A proteção das empresas em recuperação judicial na relativização da autonomia de vontade na composição de cláusulas resolutivas expressas em contratos privados

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Em que pese haver amparo legal para as empresas que vêm ultrapassando o desespero de uma grave crise econômica, ocorre efetiva desinformação das entidades empresariais sobre os métodos e soluções aplicáveis para o seu soerguimento.

Em que pese haver amparo legal para as empresas que vêm ultrapassando o desespero de uma grave crise econômica, ocorre efetiva desinformação das entidades empresariais sobre os métodos e soluções aplicáveis para o seu soerguimento, limitadas, inclusive, pelo possível sentimento de fracasso e perturbação que acomete o empresário pelas adversidades decorrentes do desequilíbrio financeiro do seu negócio.

Ressalvada a necessidade de orientação adequada, por intermédio de uma assessoria jurídica especializada, este esteio para a reorganização financeira vem cinzelado pela Lei especial Federal n. 11.101/2005, a qual trouxe alterações significativas a extinta denominação de “concordata”, disciplinada pelo Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, que atualmente apresenta disposições inovadoras e outras, as quais, eram antigamente previstas nas Leis anteriores ao referido decreto, pelo instituto da Recuperação Judicial de Empresas.

Dentre as diversas vantagens, cita-se algumas das prerrogativas, a exemplo: a égide do princípio da economia processual e a equidade de soluções para os conflitos que envolvem a empresa; a impossibilidade de atos de constrição e alienação de bens; a readequação do capital de giro; maximização da rentabilidade; a possibilidade de abertura de negociação com os credores; prazos elastecidos para pagamento; juros diferenciados, entre outras medidas satisfatórias para a continuidade das operosidades.

Neste sentido, possível o reequilíbrio econômico e, consequentemente, a satisfação de seus sócios, fornecedores, credores, empregados e, por fim a coletividade, em decorrência da função social que a empresa exerce.

Da premissa desta benesse, não é incomum observar que diversos contratos privados preveem o estabelecimento de cláusulas resolutivas expressas “ipso facto” em suas composições, caso uma das partes venha pedir auxílio ao Judiciário para valer-se de um plano de reorganização, que afetará o pagamento de credores, muitos destes terão a preferência de recebimento em detrimento de outros, como nos casos de verbas trabalhistas.

Salienta-se que as cláusulas resolutivas expressas nestes casos, operam mesmo que não haja inadimplência contratual.

Estas disposições cautelosas são instituídas pela autonomia das partes contratantes do negócio, precavendo-se das limitações de eventual pedido de Recuperação Judicial e possível insolvência dos ditames contratuais, ainda que em caráter provisório, da obrigação regulamentada.

Sabe-se que as partes detêm liberdade nos atos de contratar, a própria Constituição Federal, define em seu artigo 5º, II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

E na ausência de ilegalidade e abusividade, a possibilidade fica encapada pelo princípio da boa-fé objetiva na contratação. Desta feita, os entendimentos jurisprudenciais são claros no que tange a desnecessidade de revisão das disposições contratuais, casos que somente serão nulas ou modificadas, se acarretarem extremo prejuízo, como refere-se em certos casos de prostituição ao ordenamento jurídico, ferimento aos limites dos princípios consumeristas e liames desfavoráveis ao trabalhador.

Ademais, a corrente favorável à resolução contratual na incidência de previsão, defende o princípio da livre concorrência – art. 170, IV da Constituição Federal de 1988, que possibilita que a empresa em Recuperação Judicial institua outros contratos - o que, diga-se, pode ser alvo de receio no mercado, tendo em vista o risco de descumprimento das obrigações.

Deve-se lembrar o risco de consequência devastadora para uma cláusula “ipso facto” em contratos firmados com grandes empresas ou grupos, os quais necessitam estritamente de certos serviços para a continuidade de seus serviços, diante da ausência de concorrência no mercado, portanto a intervenção judicial é caso imperativo.

Ocorre que há divergência jurisprudencial acerca do tema, especialmente pelo consentimento das partes no negócio jurídico entabulado, aliado à força obrigatória dos contratos – pacta sunt servanda – e a legalidade intitulada pelo art. 474 da Norma Civil: “A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito (...)”.

Muito se percebe as recentes alterações dos entendimentos, os quais, apesar da legalidade da cláusula resolutiva expressa, não perpassam a necessidade de manifestação do Judiciário para a verificação dos pressupostos que justificariam o término contratual.

A própria Lei de Recuperação de Empresas em seu artigo 117 disciplina a possibilidade de continuidade dos contratos bilaterais, mesmo na decretação da falência, que é situação extrema.

Nesta senda, cabe racionalizar que a obrigação contratual não poderá colidir com o ordenamento jurídico, que apresenta diretrizes limitadoras à autonomia de vontades, relativizadas para o interesse público dentro da concepção de direito disponível, baseando-se nos princípios e regramentos jurídicos previstos na LRFE.

Não só em casos específicos, mas o pensamento deve ser implementado a fim de que seja relativizada para todas as empresas que possam ser prejudicadas com o Instituto da Recuperação Judicial pela paralização/término de um contrato que acarreta incidência direta na atividade econômica empresarial.

E é desta forma que se fortifica a geração de emprego e a circulação de recursos, que sobrepesam qualquer obstáculo para a superação da crise.

Com efeito, a empresa que ingressa com o pedido de Recuperação Judicial está resguardada pela chance de proteger-se das implicações trazidas por uma possível falência. Entende-se que é o ponto de êxito para a reorganização, a possibilidade de a empresa ser abrigada na forma mais ampla possível, instado sempre ao seu caráter social.  

E é vigor na Lei de Recuperação Judicial, apesar de que muitos entendimentos esbarram pelas disposições do Código Civil, não atentando ao que prediz a Lei especial, que exerce supremacia nestes casos.

Os Tribunais vêm relativizando o paradigma, podendo-se citar, o pedido do Grupo “OI”, uma das maiores, senão a maior, Recuperação Judicial do país. Obviamente que neste caso, o impacto social, caso não houvesse uma intervenção judicial, seria drástico para a sociedade.

Em trâmite na 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, nos autos n. 0203711-65.2016.8.19.0001, o magistrado Fernando Viana, no ano de 2016, enfatizou da seguinte forma, o pedido de suspensão da cláusula de resolução contratual:

As requerentes informam à inicial que grande parte de seus contratos que estão em vigor, inclusive os operacionais, contam com cláusulas de rescisão e de vencimento antecipado em caso de pedido de recuperação judicial por uma das partes. Essas cláusulas, comumente chamadas de ipso facto da insolvência, justamente por estabelecer que, mediante a declaração do estado de insolvência, como do pedido de recuperação judicial de uma das partes, há por si só a resolução do contrato de pleno direito, ainda que nenhuma obrigação nele tenha sido inadimplida. Sustentam as requerentes que, para prestar aos seus clientes os  serviços de comunicação, contratam com fornecedores a prestação de inúmeros  serviços, tais como a interconexão, constituição de redes de telecomunicações, direitos de passagem, além de outros cuja eventual rescisão pode afetar adversamente a prestação desses serviços.  

(...)

É preciso destacar de plano, o fato de não raras vezes o estado de insolvência está ligado tão somente à uma falta momentânea de liquidez, situação que neste momento prefacial parece ser o que levou as devedoras a formularem o seu pedido de recuperação judicial. Contudo, tal fato não pode se configurar, sem uma análise mais detida das relações contratuais existentes, a plena e clara configuração de que as devedoras não possuem meios para a satisfação dos contratos por elas firmados, devendo, com isso haver uma relativização do contido no art. 477 do CC. Grifei.

E isto é o que a Lei de Recuperação de empresas propõe ao negócio em risco: a organização da manutenção da produtividade para o estímulo ao interesse social. Veja-se o art. 47:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

E da leitura do artigo 49, §2º da legislação:

§ 2o As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.

Da leitura do dispositivo, as obrigações anteriores à recuperação devem manter os termos contratados, favoravelmente aos ditames intrínsecos na Lei de Recuperação de Empresas.

Deve ser plenamente considerado o entendimento de uma intervenção judicial no momento em que a rescisão contratual possa prejudicar ou não contribuir com a maximização de recursos para a superação da crise. O Código Civil não traz em seu corpo a contextualização que a Lei especial traz, a fim de que seja possível o soerguimento empresarial.

O doutrinador Fernando Netto Boiteux descreve a situação apresentada, da seguinte maneira:

 A lei da Recuperação e da Falência apresenta alterações ao direito das obrigações em geral e mesmo em relação ao direito empresarial, porque o Código Civil, ao unificar parcialmente o direito das obrigações, não criou um conjunto de regras para a empresa insolvente, tarefa cumprida pela lei especial. Todavia, da mesma forma que o direito comercial não regulou, nunca, todo o comércio ­ pois sempre se valeu do direito civil para as normas mais gerais sobre obrigações e contratos, ainda que alteradas ­, a legislação falimentar apenas altera alguns efeitos do direito das obrigações, especialmente as empresariais. O direito falimentar apenas adapta os direitos das obrigações, nos casos que menciona, para os fins a que se destina: a recuperação da empresa insolvente e o pagamento dos credores. ( in A nova lei de falências e de recuperação judicial: Lei  10 287).

E é neste sentido que o Tribunal de Justiça do Paraná, veio relativizar os enfoques apresentados, não implementando competências acerca de hipóteses pequenas ou grandes entidades empresariais, mas tão somente pela aplicação por ser inerente ao interesse do coletivo:

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O recurso interposto não merece provimento.  Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de estar ou não quitado o crédito apresentado para habilitação em recuperação judicial.  A decisão recorrida entendeu que se operou a quitação.  Essa conclusão é decorrente do afastamento da aplicação da Cláusula n° 10, do instrumento particular de confissão de dívida (fls. ­TJ), que prevê o seu vencimento antecipado em caso de recuperação judicial da empresa devedora. Todavia, essa antecipação é ilegal frente à sistemática dada pela Lei nº 11.101/2005, bem como, por ter ocorrido o pagamento das parcelas pactuadas entre as partes, ao ter a credora/agravante aceitado a forma realizada pela devedora/agravada, sem qualquer oposição à época. Agravo de Instrumento nº 1.292.381-0, da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba .DES. LUIS SÉRGIO SWIECH Relator Curitiba, 22 de Julho de 2015.

Portanto, a existência da autonomia da vontade das partes contratantes no momento em que for constituída a avença, com a inserção da cláusula de resolução expressa nos casos de ingresso de Recuperação Judicial, é passível de mitigação pelo princípio da preservação da empresa e a função social que a entidade empresarial exerce para a coletividade, vedando os riscos rescisão na prevalência da vontade privada, a fim de que a empresa seja oportunizada ao soerguimento. E é no sentido de ausência de inadimplência contratual que se fortifica o entendimento de relativização deste aspecto, trazendo implicações subjetivas aos casos, em virtude das disposições da Lei especial e os seus princípios.

Referências:

BRASIL. Código Civil – Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 01/08/2017.

Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 01/08/2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 01/08/2017.

TJPR, Agravo de Instrumento Nº 1.292.381-0, Des. Rel. Luis Sérgio Swiech, 17ª Câmara Cível, julgado em 22/07/2017. Disponível em: https://www.tjpr.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 01/08/2017.

TJRJ, 0203711-65. 65.2016.8.19.0001, Juíz Fernando Cesar Vieira Viana, 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, em 21/06/2016. Disponível em: www.tjpr.jus.br/jurisprudencia. Acesso em: 01/08/2017.

TJSP.  Apelação 1002153-95.2014.8.26.0196; Relator (a): Antonio Tadeu Ottoni, 13ª Câmara de Direito Público. Julgado em  19/07/2017. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em: 01/08/2017.

TJSP. Apelação 4002604-92.2013.8.26.0038; Relator (a): Hélio Nogueira; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araras - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/05/2016; Data de Registro: 23/05/2016. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br Acesso em: 01/08/2017.

Paiva Cruz, Bruno. Da (in) validade da cláusula resolutiva expressa em caso de requerimento de recuperação judicial. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18313. Acesso em 01/08/2017.

TJSP.  Agravo de Instrumento 0121739-23.2012.8.26.0000; Relator (a): Teixeira Leite; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Araraquara - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/03/2013; Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br Acesso em 31/07/2017.

BOITEUX, Fernando Netto. A Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas - Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. , p. -.

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Sobre a autora
Brenda Louise Oliveira Morastoni

Advogada na Empresa Wilhelm & Niels Advogados Associados, formada na Universidade Regional de Blumenau - FURB – ano de 2015. Pós Graduanda em Direito Empresarial e dos Negócios na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Certificação de Extensão em teoria e prática da Advocacia Trabalhista pela Faculdade Damásio. Inglês para conversação jurídica e business – English Time Language Center – Teacher Robert Donesky Estudou em San Diego University – SDUIS, San Diego, Califórnia, USA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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