo instrumento da audiência de conciliação, onde o representante do órgão auxilia na solução de conflito.
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor foi fortalecido com a criação do sítio eletrônico Consumidor.gov.br, formulado pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e pelos Procons, consiste em um serviço público para solução alternativa de conflitos por meio da internet, que permite a interlocução direta com a empresa reclamada, incentivando o progresso da qualidade do mercado.
Esta ferramenta inclusive foi tema do enunciado 50 da primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos:
“O Poder Público, os fornecedores e a sociedade deverão estimular a utilização de mecanismos como a plataforma CONSUMIDOR.GOV.BR, política pública criada pela Secretaria Nacional do Consumidor - Senacon e pelos Procons, com vistas a possibilitar o acesso, bem como a solução dos conflitos de consumo de forma extrajudicial, de maneira rápida e eficiente.”
Desta forma, com o auxílio da tecnologia e do uso dos métodos alternativos de solução de conflito tem-se dois efeitos: fortalecimento da proteção ao consumidor e mesmo que de forma indireta influência positivamente para com a celeridade processual do Sistema Judiciário.
2.2. COMITÊS DE RESOLUÇÃO DE DISPUTAS (DISPUTE BOARDS)
Há um grande número de ações judiciais, que pela sua matéria complexa, encontra-se o juízo ignorante quanto as demanda ajuizada, principalmente quanto à resolução de conflito referente a obrigações contratuais. Tal fenômeno ocorre pois apesar de ser conhecedor do ordenamento jurídico que regula os contratos particulares, não é especialista técnico das variadas searas do âmbito cível. Em outras palavras, certas áreas, tal como a construção civil e engenharia, necessitam de um especialista, capaz de auferir quanto ao conteúdo e procedimentos próprios do setor, tal como análise de materiais, tecnologia, mecânica de sólidos, cálculos e técnicas em geral.
Desta forma, diante de um descumprimento de contrato ou controvérsias entre as partes envolvidas em um projeto de construção civil ou engenharia a resolução judicial torna-se, de certa forma, imprópria para a pacificação social. Visando uma melhor eficácia para os projetos de construção, surge os Comitês de Resolução de Disputas, ou em inglês Dispute Boards, no qual a controvérsia é solucionada através de um comitê formado por profissionais experientes e imparciais, contratos anteriormente ao conflito, com o objetivo de acompanhar a obra, dando celeridade à execução desta.
Prática comum no EUA e Europa, o método começa a sere aplicado no Brasil, trazendo mais uma alternativa ao Poder Judiciário, normalmente formados por dois engenheiros e um advogado, geralmente é utilizado na área de engenharia.6
Os comitês atuam, através de procedimento próprio, no sentido de prestar gerenciamento na execução de contratos, para prevenir divergências oriundas destes serviços e diminuir riscos. Deste modo, o Dispute Board age como método de prevenção de disputas no setor de engenharia, agindo inclusive no próprio canteiro de obras, intermediando conflitos sem ter que recorrer à administração superior. Entretanto, em casos mais complexos poderá ser agendada audiências.7
A primeira Jornada de Prevenção e Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos reconhece o Comitê de Resolução de Disputas como método de solução de conflito:
“49. Os Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) são método de solução consensual de conflito, na forma prevista no § 3° do art. 3º do Código de Processo Civil Brasileiro.
[…]
“76. As decisões proferidas por um Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoção obrigatória, vinculam as partes ao seu cumprimento até que o Poder Judiciário ou o juízo arbitral competente emitam nova decisão ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada.
[…]
80. A utilização dos Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards), com a inserção da respectiva cláusula contratual, é recomendável para os contratos de construção ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenção de litígios e redução dos custos correlatos, permitindo a imediata resolução de conflitos surgidos no curso da execução dos contratos.”
Percebe-se a importância dos Disputes Boards, pois garantem a viabilidade do contrato de serviço de engenharia, auxiliando as partes para que estas possam cumprir a execução da obra de forma contínua e sem disputas, o que além de evitar uma ação judicial, fomenta a economia do setor, bem como importando na diminuição do número de processos judiciais, auxiliando no combate à lentidão judicial.
