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Justiça do Trabalho: história, importância e desafios

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26/08/2017 às 15:17
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3. Justiça do Trabalho no Brasil

3.1 Histórico

A instituição da Justiça do Trabalho no Brasil passou por cinco fases (LIMA, 2015, 47), cujos divisores são momentos históricos responsáveis pela alteração dos paradigmas dessa instituição.

A primeira fase refere-se ao período anterior à institucionalização. No Brasil, não havia órgão especial destinado a compor os conflitos decorrentes das relações de trabalho, até 1907, quando o Decreto nº 1.637/07[7] fez referência aos Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem - CPCA, criados para compor os conflitos trabalhistas. Antes dos CPCAs, o julgamento dos dissídios trabalhistas era de competência da Justiça comum, cujo procedimento era sumário, como previsto no Regulamento 737, de 1850.

Os CPCAs deram origem à segunda fase, que é a da Institucionalização da Justiça do Trabalho. Ocorre que, na prática, esses Conselhos jamais foram criados. (FERRARI; NASCIMENTO; MARINS FILHO, 2002, p. 192). Em verdade, o primeiro órgão jurisdicional trabalhista que funcionou de forma efetiva no Brasil foi o Tribunal Rural de São Paulo, criado em 1922, fruto do crescente número de trabalhadores rurais nesse Estado.[8]Este órgão nasceu do aperfeiçoamento do antigo Patronato Agrícola,[9] que integrava a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Ele tinha composição paritária, sendo presidido pelo Juiz de Direito da comarca e por dois juízes classistas, um dos empregados e outro dos empregadores. Em 1923, o Decreto nº 16.027 criou o Conselho Nacional do Trabalho - CNT, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.

A criação do CNT teve como principal causa a pressão internacional, surgida a partir da criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, na qual o Brasil ingressou nesse mesmo ano. Na primeira Sessão do Conselho (23/08/1923), o Ministro Miguel Calmon Du Pin destacou que (sic) “os compromissos assumidos, em virtude de tratados internacionais, impunham ao governo a criação de um instituto, ao qual caberia a missão de examinar a oportunidade da aplicação entre nós dos projetos de Convenção e Recomendações adotadas nas sucessivas Conferências Internacionais do Trabalho [...]” (TST, 2011, p. 27).

Finalmente, em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento e as Comissões Mistas de Conciliação, vinculadas ao Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria, ou seja, ao Poder Executivo Federal. (DELGADO; DELGADO, 2011, p. 104). As primeiras tinham competência para julgar os dissídios individuais e as segundas, os coletivos, com exceção das causas sobre acidente do trabalho e de empregados não sindicalizados, cuja competência era da Justiça comum. Elas adotaram a composição paritária, com representação dos empregados e empregadores, a exemplo dos Tribunais Rurais e dos tribunais italianos instituídos pela “Carta del Lavoro” de 1927.

A Constituição de 1934 previu, pela primeira vez, a Justiça do Trabalho, mas como órgão do Poder Executivo, dando início à fase de constitucionalização. Ainda sob a égide da composição paritária, foram organizadas três instâncias, sendo as Juntas de Conciliação e Julgamento, os Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho, este último composto por duas Câmaras, sendo uma trabalhista e outra previdenciária.

A Constituição de 1937 (art. 139) não mencionou expressamente que a Justiça do Trabalho estava vinculada ao Poder Executivo, razão pela qual o Supremo Tribunal Federal passou a adotar o entendimento de que ela passara a pertencer ao Poder Judiciário.

Apenas em 1939, o termo “Justiça do Trabalho” aparece pela primeira vez na legislação infraconstitucional (TST, 2011, p. 29), no Decreto nº 1.237, de 2 de maio daquele ano.

A fase de consolidação teve início com a efetiva organização e instalação da Justiça do Trabalho, em 1941. No dia 1º de maio, em um discurso em solenidade no Estádio do Vasco da Gama,[10] o Presidente Getúlio Vargas noticiou a instalação da Justiça do Trabalho (TST, 2011, p. 29).

O Decreto nº 979/46 alterou o nome do CNT para Tribunal Superior do Trabalho e os dos Conselhos Regionais do Trabalho para Tribunais Regionais do Trabalho (TST, 2011, p. 30).

A Constituição de 1946 (art. 94) expressamente declarou a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário da União e alterou a sua estrutura, fazendo referência ao Tribunal Superior do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, mantendo as Juntas de Conciliação e Julgamento como órgãos de primeira instância. As Constituições de 1967, 1969 e 1988 conservaram essa mesma estrutura. A Emenda Constitucional nº 24/99, todavia, extinguiu as Juntas de Conciliação e Julgamento e a tradição da representação paritária em todas as instâncias, estabelecendo, em seu lugar, as Varas do Trabalho, conduzidas apenas por juízes togados.

