Um novo processo de escolha para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal

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28/08/2017 às 15:36
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O poder não emana do povo no momento em que as normas do estado brasileiro são postas de acordo com a visão de ministros escolhidos por um processo quase que banalizado de tão simples. Essa é uma falha do sistema brasileiro, que deve ser revista e consertada imediatamente.

RESUMO:O presente trabalho propõe um novo processo de escolha para o cargo de ministros da Suprema Corte brasileira, proposta essa que terá como ponto de partida a relevância das decisões por ela tomadas. Será ressaltada, no decorrer do texto, a necessidade de uma legitimidade democrática para os ministros do STF, em razão das amplas consequências de suas decisões, que ultrapassam as paredes do plenário do tribunal e atingem a vida de inúmeros brasileiros. A legitimidade supracitada será garantida, como se verá no desenvolvimento do texto, por meio de uma participação mais ativa dos representantes políticos no processo de escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Processo de escolha dos ministros do STF; Justiça Constitucional; Legitimidade democrática; Amplitude dos efeitos dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal.

ABSTRACT:The present study proposes a new choice-making process for the justices of the brazilian Supreme Court. This proposal will have as bottom line the importance of each decision taken by the court itself. The necessity of a democratic legitimacy for the court’s justices will be emphasized because of the wide range of consequences their decisions knowingly have, since these decisions go way beyond the court’s walls and reach the lives of the brazilian people. Their legitimacy will be guaranteed through a more active participation of the political representatives in the already mentioned choice making process for a justice of the brazilian Supreme Court.

Keywords: Choice making process of the Supreme Court’s justices; Constitutional Justice; Democratic legitimacy; Range of consequences of the brazilian Supreme Court’s decisions.


Considerações Preliminares

Na tripartição dos poderes estabelecida pela Constituição Federal, fica incumbido a todos os juízes do Poder Judiciário o dever de julgar e aplicar as leis do nosso país.[1] As funções práticas dos juízes variam de acordo com seus cargos, mas o trabalho resume-se,grosso modo, à aplicação das leis brasileiras nos casos concretos produzidos pelos fenômenos sociais.[2] Nesse sentido, os juízes são como uma fonte de justiça responsável por solucionar os problemas sociais, tomando como referência as leis brasileiras e a orientação jurisprudencial postas.

A função de juiz, contudo, é realizada de diferentes maneiras, e em diferentes esferas da justiça brasileira, em razão da divisão interna do judiciário.[3] O objetivo do presente artigo é abordar a função do Supremo Tribunal Federal (STF) no sistema judiciário brasileiro, já que ele tem provavelmente a mais determinante atuação entre os tribunais brasileiros.

A constituição brasileira dá ao STF, no caput do artigo 102[4], a responsabilidade de “guardar a Constituição”, e mais tarde nesse mesmo artigo descreve as formas do Supremo exercer essa proteção do texto constitucional. Em suma, ela é exercida com o julgamento de ações e recursos relacionados ao descumprimento de algum preceito constitucional que chegam à Suprema Corte.

Nesse sentido, como se sabe, é dever do STF, quando provocado, julgar se uma decisão judicial, uma lei, ou outra norma jurídica brasileira, segue as determinações e as diretivas do texto constitucional. É dessa forma que o Supremo exerce o controle de constitucionalidade, que consiste, como foi dito, na verificação da compatibilidade entre as normas infraconstitucionais e o próprio texto constitucional, ao qual elas estão subordinadas.

O controle de constitucionalidade é, entretanto, uminstitutojurisdicional extremamente complexo, podendo ser exercido no Brasil de cinco maneiras diferentes, sendo que cada uma dessas maneiras é repleta de especificidades e pormenores.[5] É por isso que o presente artigo não adentrará as características do controle de constitucionalidade em si, nem das formas como ele deve ser exercido, mas se dedicará à ideia por trás de sua utilização, e principalmente do poder que possui aquele capaz de exercê-lo.

Verifica-se que a função jurisdicional do STF torna necessária uma escolha apropriada de seus ministros, que tomarão decisões determinantes para o país.Entretanto, o processo de nomeação utilizado hoje possui imperfeições que o tornam antidemocrático. Essa realidade foi a causa para a elaboração de um estudo sobre o sistema de escolha brasileiro, assim como uma proposta de mudança, que tem como meta a democratização do tão importante processo de escolha de um ministro para o Supremo Tribunal Federal.

O estudo terá como foco a falta de fiscalização das indicações presidenciais pelo Senado, que há anos não recusa um ministro.  A proposta, por sua vez, terá como meta incluir de forma mais profunda o Congresso Nacional na nomeação dos ministros, aumentado o quórum para a aprovação de um ministro, assim como incluindo a Câmara dos Deputados no processo de aceitação da indicação. É importante salientar que o objetivo do artigo é principalmente expor a falha do sistema atual, propondo brevemente soluções para o processo de escolha dos ministros. Não será proposta uma reforma constitucional concreta e pronta, mas serão introduzidos alguns princípios segundos os quais uma alteração constitucional deve ser realizada.[6]

Antes de tudo, no entanto, será justificada a necessidade dessa alteração. Justificativa essa que terá como ponto de partida o poder de decisão dado a cada ministro no momento em que eles são nomeados.


Da relevância da atuação do Supremo Tribunal Federal

Ao realizar o controle de constitucionalidade nos processos objetivose subjetivos, o Supremo tem o dever de julgar se determinada lei ou ato normativo está em harmonia com a constituição.[7]-[8]-[9]-[10] O interessante dessa competência é que, obviamente, é necessário saber o que o texto constitucional determina em sua redação antes de se julgar se uma norma jurídica está ou não de acordo com ele. Em outras palavras, é necessário saber as diretivas da Constituição antes de julgar o que está ou não de acordo com elas.

Saber quais são as diretivas da Constituição significa dar uma interpretação ao texto constitucional, ou seja, estabelecer quais das possíveis interpretações do texto é a que deve ser aplicada. Isso porque a constituição brasileira, de caráter analítico, é composta majoritariamente por normas abrangentes, que estão sujeitas a inúmeras leituras, já que são abstratas e, na maioria das vezes, não tratam de casos concretos. É por causa disso que outra competência do STF é justamente definir qual dos vários entendimentos possíveis da redação constitucional é o correto, para então julgar quais normas são ou não compatíveis com ela.

Tendo isso em mente, o jurista Mauro Cappelletti escreve em seu livro Juízes Legisladores (?):

(...) o uso mais simples da linguagem legislativa sempre deixa, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e sempre permitem ambiguidades e incertezas que, em última análise, devem ser resolvidas na via judiciária (...).[11]

Esse curto trecho mostra que não há redação de norma capaz de retirar do juiz a possibilidade de dar uma interpretação distinta da vislumbrada pelo legislador, mudando, por consequência, o seu entendimento. O STF, na verdade, já mudou a aplicação da Constituição por meio da introdução de uma nova interpretação da redação do texto constitucional. Foi o caso da decisão a favor da união homoafetiva[12], na qual os ministros entenderam o parágrafo 3º do artigo 226 de forma diferente da interpretação tradicional[13],julgando que sua redação não excluía a união entre pessoas do mesmo sexo.[14]

Esse poder interpretativo se mostra, então, poderosíssimo, uma vez que serve como uma carta branca por dar espaço para leituras textuais completamente contrárias à interpretação tradicional e literal da Constituição, como ocorreu no caso do julgamento da ADPF 132.[15]

Otto Pfersmann escreve sabiamente que:

Ao contrário do que sugere a doutrina tradicional, não é a “Constituição” ou a “lei” que prescreve suas ações, pois os textos são indeterminados e não têm, por sua vez, significado. Este é atribuído pelo autor que o interpreta.[16]

Um texto é composto por palavras com significados volúveis e ambíguos, que pouco dizem por si só. O que realmente as define é o que se entende dela, ou seja, aquilo que se extrai da redação constitucional. Ronaldo Xavier escreve que “(...) as palavras em uma lei são meros símbolos da linguagem para viabilizar a comunicação, buscando, portanto, passar uma informação (...)”.[17] Sendo assim, o importante das palavras é o sentido que elas transmitem, e não a forma como elas são escritas ou postas em um texto.

O caso da ADPF 132 mostrou que a interpretação é o que realmente determina o significado extraído do texto, e que é esse significado o que estabelece a forma como o texto constitucional será aplicado, uma vez que hoje é permitido o casamento entre casais homossexuais.

Como é o Supremo quem define em seus julgamentos o entendimento “correto” de uma norma constitucional, ele tem o poder de definir como o próprio texto constitucional será posto na prática, ou seja, como o texto constitucional irá interferir na vida dos cidadãos brasileiros, que é o que realmente importa. Essa realidade coloca um peso muito grande sobre os ombros de cada ministro do STF, por saberem que eles detêm, por meio do controle de constitucionalidade, o controle de estabelecer como a pedra angular do ordenamento jurídico brasileiro será aplicada.

Por causa dessa competência determinística, que se confunde com a do Poder Legislativo, uma escolha apropriada dos ministros é de fundamental importância para legitimar suas decisões, que afetam todo o país e tratam de matérias importantíssimas. A decisão com relação à união homoafetiva, por exemplo, mudou a vida de casais homossexuais, assim como a daqueles que eram contra o casamento deles. Dessa forma, as decisões do STF ultrapassam as paredes do tribunal, e atingem a vida de inúmeros brasileiros.

Isso torna necessária uma escolha democrática dos ministros, já que, como é o povo quem deve se governar em uma democracia, é ele também, por meio de seus representantes, que deve tomar as decisões importantes para o país. Como os ministros do STF tomam decisões sobre questões extremamente relevantes para o Brasil, é o povo quem deve escolhê-los. Caso contrário, não se estaria respeitando o poder do povo determinado pela própria etimologia da palavra democracia.

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Como o Brasil é um país democrático, é preciso seguir o princípio rousseauistacunhado ainda no século XVIII segundo o qual: “(...) a lei é a expressão da vontade geral(...)”.[18]Por essa razão, se a lei é não só seu mero texto, mas também o entendimento dado a ele, e é o STF quem dá à norma constitucional o seu entendimento, o povo deve ser capaz de expressar sua vontade por meio do STF para de fato controlar a produção legislativa brasileira. E o povo só pode expressar sua vontade pelo STF se ele for representado por ele, sendo que essa representação, seguindo os parâmetros político democráticos brasileiros, só é real quando é o povo quem escolhe, democraticamente, os próprios membros do Supremo. Isso não ocorre, todavia, no Brasil de hoje, onde a escolha do ministro é quase que unicamente da presidente, o que torna necessária uma mudança estrutural no processo de escolha dos ministros, a fim de torná-la uma escolha democrática.


Do processo de escolha brasileiro

No sistema de escolha atual, um ministro deve ser indicado ao STF pelo Presidente da República e ter sua indicação aprovada pela maioria absoluta do Senado brasileiro. Fica claro, com isso, que o processo de escolha passa por algum tipo de aprovação política.  Essa aprovação, entretanto, é insuficiente por uma série de razões. Uma delas consiste na prática do Senado de nunca rejeitar uma indicação do presidente. Na verdade, de todos os ministros já indicados ao STF, só cinco tiveram suas indicações presidenciais rejeitadas antes que fossem nomeados. Todas elas no governo de Floriano Peixoto, na década de 90 do século XIX.[19]

Essa aceitação automática do Senado às indicações presidenciais formou tão forte tradição que hoje a recusa de um ministro seria uma afronta ao Poder Executivo. Ela quebraria um costume bem estabelecido que dura há mais de cem anos, causando assim um transtorno imenso no cenário político brasileiro. O Poder Executivo poderia se distanciar do Legislativo, causando uma série de dificuldades para os dois. Isso atrapalharia o processo de aprovação de uma lei, que, ao ser aprovada pelo Congresso, pode ser vetada pelo presidente, além de dificultar a manutenção de uma possível medida provisória do Poder Executivo, que deve sempre passar pela aprovação do plenário do Congresso.

Em suma, a recusa de um ministro poderia desestabilizar um sistema de troca de favores e cordialidades entre os poderes executivo e legislativo, e isso dificultaria o diálogo entre os dois. Esse contexto faz a passagem da indicação pelo Senado perder seu sentido, uma vez que é feita vista grossa sobre as indicações presidenciais para ministro do Supremo Tribunal.

O objetivo da tripartição dos poderes de um estado, guiada pelo princípio dos “checks and balances”, é que um poder fiscalize o outro, para que as decisões importantes sejam tomadas pelo estado como um todo, e não só por uma parte dele.[20] Esse objetivo se estende também para a escolha de um ministro para o Supremo Tribunal, que não deixa de ser relevantíssima, como foi exposto. No entanto, a prática do Senado supracitada impossibilita a fiscalização das escolhas presidenciais para o cargo. Em outras palavras, o único método de controle das escolhas para a vaga de ministro do STF previsto na Constituição não funciona, por jamais ser utilizado. Isso anula qualquer tipo de democratização do processo de escolha

De acordo com o autor francês Michel Troper, uma composição de Suprema Corte como a do STF não é democrática, já que não é, segundo ele, representativa. Troper escreve também que o tipo de controle jurisdicional de constitucionalidade utilizado no Brasil fere princípios democráticos, já que subordina as decisões do Parlamento (Congresso Nacional) e do Presidente da República, democraticamente eleitos, a um grupo de juízes que nem mesmo receberam a aprovação direta da maioria da população.Para corrigir esse erro, Troper propõe a eleição direta dos juízes para compor a Suprema Corte, por pensar que o povo deve estar representado em uma corte que tomará decisões determinantes para o rumo do seu país.[21]

Essa visão do autor francês pode ser considerada radical pelos parâmetros atuais de escolha de um ministro, mas é algo a ser pensado, já que, no modelo atual, um grupo de ministros não eleitos de fato pode controlar as decisões de um grupo muito maior de deputados e senadores eleitos. Em outras palavras, os escolhidos pela própria população tem suas decisões legislativas completamente subordinadas ao aval do Supremo, que pode invalidá-las ao declará-las inconstitucionais. Uma lei complementar, por exemplo, pode ser declarada inconstitucional pelos ministros depois de ser pormulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Troper percebe essa incongruência sistêmica, e por isso propõe a eleição para o cargo de ministro. Essa maneira encontrada por ele, no entanto, se mostra desnecessária por vivermos em uma democracia representativa no Brasil. É certo que algumas escolhas dos políticos no Congresso não estão de acordo com a vontade da maioria da população brasileira, mas eles têm legitimidade para tomar as decisões políticas importantes do Brasil no lugar dela. É sistematicamente incoerente deixar os senadores e deputados aprovarem uma lei e, ao mesmo tempo, impedi-los de escolher os ministros do STF. É provável que a nomeação de um ministro do Supremo seja mais importante do que a aprovação de uma lei, mas ambas são decisões pertinentes relacionadas à competência legislativa no Brasil, e por isso podem ser decididas pelo mesmo órgão.

O Congresso, com o apoio do Presidente, pode aprovar uma lei, e o Presidente, como apoio do Congresso, deve ter o poder de nomear um ministro para a Suprema Corte. Como foi mencionado, o Brasil é um país onde a democracia representativa foi escolhida, e nela o povo não é consultado a todo momento para a tomada de decisões. Na verdade, nela o povo dá o seu poder de escolha aos seus representantes, nos quais ele confia e acredita, com o objetivo de otimizar o processo de decisão democrática.

O problema do modo de escolha atual não está na falta de eleição para os ministros da Suprema Corte, mas sim no processo realizado pelo Congresso e pelo presidente para escolhê-los, que está longe de ser democrático. Não é democrático porque dá poder demais a uma só pessoa: o presidente, cuja indicação para um cargo tão importante não é contestada, mas aceita com uma facilidade que não pertence à democracia. Não pertence porque numa democracia se discute posições e ideologias contrapostas, para que todas as opiniões sejam postas e, só então, seja tomada a melhor decisão. Isso não se faz presente em um processo de escolha como o do Brasil de hoje, que se assemelha a um processo autocrático[22], por estar restrito quase que exclusivamente ao presidente.

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