2.3. ADVOCACIA COLABORATIVA
Tradicionalmente, a Advocacia é uma profissão relacionada com o conflito, o advogado é um profissional acostumado a travar verdadeiras batalhas judiciais com o fim de fazer valer o direito de seu cliente. Entretanto, a advocacia Colaborativa existe como alternativa à defesa do interesse do cliente, com este método de solução de conflito, o advogado colaborativo dispõe de mais recursos do que apenas o ajuizamento.
Utilizando-se de técnicas de solução extrajudicial, tal como a conciliação e a mediação, é exposto ao cliente sobre a possibilidade de solução consensual e adequada ao conflito, no qual os advogados de ambas partes, firmando entre si termo de não litigância, mediante um ambiente de cooperação e equipe multidisciplinar, comprometem-se a buscar acordos, com base nos fatos, fundamentos e provas apresentadas, casos as partes não cheguem eventualmente a um acordo, os advogados são obrigados a deixar seus clientes. 8
O advogado para exercer a função de sua profissão, isto é, a defesa dos direitos de seu cliente promovendo a observância da ordem jurídica e da justiça, não é necessário que exerça esta por meios conflituosos. Certamente, a escolha de um instrumento colaborativo em nada diminui sua qualidade como profissional, nem mesmo representa prejuízos financeiros.
De fato, inclusive a advocacia colaborativa pode ser mais eficaz ao profissional, visto que trabalhando em situação de cooperação ambas as partes tomam proveito, sendo que desta forma o litígio será resolvido de forma mais rápida e menos custosa.
Em seu enunciado 55 a primeira Jornada de Prevenção e Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos estimula a prática da da advocacia colaborativa:
“O Poder Judiciário e a sociedade civil deverão fomentar a adoção da advocacia colaborativa como prática pública de resolução de conflitos na área do direito de família, de modo a que os advogados das partes busquem sempre a atuação conjunta voltada para encontrar um ajuste viável, criativo e que beneficie a todos os envolvidos.”
Tal método apresenta inúmeras vantagens inclusive perante a conciliação realizada durante o processo judicial, visto que neste os procuradores das partes tendem mesmo que de forma inconsistente tomar postura beligerante e bastante cautelosa, pois possuem a sensação de estarem um contra o outro.
Já na Advocacia Colaborativa esta sensação não existe, através da proteção do pacto, sendo substituída por uma intenção de chegar conjuntamente, de maneira amistosa, a uma solução ao conflito.
Naturalmente trata-se de um método com pouca aplicação no Brasil, e enquanto não for revertido que a solução de demandas deve se dar exclusivamente por meios de métodos conflituosos, sejam estes o processo judicial ou a arbitragem, tal realidade não mudará. Entretanto, o surgimento de métodos consensuais, como a conciliação e a mediação, e métodos extraprocessuais, como os Procon's e os Dispute Boards, disponibilizam esperanças para à Advocacia Colaborativa.
2.4. CONSTELAÇÃO FAMILIAR E DIREITO SISTÊMICO
A constelação familiar é uma técnica utilizada como reforço antes das tentativas de conciliação, sendo que no momento pelo menos 11 estados (Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoá e Amapá) e o Distrito Federal já oferecem este meio de resolução de conflitos9.
A técnica, que está em conformidade com a resolução CNJ n. 125/2010, criada pelo psicólogo alemão Bert Hellinger tem como objetivo buscar resolver o que causou o conflito que gerou o processo judicial através de um terapeuta especializado, buscando reconciliar as partes. Em geral, a constelação é utilizada no Direito de Família em causas como violência doméstica, endividamento, guarda de filhos, divórcios, adoção, inventários e abandono.