Por fim, a fase de ampliação (LIMA, 2015, 48) teve origem em 2004, quando a Emenda Constitucional nº 45 promoveu alterações substanciais em todo o Poder Judiciário. Em relação à Justiça do Trabalho, as alterações mais importantes foram a ampliação da competência e a transformação da jurisdição normativa em juízo arbitral judicial (LIMA, 2015, 48). Em ligeiras linhas, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de Direito Público externo e da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Entretanto, o STF excluiu da competência da Justiça do Trabalho as causas relativas aos servidores públicos estatutários[11] e aos servidores temporários.[12]

Quanto à jurisdição normativa, a Constituição passou a exigir, para os dissídios coletivos de natureza econômica, que as partes concordem com a instauração da respectiva instância (art. 114, §2º), o que transforma a jurisdição em juízo arbitral realizado pelo Poder Judiciário.

3.2 Atual estrutura

A Justiça do Trabalho tem sua atual estrutura prevista no art. 111 da Constituição de 1988, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 24/99, que extinguiu a representação classista nas composições paritárias das Juntas de Conciliação e Julgamento.

A primeira instância da Justiça do Trabalho passou a ser exercida por Varas do Trabalho. Entretanto, a Constituição estabelece como órgão de primeiro grau da Justiça do Trabalho o Juiz do Trabalho e não a Vara do Trabalho. São órgãos da Justiça do Trabalho, portanto, o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e o Juiz do Trabalho. (LIMA, 2015, 47).

3.2.1 Tribunal Superior do Trabalho

O TST é o órgão superior da Justiça do Trabalho brasileira. Ele foi criado pela Constituição de 1946, desde quando possui sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional. Ele está para a Justiça do Trabalho como o Superior Tribunal de Justiça está para a Justiça comum, mas com uma importante diferença: o TST é a terceira instância da Justiça do Trabalho, e não um órgão de superposição como é o STJ. (LIMA, 2015, 48).

O resultado prático disso é que o recurso extraordinário para o STF somente será interposto das decisões do TST, uma vez que essa espécie recursal tem cabimento contra decisões de única ou última instância (art. 102, III, da CF).

O STJ, diferentemente, é um tribunal de superposição e não de terceira instância, uma vez que suas atribuições são especiais, como a homologação de sentenças estrangeiras (art. 105, I, “i”, da CF). Por isso é que as decisões dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça desafiam recurso especial (STJ) e recurso extraordinário (STF) ao mesmo tempo.

            Não obstante, com o advento da Lei 13.015/14[13], que modificou as normas relativas ao julgamento dos recursos no âmbito do TST, a afirmativa de que este tribunal tem natureza de terceira instância deixou de ser categórica. É que a citada lei passou a exigir que os Tribunais Regionais do Trabalho uniformizem sua jurisprudência antes de admitirem os recursos para o TST, o qual passou a ser um tribunal que julga teses, pacificando as divergências entre os Tribunais Regionais e interpretando a Lei trabalhista. Dessa forma, a exemplo do STF e do STJ, o TST transformou-se em um guardião da lei, "in casu", a trabalhista. A premissa de que o TST deixou de ser a terceira instância trabalhista é imprescindível para afastar de sua jurisdição as questões de mérito acerca de fatos e provas, medida essencial para a própria viabilidade do funcionamento do TST, que se acha sobrecarregado com o julgamento de processos que, muitas vezes, versam sobre temas pacificados.

            A Emenda Constitucional nº 45/04 elevou o número de Ministros do TST de 17 para 27, entre as principais razões, pela necessidade de preparar a justiça trabalhista para a ampliação da competência. Os Ministros devem ter mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade e sua nomeação é feita pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal. Um quinto dos cargos de Ministro é preenchido por advogados e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício de suas respectivas atividades, indicados por seus pares, em lista sêxtupla,[14] ao TST, o qual elabora lista tríplice, para encaminhamento ao Presidente da República.[15] Os demais cargos são preenchidos por juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, indicados pelo TST, em lista tríplice[16] (art. 111-A da CF).

A estrutura interna do TST está prevista na Lei nº 7.701/88 e no Regimento Interno do TST (RITST), aprovado pela Resolução Administrativa 1.295, de 2008.

3.2.2 Tribunais Regionais do Trabalho

A Constituição de 1946 substituiu os Conselhos Regionais do Trabalho pelos Tribunais Regionais do Trabalho. A Constituição Federal de 1988 os manteve e, a partir da Emenda Constitucional nº 45/04, criou uma composição mínima de sete juízes, que serão recrutados na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República, entre os brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos (art. 115). Em simetria com o TST, os Regionais também destinam um quinto de seus cargos de Desembargador para os advogados e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício de suas respectivas atividades profissionais. Os demais membros são provenientes da carreira da magistratura de primeira instância, mediante promoção de juízes do trabalho, por ordem alternada de antiguidade e merecimento.

