Crimes passionais: quando o amor vira ódio, ele mata

Leia nesta página:

Esse trabalho visa uma análise geral sobre o homicídio, abordando principalmente os crimes passionais e a violência de gênero.

RESUMO

Esse trabalho visa uma análise geral sobre o homicídio, abordando principalmente os crimes passionais e a violência de gênero. Desde os primórdios da humanidade há a existência dos homicídios passionais, sem restrição de determinada sociedade ou classe social e econômica, estando presente em todas as épocas e lugares, porém, com maior ênfase nas classes mais baixas e em relações onde os maridos passam por dificuldades financeiras. Este trabalho fará uma análise geral aos casos em que os sentimentos inerentes ao ser humano levam algumas pessoas, na maioria delas, sem antecedentes criminais e precedência pura, a tirar a vida de outrem, seja por amor, ciúme, sentimento de posse, entre vários outros, enfatizando, portanto, que o maior número de vítimas desses crimes é do sexo feminino e que a sociedade brasileira, apesar dos avanços significativos, ainda promove condições que subjugam esposas, profissionais e cidadãs.

Palavras-chave: Homicídio. Crime passional. Amor. Ciúme. Persistência da violência contra a mulher.

ABSTRACT

This work aims at a general analysis about the murder addressing mainly the crimes of passion and violence. Since the dawn of mankind for the existence of the murders of passion without particular restriction society or social and economic class, being presente in all times and places, but with greater emphasis on lower classes and relationships where the husbands go through financial difficulties. This work will make a general analysis to cases where the feelings of human beings take some people most of them without criminal records and precedence, to take the life of another person, whether by love, jealousy, possession, among several others, emphasizing, therefore, that the largest number of victims of these crimes is female and that brazilian society, despite significante progress, still promotes conditions that subjugate wives, professionals and citiziens.

Keywords: Murder. Crime of passion. Love. Jealousy. Persistence of violence against women.

SUMÁRIO

1 Considerações Iniciais; 2 Desenvolvimento; 2.1 Generalidades acerca do homicídio; 2.2 Classificação dos crimes de homicídio; 2.3 Homicídios passionais; 3 Considerações Finais; 4 Referências bibliográficas.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

            Na atualidade aprendemos a conviver dia a dia com a violência como se fosse algo natural. Podemos encontrar a violência em todos os lugares, nas ruas, nas escolas, nos bares e em tantos outros. Existe, porém, um tipo de violência que passa despercebido, aquela quando a família fecha as portas da sua casa e fica sozinha. Mesmo que 91% dos homens desaprovem a violência de gênero, uma a cada três mulheres já sofreu ou está propensa a sofrer algum tipo de violência durante a vida segundo estatísticas contemporâneas. Ciúmes, dificuldades financeiras e drogas são as principais causas das desavenças e a principal causa é o álcool, pois, em 50% dos casos o agressor encontra-se em estado de embriaguez.

A cada 24 segundos uma mulher é agredida e 10 são assassinadas a cada 24 horas no Brasil, a maioria desses casos são cometidos por término de relacionamento ou ciúmes.

O ditado que diz “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” parece retratar bem a indiferença das pessoas com a violência de gênero. Um percentual de 60% dos brasileiros conhecem pessoas que já sofreram algum tipo de violência, mas apenas 28% desses brasileiros orientam as vítimas a buscarem ajudas especializadas. De outro lado, 90% desses casos são cometidos por homens e as principais ações são a violência psíquica, física e sexual.

Todos nós estamos imersos nessa cultura que diz que a mulher é propriedade do homem, criando a concepção de que a honra de um homem está depositada no comportamento da sua companheira, lhes dando o direito de puni-la por não agir de acordo com a sua vontade.

As mulheres ainda se sentem culpadas por sofrerem violência e convivem com o medo, porque sabem que a qualquer gesto que elas venham a reagir, terá como resultado uma violência ainda maior, porque estão permanentemente sob uma ameaça psicológica muito forte.

Muitas mulheres não têm condições materiais de romper uma relação. Os motivos que as mantêm de forma geral em uma relação violenta são: a inexistência de condições econômicas, a preocupação com a criação dos filhos, o medo de serem assassinadas após o término da relação e a falta de autoestima.

Com base na Organização das Nações Unidas a violência doméstica é o principal motivo de morte e deficiência entre mulheres de 16 a 44 anos de idade e mata mais do que o câncer e acidentes de trânsito.

Desse modo, infere-se que os crimes passionais se dão início a partir de um relacionamento composto por violência, que na maioria das vezes resultam em morte.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Generalidades acerca do homicídio

2.1.1 Definição

A essência da palavra homicídio deriva do latim “homicidium, compondo-se de dois elementos: homo e caedere” que significa homem e matar, sucessivamente. Tal fato típico, está previsto no art. 121 do Código Penal Brasileiro (C.P.B), tendo em vista a proteção da vida extrauterina, também está previsto na Constituição Federal, no caput do artigo 5.º, o qual menciona que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviabilidade do direito à vida [...]”.

Para o jurista Francesco Carrara o homicídio era definido como sendo “es la destrucción del hombre injustamente cometida por otro hombre” (a destruição da vida de um homem injustamente cometida por outro homem).

2.1.2 Histórico

            Os crimes de homicídio estão presentes na sociedade desde os primórdios e sempre foi visto como um ato de reprovação por estar atingindo o bem jurídico de maior valor que é a vida, nasce em meio ao sentimento de vingança e não de justiça.

            Houve três fases da vingança: período da vingança privada, vingança divina e vingança pública.

2.1.2.1 Período da vingança privada

            Foi um período em que, quando ocorria o crime, o responsável pela punição era a vítima, e a punição era cometida sem nenhuma proporção a ofensa.

            Período marcado por lutas entre famílias e tribos, causando o enfraquecimento e até o extermínio das mesmas. Com isso, deu-se o início da Lei de Talião, que surgiu como regras para evitar o aniquilamento.

            Após um certo tempo, surge a composição, onde o agressor reparava o dano causado pela ação delituosa, utilizando dinheiro e bens materiais em troca da sua liberdade.

2.1.2.2 Período da vingança divina

            A titularidade do direito de punir pertencia a igreja, aos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, aplicavam a pena. É uma fase mitológica, onde o “juízo de Deus” era um sistema processual de punição.

2.1.2.3 Período da vingança pública

            Período onde a pena perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção imposta pelo soberano (rei, príncipe, regente) que exercia sua autoridade em nome de Deus, as penas continuavam sendo cruéis, período também denominado “ciclo do terror”.

2.1.3 Sujeito ativo e passivo do crime

            O sujeito ativo é aquele que realiza a conduta tipificada na lei (fato típico), também são considerados sujeito ativo aqueles que colaboram de forma determinada para que a conduta aconteça (coautor) e também aqueles participem de forma secundária causando alguma influência no evento delituoso (partícipe).

            Existem dois tipos de sujeito ativo, o comum e o próprio. Sujeito ativo comum é quando qualquer pessoa poderá cometer o delito, como nos crimes de homicídio, roubo, etc., quando o sujeito ativo é próprio, é exigido uma qualidade especial do sujeito ativo (circunstâncias fáticas ou jurídicas), como por exemplo no crime de peculato que só pode ser praticado por funcionários públicos.

            O sujeito passivo, é aquele que sofre a ação ou omissão do sujeito ativo. Em regra, todo crime possui sujeito passivo determinado. Excepcionalmente em alguns crimes o sujeito passivo é indeterminado, como nos crimes vagos, onde a vítima é a sociedade.

            No caso do homicídio o sujeito ativo é comum, sendo assim, não é necessário um atributo especial, pois pode ser cometido por qualquer pessoa e o sujeito passivo terá que ser determinado.

2.1.4 Tentativa e consumação

            O artigo 14 do Código Penal Brasileiro aborda sobre o crime tentado e consumado, “I- consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II- tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. ”

            No crime de homicídio é admissível a tentativa, pois mesmo não se consumando já é considerado crime. A consumação se dar no momento do resultado da morte, comprovada por exames periciais, “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá supri-lhe a falta.” Artigo 167 do Código Processual Penal (C.P.P).

2.2 Classificação dos crimes de homicídio

            Considerando-se que o referido trabalho aborda o caso dos homicídios passionais, é importante fazer uma breve análise sobre as classificações previstas no ordenamento jurídico brasileiro. No homicídio passional o agente age dolosamente, querendo o resultado ou assumindo o risco de produzi-lo, não é comum a forma culposa, quando é resultado de imprudência, negligência ou imperícia. 

2.2.1 Classificação dos homicídios dolosos

            “Doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo ” Artigo 18, inciso I do Código Penal. O Código Penal tipifica os homicídios em homicídio simples, privilegiado e qualificado, artigo 121, caput; artigo 121, §1.º e artigo 121, §2.º respectivamente.

2.2.1.1 Homicídio simples

            O homicídio simples está previsto no artigo 121, caput, do Código Penal, “Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”.

            É considerado simples quando é cometido buscando o resultado morte, sem qualquer agravante no crime. Sendo assim, homicídio “simples” por exclusão, quando não se adequar às hipóteses de homicídio privilegiado ou qualificado.

2.2.1.2 Caso especial de diminuição de pena (homicídio privilegiado)

            “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.” Artigo 121, §1.º.

            O valor social é de interesse coletivo, enquanto que o valor moral visa benefícios pessoais, um exemplo que se pode analisar é o da eutanásia, onde o autor abrevia a vida de um paciente em situação irreversível por compaixão; sob o domínio de violenta emoção, o autor deve estar totalmente dominado no momento do homicídio; outra exigência é de que a agressão tenha ocorrido logo após a injusta provocação da vítima, caso contrário não será considerado uma causa de diminuição especial de pena.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            Devido aos crimes de homicídios dolosos serem julgados pelo Tribunal do Júri, o caso de diminuição de pena também é votado por eles, sendo aprovado, a atenuação da pena é imposta, como previsto no artigo 5.º, XXXVIII, “c” da Constituição Federal. O que o parágrafo primeiro do artigo 121 do Código Penal quis dizer com relação ao poder que o juiz tem para reduzir a pena de um sexto a um terço é que ele pode decidir a quantidade de tempo em que a pena será reduzida, mas somente acontecerá se o júri aprovar o caso de diminuição, caso contrário a pena não será atenuada.

2.2.1.3 Homicídio qualificado

            É aquele cometido em circunstâncias que agravam ainda mais a conduta delituosa prevista em lei, é considerado o crime com o tratamento penal mais severo, com pena de 12 a 30 anos. Aquele onde se é utilizado meios cruéis, fazendo com que o sofrimento da vítima seja ainda maior e na maioria das vezes não sendo possível a utilização de defesa. Está previsto no Código Penal em seu artigo 121, § 2.º:

“Se o homicídio é cometido:

     I - Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe;

     II - Por motivo fútil;

     III - Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

     IV - À traição, de emboscada, ou que mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

     V - Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

     VI - Feminicídio - Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;

     VII - Contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. ”

            Importante se faz esclarecer que o segundo parágrafo do artigo 121 prevê a modalidade de tipo derivado qualificado, sendo assim, as qualificadoras são tidas como circunstâncias e não como elementares do crime. As circunstâncias aferem aumento e diminuição da pena e são acessórios, não elementos, pois não tocam no tipo penal, mas na gravidade e podem ser objetivas ou subjetivas

2.2.1.3.1 Qualificadoras objetivas e subjetivas

            As qualificadoras de natureza objetiva são as que estão ligadas aos meios e modos de execução do crime, (artigo 121, § 2.º, incisos III e IV do CP):

            III - Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

            IV - À traição, de emboscada, ou que mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.

            Já as de natureza subjetiva têm caráter pessoal, são as qualificadoras que estão relacionadas com os motivos que levam o agente a cometer a conduta, (artigo 121, § 2.º, incisos I, II, V, VI e VII do CP):

            I - Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe;

            II - Por motivo fútil;

            V - Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

            VI - Feminicídio - Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;

            VII - Contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

2.2.1.3.2 Lei Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990

            Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5.º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

            Art. 1.º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

            “I – Homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometidos por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2.º, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII). ”

2.2.2 Competência para julgamento

            Art. 5.º, XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. ”

            Quando o crime é praticado contra funcionário público federal com relação ao exercício da função, a competência para julgamento é da Justiça Federal por força da súmula vinculante 147 do Supremo Tribunal de Justiça.

2.3 Homicídios Passionais

            O crime passional, é um homicídio (término da vida de uma pessoa causada por outra), mas nesse caso com uma peculiaridade, pois há relação afetiva entre as partes, que pode ser sexual ou não, e a violenta emoção (paixão) que está prevista no artigo 121 da Parte Geral do Código Penal.

            O crime passional costuma ser uma reação daquele que se sente dono da vítima e é motivado por intensa emoção, nos criminosos passionais a rejeição leva ao ódio, gerando a violência, que por vezes, termina com a morte trágica de seu/sua companheiro (a).

            O suposto amor que se transforma em morte causa comoção na sociedade e muita repercussão na mídia. Crimes como estes, nos levam a refletir sobre a real motivação destes atos. Relembrando que a cada dez casos de crimes passionais, sete são protagonizados por homens e que na maioria desses crimes há um componente econômico, pois, a mulher que é independente tende a ser menos vulnerável por uma questão de autoestima.

            O crime passional é composto de agressões físicas e psíquicas que são cometidas em nome do sentimento denominado paixão, contra as pessoas que se relacionam, podendo ser considerado também violência doméstica. O homicídio é uma modalidade do crime.

            O homicida passional não é isento da culpabilidade, que é apenas considerado, com base no Código Penal, em caso de erro de proibição (artigo 21, caput), coação moral irresistível (artigo 22, 1.ª parte), obediência hierárquica (artigo 22, 2.ª parte), doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (artigo 26, caput), menoridade penal (artigo 27) e embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (artigo 28, § 1.º). Mas há, sob determinadas condições, uma atenuante da pena.

            Desta maneira, o homicídio passional se apresenta no art. 121, § 1.º, é necessário, apesar disso, algumas condições para o reconhecimento da atenuação da pena: o agente cometer o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.

2.3.1 Elementos do crime passional

            Os estados passionais não excluem a imputabilidade do agente, visto que não são classificadas como enfermidades mentais. Há vários elementos do crime passional, tais como o ódio, ciúme, paixão, amor, entre vários outros.

2.3.1.1 A emoção e a paixão

            “Não excluem a inimputabilidade penal: I – a emoção ou a paixão. ” Artigo 28 do referido código.

            Ainda que a pessoa estiver sob o domínio total da emoção e da paixão, essa condição não altera a culpabilidade.

            Como visto anteriormente, nos crimes de homicídios há os casos especiais de diminuição de pena, um deles é quando o indivíduo comete o crime sob o domínio de violenta emoção obedecendo o outro critério que é logo em seguida a injusta provocação da vítima, mas em nenhuma hipótese a emoção e a paixão excluirá a inimputabilidade, caso isso acontecesse o homicídio passional não seria considerado crime e o número desses crimes iriam aumentar bastante, visto que é um crime cometido em razão da emoção/paixão.

2.3.1.2 Ciúme

            O ciúme pode ser visto como um sentimento, assim como qualquer outro, pode ser uma reação a uma ameaça, ao medo de perder alguém e até mesmo se tornar uma paranoia. Todo mundo sente ciúme, mas a forma como o mesmo será manifestado pode variar bastante devido a personalidade de cada indivíduo. É o sentimento da perda da posse que emprega a violência como forma de vingança, podendo ter como resultado o homicídio.

2.3.2 Criminosos passionais: a cultura como estímulo ao crime

            O crime passional tem uma natureza muito própria, não é ligado ao quadro patológico, como muitos imaginam, não se pode ligar diretamente esse tipo de crime a uma relação dita patológica. A natureza criminosa é uma natureza histórica do indivíduo, uma natureza da nossa espécie. Indivíduos que cometem crimes de natureza passional, os chamados crimes de amor, são indivíduos normalmente muito impulsivos, que abusam do álcool e/ou substâncias análogas (fatores que podem provocar uma crise de violências, mas não são as causas de tal problema), são extremamente controladores, e no momento que percebem que perde esse controle, que a mulher começa a se libertar e se tornar independente tomam medidas inesperadas. Então constata-se que há uma progressão de um comportamento que esses indivíduos cometem até chegar ao ato de homicídio, há uma transgressão de uma agressão básica antes de tudo isso.

            Esses atos de desrespeito eles estão embutidos dentro dos valores dos cidadãos como coisas normais, como coisas da cultura. Nós habitamos um país em que a cultura machista ainda é muito forte, ainda vivemos em um sistema patriarcal, sexista, onde condutas como estas são muitas vezes justificadas ou legitimadas por conta desse sentimento de posse, poder e dominação do homem sobre a mulher. Então é uma realidade, um fenômeno que acontece em todos os lugares do mundo, mas o Brasil, no ano de 2016, figurou no 7º lugar no ranking mundial internacional dos feminicídios (tentados e consumados).

            Alguns dados fornecidos pela Central de Atendimento à Mulher afirmam que 23,51% das mulheres sofrem a violência desde o início da relação e que 23,28% sofre de um ano até 5 anos de relacionamento. Sob outro enfoque, 80% das vítimas tem filhos e 64,35% desses presenciam a violência.

            Tanto o homem quanto a mulher estão propensos a cometer um homicídio passional, mas o número de vítimas do sexo feminino é alarmante, por esse motivo o presente trabalho foca não somente nos crimes passionais, mas também nos crimes de violência doméstica familiar.

2.3.3 A Lei de Violência Doméstica Familiar Contra a Mulher (Lei Maria da Penha)

            A Lei Maria da Penha (Lei de nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006), criada como ferramenta de proteção jurídica para coibir a violência doméstica. Esse tipo de violência é qualquer ação ou omissão que provoque a morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, a lei assegura também a proteção as vítimas.

            É importante lembrar que a lei não prevê crimes, os crimes que são cometidos já estão previstos no Código Penal, a lei apenas estabelece regras a serem aplicadas.

2.3.3.1 Quem foi Maria da Penha

            Em 1993, uma mulher brasileira, Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, sofreu duas tentativas de assassinato por parte do marido, economista e professor universitário Marco Antônio Heredia Viveros.

            Depois de quase 20 anos, com o apoio de organizações internacionais, o país foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela negligência com que tratava os casos de violência doméstica.

            A partir de então, a justiça brasileira se movimentou e o agressor foi finalmente preso pelo crime contra a própria mulher.

            Em 2006, por uma recomendação da OEA, o Brasil, reconheceu a necessidade de criar uma lei que punisse a violência doméstica contra as mulheres.

            Para esta mulher, que se tornou símbolo desta luta, a Lei 11.340/06 veio a resgatar a dignidade da mulher brasileira, proporcionando a elas outra possibilidade de vida.

2.4 A persistência da violência contra a mulher

            Apesar da Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, o número de crimes continua crescendo no país. Uma prova de que não é um problema de legislação, a lei não precisa ser alterada, precisa ser cumprida, efetivada, fortalecida na sua implementação pelos gestores e operadores do direito. É um problema cultural e mundial, onde impera a cultura machista e patriarcal, também reina a violência contra a mulher. A violência contra a mulher é um dos casos mais antigos de agressão, porque ultrapassa a história e existe até hoje.

            A legislação que trata da proteção da integridade feminina, como a Lei Maria da Penha, apesar de importantes conquistas recentes, ainda não protege a mulher vítima dos riscos a que é submetida principalmente após o momento em que oferece denúncia contra seu agressor. A Lei Maria da Penha diminuiu apenas em 10% os homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas, não se pode permitir que esse tipo de evento se torne o que Durkheim prevê como fato social, que toda uma coletividade ataca como, por exemplo, padrão comum de comportamento doméstico.

            Para que esta realidade de fato seja alterada, é necessária uma mudança desde a educação base, pois até em um dos espaços originais da construção identitária, a escolarização tradicional, acaba por favorecer essa opressão, abstendo-se da discussão sobre a violência de gênero contra a mulher em âmbitos profissionais e familiares. Torna-se difícil qualquer progresso social nesse sentido quando se comprometem princípios e valores logo em seu início de formação. Essa discussão é importante para que as crianças se desenvolvam tendo a consciência de que devem respeitar o sexo oposto, evitando a ideia de submissão e superioridade.

            A continuidade dessa e tantas outras violências também é por falta de mais políticas públicas, pois, mesmo a maioria das mulheres tendo o conhecimento sobre a existência de uma lei que as protege, muitas desacreditam de sua eficácia e acabam deixando de denunciar por medo e insegurança, sendo assim, as leis serão ineficazes devido as não denúncias. O Estado também deve implementar novos órgão especializados nesse tipo de agressão, principalmente em lugares em que o número de crimes desse tipo é de situação alarmante, reforçando, assim, o atendimento às vítimas.

            Outras violências a qual as mulheres são submetidas caminham por meios que agridem disfarçadamente sob a face de entretenimento. A mídia perpetua a imagem feminina como objeto de obtenção de prazer e apêndice da figura patriarcal, estimulando não somente essa ideia de objetificação da mulher, mas também o assédio que sofrem em suas rotinas.

            Como já analisado, deve haver uma reforma geral na visão da sociedade e não na lei, a mídia deve utilizar a imagem da mulher como instrumento de justiça, promovendo mais campanhas governamentais para o e

stímulo da denúncia desses agressores, pois aplicando a lei de forma correta, haverá um decréscimo no número de crimes contra a mulher, nos de feminicídio e também nos crimes passionais em todo o país.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O crime passional é um efeito de uma relação na qual o agressor acredita que tem um “poder ilimitado” sobre sua vítima. De forma alguma se mata por amor, quem ama não mata, quando uma pessoa mata outra, mata por amor a si própria.

            Infelizmente o número de vítimas de crimes passionais é muito alarmante e muitos consideram a violência, o início de tudo, normal, algo que já estão acostumados a ver e passam a não se importar. O número de vítimas está crescendo incessantemente, vítimas que têm sua vida tirada de forma cruel, muitas vezes até sem o direito de se defender.

            Com base nos dados tratados durante este trabalho, o número de mulheres que são assassinadas por motivo de crimes passionais é superior ao número de vítimas do sexo masculino. Para que se possa definitivamente reverter esse cenário tão opressor à mulher, existem, portanto, caminhos a serem seguidos, não chegando à idealização com que nossa literatura se consolidou, mas garantir o direito de não ser interrompida por um crime passional na composição da sua obra-prima chamada vida.

            Em primeiro lugar é necessário que a lei seja aplicada, pois nos dias atuais as mulheres têm uma lei que as garante o direito de sair de uma relação agressiva, de ser protegida e ter garantia de uma vida tranquila para ela e seus filhos, pois antigamente não havia nenhum tipo de amparo, pois era atribuída aos homens o poder sobre as mulheres.

            Desde a uma estrutura policial mais consistente visando à proteção da vítima denunciadora até incentivos político-partidários a candidaturas femininas ao Poder Legislativo, passando por Ensinos Fundamental e Médio que discutam indiscriminadamente a igualdade entre gêneros, somente assim, poderemos cumprir o que está disposto no caput do artigo 5.º da Constituição Federal que rege o nosso país: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1998.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 1941.

BRASIL. Código Processual Penal. Brasília, DF: Senado, 1941.

BRASIL. Lei Complementar n. 8.072, de 25 de julho de 1990 – Crimes Hediondos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>. Acesso em 17 fev. 2017.

BRASIL. Lei Complementar n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Violência Doméstica. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 17 fev. 2017.

CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

ELUF. Luiza Nagib. A Paixão no Banco dos Réus. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

FILHO. Guaracy Moreira. Código Penal Comentado. 2. Ed. São Paulo: Rideel, 2012.

GILABERTE. Bruno. Crimes Contra a Pessoa. 1. Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2013.

MASSON. Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulos: Método, 2015.

PENAL EM RESUMO. Dos Crimes Contra a Vida – Art. 121 – Homicídio. Disponível em: < http://penalemresumo.blogspot.com.br/2010/06/homicidio.html >. Acesso em 17 fev. 2017.

SILVA. Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora Ao Lado. 2. Ed. São Paulo: Globo, 2014.


[1] Acadêmica do Curso de Direito pela Faculdade Maurício de Nassau de Campina Grande (Unidade II). E-mail: [email protected].

[2] Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Campina Grande. Professor da Faculdade Maurício de Nassau desde 2012. Analista Judiciário do TRE-PB desde 2005. E-mail: [email protected]

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Maria Eduarda Viana Santos

Acadêmica do Curso de Direito pela Faculdade Maurício de Nassau de Campina Grande.

Jaligson Carlos Ferreira Leite

Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Campina Grande. Professor da Faculdade Maurício de Nassau desde 2012. Analista Judiciário do TRE-PB desde 2005.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos