RESUMO:O princípio da inviolabilidade à privacidade está previsto em nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, dispondo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Ocorre que, nos tempos modernos, em virtude do avanço da tecnologia e dos meios de comunicação, torna-se cada vez mais comum a quebra deste princípio, resultando em danos materiais e, principalmente morais, que muitas vezes trazem consequências irreparáveis em virtude da repercussão social de certos atos.
Diante disto, é de fundamental importância uma maneira lícita e eficaz de proteger, garantir e, principalmente, controlar a inviolabilidade à privacidade das pessoas para evitar a ocorrência de danos que muitas vezes se tornam irreparáveis.
Palavras-chave: Crimes cibernéticos, inviolabilidade à privacidade, vida privada, honra, imagem, intimidade, dano moral.
INTRODUÇÃO
O rápido avanço da tecnologia e dos meios de comunicação já faz parte do cotidiano, sendo inegável sua essencialidade ao desenvolvimento do mundo moderno e à evolução da humanidade. Por um lado, implica na rápida comunicação, facilitando o desenvolvimento econômico, social e cultural.
Por outro lado, essa rápida troca de informações traz consigo um grande risco à intimidade, à vida privada, à moral e à imagem das pessoas. A facilidade e rapidez de compartilhamento de dados pessoais, quando utilizadas com intenção de prejudicar alguém, podem trazer consequências irreparáveis e imensuráveis.
Atualmente, a maioria dos equipamentos possuem câmeras fotográficas, o que facilita fazer com que qualquer pessoa registre momentos prejudiciais (ou constrangedores) de terceiros e, através dos meios de comunicação, propagar seu registro, violando facilmente um direito fundamental “teoricamente inviolável”.
A vivência neste período de grandes avanços tecnológicos e, sobretudo, diante da constante violação deste princípio imprescindível à dignidade humana, tornou-se fundamental a elaboração deste estudo, voltado a buscar maneira lícita e eficaz de proteção, garantia e, principalmente, controle da inviolabilidade à privacidade das pessoas.
Crimes cibernéticos.
Os avanços tecnológicos das últimas décadas trouxeram uma impactante evolução à sociedade diante da utilização da internet através de equipamentos eletrônicos. A facilidade e praticidade ao acesso traz como consequência uma sociedade constantemente “conectada”. Porém, assim como nos meios físicos, nos meios virtuais também existe a prática de crimes, conhecidos como crimes cibernéticos ou virtuais.
O crime cibernético é uma conduta típica, antijurídica e culpável, praticada com auxílio ou contra sistemas de informática ou comunicação. A maioria dos crimes praticados virtualmente já existiam antes da propagação da internet e dos sistemas computacionais, utilizando-se destes meios apenas como forma de disseminação. Ou seja, não é necessária a existência de internet para que o crime exista. Estes crimes virtuais são caracterizados como impróprios.
Neste sentido, Vianna[2] define tais crimes (2001, p. 37):
“[…] Delitos informáticos impróprios são aqueles nos quais o computador é usado como instrumento para a execução do crime, mas não há ofensa ao bem jurídico nem inviolabilidade da informação automatizada (dados).
Sua popularidade é grande e, na maioria das vezes, para seu cometimento não há necessidade que o agente detenha grandes conhecimentos técnicos do uso de computadores. […]”.
Diferente destes, os crimes virtuais próprios são aqueles que surgiram quase que conjuntamente com a internet, dependendo da utilização desta para que os mesmos existam.
Os crimes contra a honra – calúnia (art. 138, CP), difamação (art. 139, CP), injúria (art. 140, CP) são exemplos de crimes cibernéticos impróprios. Já a invasão de computador ou celular para a captura de dados ou informações pessoais é um exemplo de crime cibernético próprio. Desta forma, entende-se que a inviolabilidade à vida privada ocorre tanto de natureza própria como imprópria, sendo indiscutível que o uso destes meios serve como ferramenta para uma maior repercussão da ação danosa.
Jéssica de Jesus Almeida[3] define crimes cibernéticos como: “[...] condutas ilícitas que atinge todo o bem jurídico já tutelado, crimes, portanto que já tipificados que são realizados agora com a utilização do computador e da rede, utilizando o sistema de informática seus componentes como mais um meio para realização do crime, e se difere quanto a não essencialidade do computador para concretização do ato ilícito que pode se dar de outras formas e não necessariamente pela informática para chegar ao fim desejado [...]”.
Lei 12.737/02 (Lei Carolina Dieckmann).
O momento crucial em questão ocorre justamente com a exposição da vida privada alheia nos meios de comunicação, não importando a forma de aquisição do objeto divulgado, mas sim as consequências deste ato à pessoa prejudicada. Tratam-se de situações que, após sua ocorrência, trazem consigo quadros irreversíveis, ou seja, são situações irreparáveis diante da potencialidade do dano moral – principalmente – e/ou material ocorridos.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura valores sociais imprescindíveis à uma sociedade democrática, dentre estes, em seu artigo 5º, inciso X, está previsto que (in verbis):
“CF/88 – Art.5º, X, - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Assim sendo, inclui-se a este rol todas informações automatizadas, desde mensagens, imagens, vídeos, entre quaisquer informações que se entendam como particular à intimidade do indivíduo. Desta forma, o Direito Penal reconhece um novo bem jurídico a ser tutelado, devendo protege-lo.
O Código Penal Brasileiro não possuía proteção quanto aos crimes cibernéticos, por conta de sua legislação, no que tange à Parte Especial, ser do ano de 1940, período em que não se cogitava a necessidade de preservação dos direitos à luz do tema. Ocorre que, no ano de 2012, em decorrência da contínua prática de delitos virtuais e da necessidade de uma lei exclusiva acerca do tema, entrou em vigor a Lei 12.737, de 30/11/2012, popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann, por se tratar de um caso de divulgação da intimidade de uma atriz brasileira que repercutiu nacionalmente.
A lei 12.737/02 trouxe alterações à seção IV do Código Penal brasileiro, acrescentando-lhe os artigos 154-A e 154-B, buscando proteger quaisquer violações em dispositivos informáticos (in verbis):
“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
§ 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidas.
§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: I - Presidente da República, governadores e prefeitos; II - Presidente do Supremo Tribunal Federal; III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
Entretanto, mesmo existindo Lei com penalidade específica quanto ao tema, é inegável a contínua ocorrência deste delito, permanecendo a violabilidade à intimidade e à vida privada, que é diferenciada por Alexandre de Moraes[4] da seguinte forma (2014, p. 54):
“[...] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc. [...]”
Dano moral, material e psicológico.
Contudo, havendo violabilidade, a Constituição Federal garante ao ofendido o direito à indenização, seja por dano material, moral ou à imagem, com fulcro no artigo 5º, inciso V, concedendo a reparação total em decorrência dos prejuízos ocasionados. Neste tocante, Alexandre de Moraes afirma que (2014, p. 50):
“[...] O art. 5º, V, não permite qualquer dúvida sobra a obrigatoriedade da indenização por dano moral, inclusive a cumulatividade dessa com a indenização por danos materiais”.
Moraes complementa (2014, p. 51):
“[...] ressalte-se, portanto, que a indenização por danos morais terá cabimento seja em relação à pessoa física, seja em relação à pessoa jurídica e até mesmo em relação às coletividades (interesses difusos ou coletivos); mesmo porque são todos titulares dos direitos e garantias fundamentais desde que compatíveis com suas características de pessoas artificiais [...]”
Quanto ao dano psicológico, existem divergências doutrinárias no tocante à sua análise objetiva. Alguns doutrinadores atribuem ao julgador a análise do dano psicológico diante de seus aspectos subjetivos. Porém, um estudo de perícia de danos psicológicos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) traz o seguinte entendimento:
“Do ponto de vista da ciência psicológica, o dano psicológico é evidenciado pela deteriorização das funções psicológicas, de forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada ou culposa de alguém, e que traz para a vítima tanto prejuízos morais quanto materiais, face à limitação de suas atividades habituais ou laborativas. A caracterização do dano psicológico requer, necessariamente, que o evento desencadeante se revista de caráter traumático, seja pela importância do impacto corporal e suas consequências, seja pela forma de ocorrência do evento, podendo envolver até a morte”.[5]
O estudo complementa:
“A caracterização do dano psicológico, em termos jurídicos, irá depender da magnitude do prejuízo produzido pelo ato ilícito, das consequências para as pessoas que estão diretamente envolvidas com aquele que sofreu o dano, ou seja, graus de dependência e extensão da mesma, custo e tipo de terapia indicada para a recuperação de todos os envolvidos”.
PROCEDIMENTOS METOLÓGICOS
A técnica será desenvolvida através da documentação indireta, envolvendo pesquisa bibliográfica e documental. Como instrumento de coleta de dados será utilizado no estudo de caso, entrevistas e formulários.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Mesmo existindo penalidade e direito à indenização, o que comumente acontece diz respeito às consequências imensuráveis e/ou irreparáveis decorrentes da inviolabilidade de um princípio constitucional.
Trata-se de situações em que a exposição da vida privada poderá resultar em danos psicológicos irreparáveis como por exemplo, o suicídio ou o rompimento de matrimônio em virtude da exposição íntima de sua vida.
Nestes casos, não vai importar se a forma de obtenção do dado compartilhado ocorreu de forma lícita ou ilícita, importando apenas a consequência danosa. Assim, por mais que a justiça arbitre um valor elevado como forma de tentar suprir o dano moral e/ou material sofridos, para a vítima, a consequência seria irreversível, impossibilitando a reparação por valor pecuniário em virtude do dano ocorrido.
REFERÊNCIAS
VIANNA, Túlio Lima. Do acesso não autorizado a sistemas computacionais. Dissertação de Mestrado, UFMG, 2001.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30.ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ - RJ, ano 5, n.2, 2° semestre de 2005 – pg. 123
ALMEIDA, Jéssica de Jesus. et al. Crimes cibernéticos. Periódicos Grupo Tiradentes, v. 2, p. 225, 2015.
Notas
[2] Vianna, Túlio Lima. Do acesso não autorizado a sistemas computacionais. Dissertação de Mestrado, UFMG, 2001.
[3] ALMEIDA, Jéssica de Jesus. et al. Crimes cibernéticos. Periódicos Grupo Tiradentes, v. 2, p. 225, 2015. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/index.php/cadernohumanas/article/viewFile/2013/1217. Acessado em 20.04.2017.
[4] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30.ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
[5] Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ - RJ, ano 5, n.2, 2° semestre de 2005 – pg. 123 - http://www.revispsi.uerj.br/v5n2/artigos/aj06.pdf - Acessado em 20.04.2017.