            Atualmente, existem vinte e quatro TRTs, seguindo a regra de um Tribunal por Estado da Federação, com exceção do Estado de São Paulo, que possui dois TRTs[17], e dos TRTs da 8ª Região, a qual abrange os Estados do Pará e do Amapá, da 10ª Região, que alcança Brasília e Tocantins, e da 14ª Região, com jurisdição sobre os Estados do Acre e Rondônia.

            No intuito de facilitar o acesso à Justiça do Trabalho, a EC 45/04 ainda previu a possibilidade de os Tribunais Regionais instalarem justiça itinerante, com a realização de audiências e outras atividades jurisdicionais fora da sede do Tribunal, e de criarem Câmaras Regionais, funcionando descentralizadamente (art. 115, §§1º e 2º, da CF).

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            A composição interna de cada TRT é organizada nos termos do respectivo Regimento Interno. É comum a adoção de uma organização similar à do TST, com a divisão de Seções Especializadas, além do Tribunal Pleno e das Turmas.

            A competência dos Tribunais Regionais do Trabalho poderá ser originária ou recursal. Originariamente, será o Regional competente para julgar os Dissídios Coletivos de abrangência regional, entre outras ações, como ação rescisória, mandado de segurança e ação cautelar. Em segunda instância, compete aos TRT’s julgar os recursos ordinários interpostos contra sentenças de Juízes do Trabalho, além de agravos de petição e de instrumento contra decisões do juízo a quo.

3.2.3 Juízes do Trabalho

            A primeira instância da Justiça do Trabalho é exercida pelos Juízes do Trabalho, nas Varas do Trabalho (art. 116 da CF), cuja criação depende de lei (art. 112 da CF). Onde ainda não existir Vara do Trabalho, competirá ao Juiz de direito julgar as causas trabalhistas (art. 668 da CLT). No entanto, o eventual recurso dessa decisão deverá ser julgado pelo TRT do respectivo Estado e não pelo Tribunal de Justiça. Essa hipótese tem sido cada vez mais rara de acontecer na prática. A uma, porque o número de Varas do Trabalho é crescente. A duas, porque, para que a competência seja exercida pelo juízo comum, não basta a ausência de Vara do Trabalho na respectiva localidade, mas sim que o lugar não esteja inserido na jurisdição trabalhista. (LIMA, 2015, 49).

            Os Juízes do Trabalho ingressam na carreira mediante concurso público de provas e títulos, sendo-lhes aplicadas todas as normas relativas às prerrogativas, garantias e deveres constantes da Constituição Federal para os magistrados em geral (artigos 93 e 95, da CF). Desde a Emenda Constitucional nº 24, de 1999, não mais existem juízes classistas (que faziam parte de composição paritária) nos órgãos da Justiça do Trabalho.

Compete aos Juízes do Trabalho julgar os Dissídios Individuais, Ações de Cumprimento de sentença normativa ou acordos e convenções coletivas de trabalho, Inquérito para apuração de falta grave e Mandados de Segurança contra atos dos Auditores Fiscais do Trabalho, além de executar suas próprias decisões.

            As Varas do Trabalho são compostas por serviços auxiliares, destinados a dar suporte administrativo ao Juiz do Trabalho. Nas grandes cidades, onde há mais de uma Vara do Trabalho, existe um setor de Distribuição, responsável pelo recebimento de petições iniciais, atermações e protocolos, entre outras atividades. Um dos Juízes será o Presidente do Foro[18] e terá a atribuição de administrar os trabalhos dos distribuidores.

Cada Vara do Trabalho é dotada de uma Secretaria, sob a direção de um Diretor, indicado pelo Juiz Titular. Cabe ao Diretor exercer a função de secretário, responsabilizando-se pelo recebimento, autuação, andamento, guarda e conservação dos processos e demais papéis, entre várias outras atribuições (art. 711 da CLT). O Diretor também é o responsável por chefiar os trabalhos da secretaria, delegando ordens aos demais serventuários, velando sempre pela boa ordem do serviço (art. 712 da CLT). (LIMA, 2015, 48).

            Além do setor de Distribuição e da Secretaria, as Varas do Trabalho são auxiliadas pelos serviços dos Oficiais de Justiça, que realizam atos decorrentes das execuções dos julgados das Varas e dos Tribunais Regionais, além do que mais lhes for cometido pelos Juízes do Trabalho (art. 721 da CLT).

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Sobre o autor
Leonardo Tibo Barbosa Lima

Servidor Público Federal e Professor da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM. Mestre em Direito do Trabalho pela PUCMinas e especialista em Direito Público pela UGF/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Leonardo Tibo Barbosa. Justiça do Trabalho: história, importância e desafios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5169, 26 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60059. Acesso em: 24 abr. 2024.

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