A inviolabilidade à privacidade (intimidade, vida privada, honra e imagem): CF/88 x atual realidade

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Nos tempos modernos, em virtude do avanço da tecnologia e dos meios de comunicação, torna-se cada vez mais comum a quebra do princípio da inviolabilidade à privacidade. Os danos causados, porém, vão muito além dos materiais, e podem causar sequelas irreparáveis.

RESUMO:O princípio da inviolabilidade à privacidade está previsto em nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, dispondo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 

Ocorre que, nos tempos modernos, em virtude do avanço da tecnologia e dos meios de comunicação, torna-se cada vez mais comum a quebra deste princípio, resultando em danos materiais e, principalmente morais, que muitas vezes trazem consequências irreparáveis em virtude da repercussão social de certos atos.

Diante disto, é de fundamental importância uma maneira lícita e eficaz de proteger, garantir e, principalmente, controlar a inviolabilidade à privacidade das pessoas para evitar a ocorrência de danos que muitas vezes se tornam irreparáveis.          

Palavras-chave: Crimes cibernéticos, inviolabilidade à privacidade, vida privada, honra, imagem, intimidade, dano moral.


INTRODUÇÃO

O rápido avanço da tecnologia e dos meios de comunicação já faz parte do cotidiano, sendo inegável sua essencialidade ao desenvolvimento do mundo moderno e à evolução da humanidade. Por um lado, implica na rápida comunicação, facilitando o desenvolvimento econômico, social e cultural.

Por outro lado, essa rápida troca de informações traz consigo um grande risco à intimidade, à vida privada, à moral e à imagem das pessoas. A facilidade e rapidez de compartilhamento de dados pessoais, quando utilizadas com intenção de prejudicar alguém, podem trazer consequências irreparáveis e imensuráveis.

Atualmente, a maioria dos equipamentos possuem câmeras fotográficas, o que facilita fazer com que qualquer pessoa registre momentos prejudiciais (ou constrangedores) de terceiros e, através dos meios de comunicação, propagar seu registro, violando facilmente um direito fundamental “teoricamente inviolável”.

A vivência neste período de grandes avanços tecnológicos e, sobretudo, diante da constante violação deste princípio imprescindível à dignidade humana, tornou-se fundamental a elaboração deste estudo, voltado a buscar maneira lícita e eficaz de proteção, garantia e, principalmente, controle da inviolabilidade à privacidade das pessoas.


Crimes cibernéticos.

Os avanços tecnológicos das últimas décadas trouxeram uma impactante evolução à sociedade diante da utilização da internet através de equipamentos eletrônicos. A facilidade e praticidade ao acesso traz como consequência uma sociedade constantemente “conectada”. Porém, assim como nos meios físicos, nos meios virtuais também existe a prática de crimes, conhecidos como crimes cibernéticos ou virtuais.

O crime cibernético é uma conduta típica, antijurídica e culpável, praticada com auxílio ou contra sistemas de informática ou comunicação. A maioria dos crimes praticados virtualmente já existiam antes da propagação da internet e dos sistemas computacionais, utilizando-se destes meios apenas como forma de disseminação. Ou seja, não é necessária a existência de internet para que o crime exista. Estes crimes virtuais são caracterizados como impróprios.

Neste sentido, Vianna[2] define tais crimes (2001, p. 37):

“[…] Delitos informáticos impróprios são aqueles nos quais o computador é usado como instrumento para a execução do crime, mas não há ofensa ao bem jurídico nem inviolabilidade da informação automatizada (dados).

Sua popularidade é grande e, na maioria das vezes, para seu cometimento não há necessidade que o agente detenha grandes conhecimentos técnicos do uso de computadores.  […]”.

Diferente destes, os crimes virtuais próprios são aqueles que surgiram quase que conjuntamente com a internet, dependendo da utilização desta para que os mesmos existam.

Os crimes contra a honra – calúnia (art. 138, CP), difamação (art. 139, CP), injúria (art. 140, CP) são exemplos de crimes cibernéticos impróprios. Já a invasão de computador ou celular para a captura de dados ou informações pessoais é um exemplo de crime cibernético próprio. Desta forma, entende-se que a inviolabilidade à vida privada ocorre tanto de natureza própria como imprópria, sendo indiscutível que o uso destes meios serve como ferramenta para uma maior repercussão da ação danosa.

Jéssica de Jesus Almeida[3] define crimes cibernéticos como: “[...] condutas ilícitas que atinge todo o bem jurídico já tutelado, crimes, portanto que já tipificados que são realizados agora com a utilização do computador e da rede, utilizando o sistema de informática seus componentes como mais um meio para realização do crime, e se difere quanto a não essencialidade do computador para concretização do ato ilícito que pode se dar de outras formas e não necessariamente pela informática para chegar ao fim desejado [...]”.


Lei 12.737/02 (Lei Carolina Dieckmann).

O momento crucial em questão ocorre justamente com a exposição da vida privada alheia nos meios de comunicação, não importando a forma de aquisição do objeto divulgado, mas sim as consequências deste ato à pessoa prejudicada. Tratam-se de situações que, após sua ocorrência, trazem consigo quadros irreversíveis, ou seja, são situações irreparáveis diante da potencialidade do dano moral – principalmente – e/ou material ocorridos.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura valores sociais imprescindíveis à uma sociedade democrática, dentre estes, em seu artigo 5º, inciso X, está previsto que (in verbis):

“CF/88 – Art.5º, X, - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Assim sendo, inclui-se a este rol todas informações automatizadas, desde mensagens, imagens, vídeos, entre quaisquer informações que se entendam como particular à intimidade do indivíduo. Desta forma, o Direito Penal reconhece um novo bem jurídico a ser tutelado, devendo protege-lo.

O Código Penal Brasileiro não possuía proteção quanto aos crimes cibernéticos, por conta de sua legislação, no que tange à Parte Especial, ser do ano de 1940, período em que não se cogitava a necessidade de preservação dos direitos à luz do tema. Ocorre que, no ano de 2012, em decorrência da contínua prática de delitos virtuais e da necessidade de uma lei exclusiva acerca do tema, entrou em vigor a Lei 12.737, de 30/11/2012, popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann, por se tratar de um caso de divulgação da intimidade de uma atriz brasileira que repercutiu nacionalmente.

A lei 12.737/02 trouxe alterações à seção IV do Código Penal brasileiro, acrescentando-lhe os artigos 154-A e 154-B, buscando proteger quaisquer violações em dispositivos informáticos (in verbis):

“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.

§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

§ 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidas.

§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.           

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Entretanto, mesmo existindo Lei com penalidade específica quanto ao tema, é inegável a contínua ocorrência deste delito, permanecendo a violabilidade à intimidade e à vida privada, que é diferenciada por Alexandre de Moraes[4] da seguinte forma (2014, p. 54):

“[...] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc. [...]”     


Dano moral, material e psicológico.

Contudo, havendo violabilidade, a Constituição Federal garante ao ofendido o direito à indenização, seja por dano material, moral ou à imagem, com fulcro no artigo 5º, inciso V, concedendo a reparação total em decorrência dos prejuízos ocasionados. Neste tocante, Alexandre de Moraes afirma que (2014, p. 50):

“[...] O art. 5º, V, não permite qualquer dúvida sobra a obrigatoriedade da indenização por dano moral, inclusive a cumulatividade dessa com a indenização por danos materiais”.           

Moraes complementa (2014, p. 51):

“[...] ressalte-se, portanto, que a indenização por danos morais terá cabimento seja em relação à pessoa física, seja em relação à pessoa jurídica e até mesmo em relação às coletividades (interesses difusos ou coletivos); mesmo porque são todos titulares dos direitos e garantias fundamentais desde que compatíveis com suas características de pessoas artificiais [...]”          

Quanto ao dano psicológico, existem divergências doutrinárias no tocante à sua análise objetiva. Alguns doutrinadores atribuem ao julgador a análise do dano psicológico diante de seus aspectos subjetivos. Porém, um estudo de perícia de danos psicológicos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) traz o seguinte entendimento:

“Do ponto de vista da ciência psicológica, o dano psicológico é evidenciado pela deteriorização das funções psicológicas, de forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada ou culposa de alguém, e que traz para a vítima tanto prejuízos morais quanto materiais, face à limitação de suas atividades habituais ou laborativas. A caracterização do dano psicológico requer, necessariamente, que o evento desencadeante se revista de caráter traumático, seja pela importância do impacto corporal e suas consequências, seja pela forma de ocorrência do evento, podendo envolver até a morte”.[5]          

O estudo complementa:

“A caracterização do dano psicológico, em termos jurídicos, irá depender da magnitude do prejuízo produzido pelo ato ilícito, das consequências para as pessoas que estão diretamente envolvidas com aquele que sofreu o dano, ou seja, graus de dependência e extensão da mesma, custo e tipo de terapia indicada para a recuperação de todos os envolvidos”.


PROCEDIMENTOS METOLÓGICOS

A técnica será desenvolvida através da documentação indireta, envolvendo pesquisa bibliográfica e documental. Como instrumento de coleta de dados será utilizado no estudo de caso, entrevistas e formulários.


RESULTADOS E DISCUSSÕES

Mesmo existindo penalidade e direito à indenização, o que comumente acontece diz respeito às consequências imensuráveis e/ou irreparáveis decorrentes da inviolabilidade de um princípio constitucional.

Trata-se de situações em que a exposição da vida privada poderá resultar em danos psicológicos irreparáveis como por exemplo, o suicídio ou o rompimento de matrimônio em virtude da exposição íntima de sua vida.

Nestes casos, não vai importar se a forma de obtenção do dado compartilhado ocorreu de forma lícita ou ilícita, importando apenas a consequência danosa. Assim, por mais que a justiça arbitre um valor elevado como forma de tentar suprir o dano moral e/ou material sofridos, para a vítima, a consequência seria irreversível, impossibilitando a reparação por valor pecuniário em virtude do dano ocorrido.       


REFERÊNCIAS

VIANNA, Túlio Lima. Do acesso não autorizado a sistemas computacionais. Dissertação de Mestrado, UFMG, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30.ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.

Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ - RJ, ano 5, n.2, 2° semestre de 2005 – pg. 123

ALMEIDA, Jéssica de Jesus. et al. Crimes cibernéticos. Periódicos Grupo Tiradentes, v. 2, p. 225, 2015.


Notas

[2] Vianna, Túlio Lima. Do acesso não autorizado a sistemas computacionais. Dissertação de Mestrado, UFMG, 2001.

[3] ALMEIDA, Jéssica de Jesus. et al. Crimes cibernéticos. Periódicos Grupo Tiradentes, v. 2, p. 225, 2015. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/index.php/cadernohumanas/article/viewFile/2013/1217. Acessado em 20.04.2017.

[4] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30.ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.

[5] Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ - RJ, ano 5, n.2, 2° semestre de 2005 – pg. 123 - http://www.revispsi.uerj.br/v5n2/artigos/aj06.pdf - Acessado em 20.04.2017.

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Sobre os autores
Francisco Wellyson Uchôa Moura

Advogado na área criminal, especialista em Ciências Criminais.

Luis Carlos Oliveira Linhares

graduando em direito na Faculdade Luciano Feijão (FLF).

Paulo Ricardo Carvalho Linhares

Graduando em direito na Faculdade Luciano Feijão- FLF.

João Paulo Barbosa de Freitas

Graduando em direito na Faculdade Luciano Feijão- FLF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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