O percursor da constelação familiar no Brasil é o Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Dr. Sami Storch, que vem ministrando palestras sobre o assunto dese 2006, defendendo o que chama de Direito Sistêmico, o qual consiste na análise da resolução do conflito sob ótica superior ao direito e a lei em si.10
Por meio do Direito Sistêmico e da Constelação Familiar o meio familiar é levado em consideração no processo judicial. Nesse sentido segue lição do próprio Juiz Sami Storch, exposta em seu blog Direito Sistêmico na rede de computadores:
Isso porque, na prática, mesmo tendo as leis positivadas como referência, as pessoas nem sempre se guiam por elas em suas relações. Os conflitos entre grupos, pessoas ou internamente em cada indivíduo são provocados em geral por causas mais profundas do que um mero desentendimento pontual, e os autos de um processo judicial dificilmente refletem essa realidade complexa. Nesses casos, uma solução simplista imposta por uma lei ou por uma sentença judicial pode até trazer algum alívio momentâneo, uma trégua na relação conflituosa, mas às vezes não é capaz de solucionar verdadeiramente a questão, de trazer paz às pessoas.11
Tal medida é uma inovação que segue a tendência pacificadora do poder judiciário, que se preocupa em não só resolver conflitos mas como também em sanar relações sociais, alcançando, desta forma, a paz social.
CONCLUSÃO
É fato que o sistema judiciário brasileiro enfrenta uma crise grave, atualmente há grande demanda de processos, a fila de espera para decisão final não raramente prolonga-se por anos, são pessoas que possuem ânsia de ver seu direito garantido que perdem a esperança diante da morosidade, e que em alguns casos a parte falece antes do trânsito em julgado.
Não é aceitável que a comunidade científica se silencie diante de tal triste realidade, é necessário que medidas seja tomadas, e de forma urgente. Felizmente, os institutos da conciliação, mediação e arbitragem trouxeram renovação ao processo, principalmente quando aplicados de forma extrajudicial, pois agora o Estado, representado pelo juiz não é mais o único detentor da solução de conflitos, desafazendo-se o paradigma do monismo jurídico, este substituído pelo pluralismo jurídico.
Tais métodos alternativos de solução de conflito são importantes para a comunidade, não somente representam uma solução mais eficaz e célere, mas também por promover a cultura da conciliação, no qual desmistifica que a solução deve ser dar por meios de ataques e defesas jurídicas, tendo assim, inclusive influência em diversos setores da sociedade.
É natural que estes, com o tempo, sofram diversificação, surgindo assim novas formas de solução de conflito, o que colabora com a melhora da crise judiciária. Entretanto, o progresso destes novos métodos dá-se de forma lenta diante da falta de investimento e incentivo legal, logo, é necessário uma ampliação de verbas destinadas à órgãos de solução extrajudicial de conflito, tal como os Procon´s, bem como também alimentar discussões jurídicas quanto aos métodos alternativos de solução de conflito.
REFERÊNCIAS
1MENDONÇA, Angela Hara Buonomo. Mediação Comunitária. Uma Ferramenta de Acesso à Justiça? Mestrado (Dissertação), p. 31 Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br>
2 FIÚZA, César. Teoria geral da arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 56.
3 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
4 CAETANO, Luiz Antunes.Arbitragem e Mediação: rudimentos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 17.
5 RIOS, Paula Lucas. Mediação Familiar: Estudo Preliminar para uma Regulamentação Legal da Mediação Familiar em Portugal. Verbo Jurídico, v. 2, 2005, p. 17. Disponível em: <https://www.verbojuridico.com >
6 BONFIM, Isabel Paganine. Dispute Boards e os contratos de construção brasileiros. Pulicado em 24 set. 2012. Disponível em: https://www.cbic.org.br/sala-de-imprensa/noticia/dispute-boards-e-os-contratos-de-construcao-brasileiros. Acesso em 18 nov. 2016.
7 SOUSA, Antonio Luis Pereira. Lançamento dos Dispute Boards no Brasil. Publicado em 28 out. 2014.Disponível em: <https://www.iengenharia.org.br/site/noticias>. Acesso em 28 out. 2014.
8 BEZERRA, Elton. Advocacia Colaborativa ganha força e adpetos no Brasl. Publicado em: 07 dez. 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-dez-07/advocacia-colaborativa-ganha-forca-adeptos-brasil> Acesso em 20 dez. 2016.
9MENDES, Ana Tarna dos Santos; LIMA, Gabriela Nascimento. O que vem a ser Direito Sistêmico?. Jan. 2017. Jus https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83766-constelacao-familiar-ajuda-humanizar-praticas-de-conciliacao-no-judiciario-2
11STORCH, Sami. O que é o direito sistêmico?. 29 nov. 2010. Disponível em: https://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico/