A Recuperação como meio de impedir a falência

28/08/2017 às 12:58
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A Recuperação de Empresas se revela como um importante avanço no mecanismo de proteção da atividade empresária e à sociedade.

INTRODUÇÃO

A atividade empresária é, antes de tudo, uma atividade humana, seja por realização unitária ou coletiva, objetivando o lucro através do fornecimento de bens e da prestação de serviços à sociedade.

Para tanto, diversos atores envolvidos na atividade empresarial relacionam-se em um complexo sistema, de modo a que cada um, no seu âmbito de atuação, alcance a finalidade a que se propõe.

Como consumidores e trabalhadores, conectamo-nos às empresas por meio dessas específicas circunstâncias, respectivamente, através do acesso a diversos produtos e serviços destinados às necessidades humanas e pelo pagamento de remuneração necessária à existência digna, em contraprestação ao exercício laboral.

O Estado figura como importante ator nesse complexo de relações, conectando-se à atividade empresária para lhe conferir suporte à existência e preservação, para fomentar a sua expansão e para disciplinar todo o feixe de relações desse sistema jurídico-social.

Portanto, diante dessas relevantes (e não exaustivas) circunstâncias, é de notória constatação a importância da atividade empresária para a vida humana, sendo mister o desenvolvimento de institutos para sua proteção, pois, com a falência empresarial, todo o sistema e suas múltiplas conexões experimentariam danosas consequências sociais.

É nessa perspectiva que os institutos de recuperação de empresas atuam, de modo a preservar essa importante atividade humana, evitando a falência de empresas e, assim, conferindo a permanência do equilíbrio social e econômico.


RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Em que pese a elevada importância da atividade empresarial, é fundamental ter como vetor orientador da Recuperação Empresarial a noção de viabilidade da empresa, uma vez que demanda-se uma série de custos e esforços para esse fim.

Nesse sentido, como assevera, Fábio Ulhôa Coelho (2013, p. 412):

“Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. A reorganização de atividades econômicas é custosa. Alguém há de pagar pela recuperação, seja na forma de investimentos no negócio em crise, seja na de perdas parciais ou totais de crédito. Em última análise, como os principais agentes econômicos acabam repassando aos seus respectivos preços as taxas de riscos associados à recuperação judicial ou extrajudicial do devedor, o ônus da reorganização das empresas no Brasil recai na sociedade brasileira como um todo [...] Não se pode erigir a recuperação das empresas em um valor absoluto. Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo”.

Nesse contexto, depreende-se que apenas as empresas viáveis são destinatárias da Recuperação, enquanto que as inviáveis, assim entendidas pelo Judiciário, poder estatal a quem cabe esse julgamento, são destinatárias da falência.

A Lei de Recuperações e Falências nº 11.101/2005 (LRF) inseriu o instrumento da Recuperação de empresas para atender as demandas empresariais e sociais, notadamente para auxiliar os empreendimentos nos eventuais ciclos de crise econômico-financeira que atingem a economia.

O objetivo é salutar e atender a interesses dos mais diversos na sociedade, não apenas aos da empresa em crise. Assim não fosse, a recuperação seria instrumento de condescendências arbitrárias do Poder Público às entidades de mercado, privadas por natureza, o que desequilibraria a concorrência entre as empresas: umas com acesso e influência sobre os agentes políticos e outras sem qualquer trânsito nos gabinetes em que se decidiriam quem teria ou não direito aos benefícios da Recuperação de empresas.

Não por acaso, a recuperação é processo que se desenvolve no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que os magistrados estão menos sujeitos às influências a que são submetidos os agentes eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo.


PRINCÍPIOS DA RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL

Nos termos do artigo 47, LRF, temos que:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O dispositivo revela conteúdo principiológico, norteando a recuperação empresarial através dos seguintes mandamentos nucleares: 1) preservação da empresa; função social da empresa; 2) manutenção da fonte produtora; 3) estímulo à atividade econômica.


PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E DE SUA FUNÇÃO SOCIAL

Frise-se, de início, que a preservação a que se refere o princípio e para a qual os esforços estatais são direcionados à atividade empresária e não à pessoa do empresário.

Como bem leciona Fábio Ulhôa (2011, p. 31)

"No princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste”.

Através de uma interpretação sistemática, podemos vislumbrar o princípio da preservação da empresa em outros diplomas legais.

No Código Civil de 2002, o artigo 974 informa que, sobrevindo incapacidade da pessoa do empresário, poderá ser mantida a atividade por outro agente, total ou parcialmente, seja para representá-lo ou assisti-lo.

