Capa da publicação A ineficácia da audiência de conciliação obrigatória à luz do novo CPC
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A ineficácia da audiência de conciliação obrigatória

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13/10/2017 às 15:40
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Uma das mudanças trazidas pelo NCPC é a obrigatoriedade da realização de uma audiência de conciliação como forma de inaugurar o processo. Mas será que esta inovação contribuirá para a melhoria do processo?

RESUMO: Muita expectativa se formou quando um novo Código de Processo Civil estava se formando. Desde a apresentação do anteprojeto até o início da sua vigência, a doutrina se mostrou ansiosa e, posteriormente, atenciosa as inúmeras mudanças. Todavia, analisando com maior cautela, podemos dizer que as mudanças não foram tantas quanto se esperava ou mesmo significativas. Uma dessas mudanças é a obrigatoriedade da realização de uma audiência de conciliação como forma de inaugurar o processo e, como veremos, tal mudança não se mostra eficaz para o nosso país.

SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO; 2. DESENVOLVIMENTO; 2.1.  EVOLUÇÃO DOS PROCEDIMENTOS PROCESSUAIS; 2.2. DA INEFICÁCIA DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OBRIGATÓRIA; 3. CONCLUSÃO; 4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.


1. INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil, Lei Federal nº. 13.105 de 16 de março de 2015, foi elaborada visando a celeridade processual, promovendo alterações no antigo processo civil, presente na Lei Federal nº. 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (antigo Código de Processo Civil).

Uma das principais alterações foi a "fusão" dos ritos processuais ordinário, sumário e cautelar, bem com alguns procedimentos especiais, prevendo apenas dois ritos: procedimento comum e especial.

No que tange ao procedimento comum, juntamente com a fusão dos ritos, o Código de 2015 trouxe alterações ao tramite do processo, mas podemos dizer que essas alterações não foram tão significativas quanto parece.

Uma dessas mudanças é vista no começo do processo, seria a audiência de conciliação obrigatória, prevista no artigo 334 do Código de 2015.

O legislador pretendia dar maior importância a solução amigável do processo através de uma conciliação ou mediação, tudo visando a celeridade processual. Todavia, o legislador não levou em consideração um fator muito importante: a vontade das partes.

Ao decorrer desse estudo poderemos verificar que, por mais que as intenções do legislador tenham sido boas, a imposição de uma audiência de conciliação não se mostra eficaz.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1.  EVOLUÇÃO DOS PROCEDIMENTOS PROCESSUAIS

O primeiro Código de Processo Civil brasileiro foi o Decreto-lei nº. 1.608 de 18 de setembro de 1939, o qual previa que o processo no Brasil seria regulado por dois procedimentos ou ritos: o processo ordinário e o especial.

O processo ordinário poderia ser considerado como o rito subsidiário, pois o Código previa que todas as ações que não estivessem previstas para o rito especial tramitariam pelo procedimento ordinário, conforme artigo 291 daquela lei.

O Código de Processo Civil de 1973 alterou o Procedimento Comum, trazendo dois ritos: ordinário e sumaríssimo, artigo 272.

O rito ordinário, novamente, era o procedimento geral ou subsidiário, conforme se percebe através do artigo 274 do Código de 1973.

Já o rito sumaríssimo possuía as características previstas nos artigos 275 a 281 do Código de 1973.

Diferente do rito ordinário, o Código de 1973 apresentava um rol taxativo dos casos que tramitariam no procedimento sumaríssimo, através do artigo 275, vejamos:

Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumaríssimo:

I - nas causas, cujo valor não exceder vinte (20) vezes o maior salário-mínimo vigente no País;

II - nas causas, qualquer que seja o valor:       

a) que versem sobre a posse ou domínio de coisas móveis e de semoventes;

b) de arrendamento rural e de parceria agrícola;       

c) de responsabilidade pelo pagamento de impostos, taxas, contribuições, despesas e administração de prédio em condomínio;

d) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;

e) de reparação de dano causado em acidente de veículos;

j) de eleição de cabecel;

g) que tiverem por objeto o cumprimento de leis e posturas municipais quanto à distância entre prédios, plantio de árvores, construção e conservação de tapumes e paredes divisórias;

h) oriundas de comissão mercantil, condução e transporte, depósito de mercadorias, gestão de negócios, comodato, mandato e edição;    

i) de cobrança da quantia devida, a título de retribuição ou indenização, a depositário e leiloeiro;

j) do proprietário ou inquilino de um prédio para impedir, sob cominação de multa, que o dono ou inquilino do prédio vizinho faça dele uso nocivo a segurança, sossego ou saúde dos que naquele habitam;

l) do proprietário do prédio encravado para lhe ser permitida a passagem pelo prédio vizinho, ou para restabelecimento da servidão de caminho, perdida por culpa sua;

m) para a cobrança, dos honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial.   

n) que versem sobre a revogação de doação, fundada na ingratidão do donatário.

Parágrafo único. Esse procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas.

(O texto possui redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º/10/1973).

Faz-se necessário frisar que o Código de Processo Civil de 1973 passou por inúmeras alterações, inclusive durante a sua vacatio legis, visando atender as necessidades do judiciário da época, como foi o caso da Lei Federal 5.925 de 01 de outubro de 1973, a qual trouxe inúmeras alterações ao Código de 1973, inclusive no tocante ao procedimento sumaríssimo, antes do início da vigência do Código.

Outra mudança veio através da Lei Federal nº 8.952, de13 de dezembro de 1994, que, além de alterar o rol de causas abraçadas pelo rito sumaríssimo, também alterou a própria nomenclatura, passando a ser procedimento sumário, vejamos:

Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:

I - nas causas, cujo valor não exceder 20 (vinte) vezes o maior salário mínimo vigente no País;

II - nas causas, qualquer que seja o valor;

a) de arrendamento rural e de parceria agrícola;

b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;       

c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;

d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;          

e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução;

f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;

g) nos demais casos previstos em lei.

Parágrafo único. Este procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas. 

O rol do procedimento sumário ganharia mais três alterações, pela Lei Federal nº. 10.444 de 07 de maio de 2002, onde o inciso I passaria a ter a seguinte redação: “nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo”; e pela Lei Federal nº. 12.122 de 15 de dezembro de 2009, alterando a redação da alínea “g” do inciso II e incluindo a alínea “h”, vejamos:

g) que versem sobre revogação de doação;

h) nos demais casos previstos em lei.

O legislador previu a possibilidade de dois procedimentos comuns para poder dar celeridade às causas consideradas de menor complexibilidade. Isso porque o rito sumário se apresentava mais compacto, onde as partes deveriam apresentar em suas peças principais (petição inicial e contestação) as provas que pretendiam produzir, bem como rol de testemunhas e de quesitos para perícia (artigo 276, com redação dada pela Lei Federal nº. 9.245 de 26 de dezembro de 1995).

Além disso, ao receber a ação, o juiz deveria designar uma audiência de conciliação, onde o Réu apresentaria a sua defesa (artigo 277, com redação dada pela Lei Federal nº. 9.245 de 26 de dezembro de 1995, e artigo 278).

Outra característica do procedimento sumário era o não cabimento de peça de reconvenção, visto que a contestação deveria toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir, bem como poderia formular pedido ao seu favor (artigo 278, §1º, com redação dada pela Lei Federal nº. 9.245 de 26 de dezembro de 1995).

Também não eram admissíveis a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro (artigo 280, com redação dada pela Lei nº 10.444 de 07 de maio de 2002).

Findos a instrução e os debates orais, o juiz proferirá sentença na própria audiência ou no prazo de dez dias (artigo 281, com redação dada pela Lei Federal nº. 9.245 de 26 de dezembro de 1995).

Para o gênio José Carlos Barbosa Moreira[1], “A divisão em etapas não é tão nítida: inexiste, por exemplo, fase diferenciada de saneamento, exercendo-se a atividade saneadora difusamente, ao longo do itinerário processual. Numa única audiência, destinada em princípio à conciliação dos litigantes, podem realizar-se, por parte do réu, atividade postulatória e produção de prova documental, assim como pode ocorrer o próprio julgamento da causa”.

O Código de Processo Civil de 2015 colocou por terra essa divisão, isso porque, novamente, temos apenas dois procedimentos: comum e especial.

O artigo 318 do Código de 2015 prevê: “Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei” e o seu Parágrafo único prevê “O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução”.

Ao analisar o novo procedimento comum, podemos dizer que houve uma verdadeira fusão entre o rito ordinário e sumário, visando tornar o processo civil mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo[2].

Contudo, o legislador manteve a obrigatoriedade da designação de audiência de conciliação, o que, ao nosso ver, sempre mostrou-se sem eficácia prática, conforme veremos.

2.2. DA INEFICÁCIA DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OBRIGATÓRIA

O Código de Processo Civil de 2015 prevê, em seu artigo 334, que o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação, desde que a petição inicial preencha todos os requisitos, vejamos:

Art. 334.  Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

Podemos encontrar, na comunidade jurídica, muitos elogios para a intenção do legislador, visto que, como já falado antes, o Código de Processo Civil de 2015 foi pautado no princípio da celeridade.

Para Paula Menna Barreto[3], “Essa clara modificação de paradigmas se deve ao enorme anseio do Poder Judiciário e da sociedade em evitar que se eternizem os conflitos de interesses, em evidente prejuízo aos cidadãos e à economia.

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Com o incentivo desses denominados instrumentos, espera-se superar os já tão debatidos obstáculos ao acesso à justiça para, em tempo razoável e, em boa parte sem judicialização, solucionar divergências surgidas na sociedade. Sem sombra de dúvidas, em médio prazo, tais medidas não só promoverão significativa diminuição do número de conflitos que assolam o Poder Judiciário, como também, e especialmente, oferecerão uma solução mais adequada, célere e econômica”.

Mauro Cappelletti[4] defende que os meios alternativos de solução de conflito se inseririam como resposta ao obstáculo processual do acesso à justiça, enquadrando-se nos casos em que o processo litigioso tradicional poderia não ser a forma mais indicada para a vindicação efetiva de direitos.

O §4º do artigo 334 do Código de 2015 ainda prevê que a audiência não será realizada se:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição.

Contudo, os defensores da aparente obrigatoriedade da designação da audiência de conciliação não levam em consideração a prática da advocacia, visto que, é muito bonito o legislador e o doutrinador defender a celeridade processual, a resolução dos conflitos através de conciliação ou mediação ou mesmo a facilitação do acesso à justiça, no entanto o real processo civil mostra-se bem diferente do mundo utópico que vivem os teóricos.

Analisando os dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mais especificamente a lista do Top 30 dos Maiores Litigantes[5], podemos verificar que nos últimos 12 (doze) meses o Tribunal recebeu mais de 80 mil processos, sendo uma média de 06 mil processos por mês.

Contudo, de acordo com o último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[6], o índice de acordos realizados em audiências de conciliação ou mediação no Estado do Rio de Janeiro chegou a 14% (catorze por cento). Contudo, a informação prestada pelo CNJ não demonstram a quantidade de processos, apenas a porcentagem.

Aparentemente, os números poderiam ser promissores. Todavia, a prática não aponta isso. É fato notório que o Réu, estando errado, prefere que o processo demore a chegar a uma solução. O artigo 335 do Código de 2015 aponta que a contestação pode ser oferecida em 15 (quinze) dias (úteis, artigo 219 do CPC/15), sendo o termo inicial:

I - da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;

II - do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;

III - prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos.

§ 1º No caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6º, o termo inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência.

§ 2º Quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso II, havendo litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência.

Ora, estando errado, o legislador acredita realmente que o Réu irá peticionar aduzindo que não tem interesse na designação da audiência, sendo que a consequência será o início antecipado do prazo para apresentação da defesa? Obviamente, a grande maioria irá esperar a audiência de conciliação para apresentar a sua contestação ou mesmo apresentar no prazo de 15 (quinze) dias após a audiência.

Alguns podem dizer que o Autor da ação tem a possibilidade de se manifestar informando que não tem interesse na audiência. Contudo, novamente a prática nos diz que o tribunal não respeita o pedido do Autor, inclusive o presente causídico já presenciou tal fato em seus processos.

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Sobre o autor
Wellington Silva

Advogado. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Com mais de 11 anos de experiência na área jurídica. Atuando nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Responsabilidade Civil e Direito Securitário. Com conhecimentos teóricos e práticos nas áreas do Direito das Famílias, Imobiliário, Tributário e do Trabalho. Autor do livro “A banalização do dano moral”, publicado pela Editora Multifoco (ISBN 978-85-5996-541-4), além de artigos jurídicos em sites especializados. Autor participante da Bienal Internacional do Livro 2017.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Wellington Silva. A ineficácia da audiência de conciliação obrigatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5217, 13 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60158. Acesso em: 25 abr. 2024.

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