Na seara tributária a preservação da empresa manifesta a relação entre os tributos e a existência da atividade de empresa. O Código Tributário Nacional (CTN), no seu artigo 155-A, estabeleceu parcelamento de créditos tributários, como forma de auxiliar a manutenção da empresa, deixando claro que o peso das obrigações tributárias pode tornar custosa a manutenção da atividade empresária, especialmente, em momentos de crise econômico-financeira.

Na Constituição Federal de 1988, CF88, destacamos a aproximação do tema da preservação da empresa à seara tributária, citando os seguintes dispositivos: 1) inciso IV, do artigo 150 e, ainda, 2) o parágrafo primeiro do artigo 145.

Das limitações ao poder de tributar, destaca-se, de acordo com o recorte temático aqui realizado, a vedação à tributação como método de confisco.

O inciso IV, do artigo 150, da CF88, estabelece que é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “utilizar tributo com efeito de confisco”. O não-confisco tributário é princípio norteador da atuação estatal, seja no âmbito do Legislativo (com a edição de leis que atendam à razoabilidade da tributação), do Executivo (no desempenho de suas atribuições por meio de seus órgãos fazendários) ou do Judiciário (na aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto).

O confisco estatal torna-se um óbice à criação e preservação de empresas, uma vez que inviabiliza o empreendimento, a concorrência e a expansão dos negócios. Assim, a criação e incidência do tributo devem ser pautadas pela razoabilidade na relação entre o Estado-Fiscal e o empreendimento privado.

A razoabilidade tributária está insculpida no parágrafo primeiro do artigo 145, da CF88, segundo o qual os impostos serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, revelando, portanto, a proporcionalidade como o postulado com a qual os entes públicos devem guiar suas ações relacionadas à tributação.


FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A função social da empresa é o princípio segundo o qual a atividade empresarial, além de atender aos fins particulares do empresário e da sociedade empresária, deve também refletir suas ações em benefícios à coletividade.

Trata-se de princípio não expresso na Constituição Federal de 1988, sendo a sua incidência sobre a atividade empresária uma consequência lógica da função social da propriedade, tendo em vista a empresa ser uma propriedade do empresário.

No artigo 5º, da CF88, o inciso XXIII informa que a propriedade atenderá a sua função social.

No artigo 170, da Carta Magna, temos que a função social da propriedade é princípio que reflete seus efeitos na “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

A recuperação da empresa tem, dentre seus objetivos, a preservação da atividade com vistas à promoção da sua função social, pois o socorro às empresas não é uma proteção à pessoa do empresário, mas para os benefícios sociais advindos do pleno funcionamento da empresa.

Na LRF, em seu artigo 47, a função social da empresa expressa-se em teor principiológico, cabendo ao aplicador do Direito conferir seu sentido e seu alcance.

Com vistas a dar um recorte de como vislumbra o campo de incidência do princípio, Rachel Sztajn (2007, p. 223), ensina que:

“A função social de empresa presente na redação do artigo, indica, ainda, visão atual referentemente à organização empresarial, cuja existência está estribada na atuação responsável no domínio econômico, não para cumprir as obrigações típicas do Estado nem substituí-lo, mas sim no sentido de que, socialmente, sua existência deve ser balizada pela criação de postos de trabalho, respeito ao meio-ambiente e à coletividade e, nesse sentido é que se busca preservá-la”.

No entanto, a autora (2007, p. 223) não tira de mira a lucratividade, precípua finalidade da empresa, entendendo que “a função social da empresa só será preenchida se for lucrativa, para o que deve ser eficiente”.


ESTÍMULO À ATIVIDADE ECONÔMICA

O estímulo à atividade econômica evidencia uma escolha legislativa ideológica, mas também o reconhecimento de que o meio produtivo age como propulsor da conquista de acesso a direitos, podendo o Estado atuar no estímulo à atividade econômica de formas variadas.

O artigo 174, da CF88, estabelece a natureza do Estado no contexto de sua atuação na atividade econômica dos empreendedores, como “agente normativo e regulador da atividade econômica”, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento.

No âmbito da Recuperação de Empresa, o auxílio do Estado pode atuar no estímulo à economia, de modo a impedir a falência do negócio por meio da recuperação da empresa.


MODALIDADES DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA: JUDICIAL E EXTRADUDICIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A recuperação judicial, nos termos do artigo 47, da LRF, tem o objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, prevendo (não exaustivamente) as situações e os destinatários do instituto de socorro.

Somente empresas viáveis são destinatárias da Recuperação Judicial, pois o instituto não repousa seus objetivos na pessoalidade do sujeito empresário, mas na coletividade que experimenta(ria) os efeitos da quebra.

Nesse sentido, é o que ensina Fábio Ulhôa (2011, p. 412):

“Como é a sociedade brasileira como um todo que arca, em última instância, com os custos da recuperação das em‑ presas, é necessário que o Judiciário seja criterioso ao definir quais merecem ser recuperadas. Não se pode erigir a recuperação das empresas em um valor absoluto. Não é qual‑ quer empresa que deve ser salva a qualquer custo”.

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Assim, sendo viável a concessão, a recuperação judicial objetiva a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

Nesse passo, são candidatas à Recuperação Judicial, as empresas que tenham mais de 2 anos à época do pedido e que, cumulativamente, 1) não sejam falidas ou, sendo, que as responsabilidades estejam extintas por sentença transitada em julgado; 2) não tenha obtido a recuperação judicial em processo diverso há menos de 5 anos, atinente ou não às Microempresas e Empresas de empresas de Pequeno Porte; 4) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na LRF.

Quanto aos créditos, estão sujeitos à recuperação judicial todos aqueles existentes na data do protocolo da petição, ainda que não vencidos, verificando-se importante ampliação, comparando-se ao disposto no Dec-Lei nº 7661/45, cuja incidência restringia-se apenas aos quirografários, no bojo de uma concordata.

RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A recuperação extrajudicial é um acordo firmado entre devedor e credores, fora de um processo judicial, condicionado, porém, à homologação do Poder Judiciário.

Considerando essa peculiaridade, para Francisco Satiro de Souza Junior (2007, p. 524), a natureza da recuperação extrajudicial “encontra-se no espaço existente entre a recuperação judicial (que atinge maior número de credores e acarreta um sem número de efeitos) e o acordo simples”.

Tal como a recuperação Judicial, a modalidade extrajudicial tem o objetivo de auxiliar na solução da crise econômico-financeira da empresa, de modo a que mantenha suas atividades, os empregos que gera e honre com os compromissos com os credores.

Nesse quadro, entende-se que a recuperação extrajudicial é norteada pelos mesmos princípios do modelo judicial, razão pela qual optou-se por nomear o capítulo de “Princípios da Recuperação de Empresas”, sem vinculá-lo a uma ou outra modalidade.

Para ter concedido o benefício da Recuperação Extrajudicial, há de se cumprir requisitos, por parte dos devedores, de modo a não ampliar o rol a devedores que não carecem desse apoio estatal, devendo observar os mesmos requisitos da forma judicial.

Ainda, na esteira de Sátiro (2007, p. 524), recomenda-se a recuperação judicial “para problemas estruturais generalizados que exijam reformas societárias ou operações de grande complexidade especialmente envolvendo relevantes alterações em direitos de garantia e propriedade”.


O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

O processo da recuperação judicial se desenvolve em três fases: fase postulatória, fase deliberatória e fase executória.

A fase postulatória, como processo que é, inicia-se com a petição inicial. Assim, o empresário ou a sociedade empresária, por seu procurador, apresenta a petição para solicitar o benefício do instituto.

A fase postulatória tem seu termo com o ato judicial no qual o magistrado manda processar o pedido, momento em que analisa tão somente os aspectos formais da documentação apresentada. Estando em ordem a documentação exigida, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial.

Com o processamento, finaliza-se a fase postulatória e inicia-se a fase deliberatória.

É nessa fase, após o despacho de processamento, que ocorre a deliberação dos credores por ocasião da assembleia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros. A fase deliberatória encerra-se com a decisão concessiva da recuperação judicial. Inicia-se, então, a fase executória.

Conforme ensinamento de Ulhôa, “a chamada de fase de execução, compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de encerramento do processo”.


CONCLUSÃO

Em momentos de crise econômico-financeira como a que o país experimenta atualmente, a sociedade, e não apenas o empresário, arcam com pesadas consequências advindas da quebra de empresas, pois empregos são perdidos, negócios são fechados, a produção regride, a arrecadação tributária diminui, dentre outras pesadas consequências que atingem todo o tecido social.

Nesse contexto, é fundamental ao Estado, à sociedade, aos empresários e sociedades empresárias disporem de mecanismos para proteger a atividade econômica, de modo a preservar a empresa e tudo o mais que orbita em torno dela.

A recuperação de empresas, nesse contexto, revela-se como um importante avanço no mecanismo de proteção da atividade empresária e à sociedade.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Lei de Recuperações e Falências. Lei n. 11.101 de 9 de fevereiro de 2005.

BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945.

BRASIL, Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

FAZZIO, Waldo. Lei de falências e recuperação de empresas. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2010.

MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro, volume 4: Falência e recuperação de empresas. – São Paulo: Atlas, 2006.

LACERDA, J. C. Sampaio de José. Manual de Direito falimentar. 3ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965;

RÔLA, José Alberto. Recuperação de Empresas e Falências. – Fortaleza: Imprece Editorial, 2011.

Comentários à lei de Recuperações e Falências. Coordenação: Francisco Satiro de Souza Junior Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. 2ª edição. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007.

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