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Os Tribunais de Contas e o controle externo do Judiciário

08/12/2004 às 00:00
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Sumário: 1. Prolegômenos; 2. Os Tribunais de Contas como Órgãos Supremos de Controle Externo; 3. O Controle de Mérito contemplado nas Auditorias Governamentais; 4. Controle Interno X Controle Externo; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.


1.Prolegômenos

Um dos assuntos mais propalados hodiernamente, no trade jurídico, é o controle externo do Judiciário. Muito se discute sobre o tema, juristas renomados exaram opiniões variadas, uns sendo contra e outros a favor. No projeto de reforma, que tramita no Congresso Nacional há 13 anos e que foi aprovado em primeiro turno no Senado Federal, em 07/07/2004, esse é um dos principais pontos polêmicos.

O Senador José Jorge (PFL-PE), relator da matéria, manteve o dispositivo do texto oriundo da Câmara dos Deputados (PEC 29/00) que institui o Conselho Nacional de Justiça, órgão encarregado de exercer o controle externo das atividades do Judiciário. Esse órgão fiscalizador atuaria acompanhando as atividades e execução orçamentária de toda a Justiça e seria composto por 15 membros: nove juízes, dois representantes da OAB, dois representantes do MP, um cidadão indicado pelo Senado e outro pela Câmara. Conforme se observa do projeto, o Conselho não fará parte da estrutura do Judiciário.

Essa proposta ganhou considerável força política ao se coadunar com o pensamento do prestigiado Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, grande defensor do controle externo. O Ministro do STF, Nelson Jobim, ao discursar na sua posse como presidente da Casa, ressaltou que o Conselho Nacional de Justiça, deve ser visto como "um órgão voltado para a consistência e funcionalidade do sistema" [1]. Doutra banda, o ex-presidente do STF, o Ministro Maurício Corrêa, ferrenho crítico da medida, alega quebra do princípio da independência entre os poderes, por conta da presença de pessoas fora do Judiciário, chegando a oficializar um apelo ao Senado para que refletisse melhor e desconsiderasse a formatação do Conselho [2]. Entretanto, tal apelo não foi considerado pelo Senado no primeiro turno de votação.


2. Os Tribunais de Contas como Órgãos Supremos de Controle Externo

Dentro desse cenário, um fato carece ser levantado: onde e como ficam os tribunais de contas? Ora, sendo o órgão com a missão constitucional de auxiliar tecnicamente o Poder Legislativo no desempenho do controle externo, oferecendo subsídios para tomadas de decisões, fica, no mínimo, incoerente excluir os tribunais de contas de toda esse debate em torno do controle externo do Judiciário.

O Tribunal de Contas é o órgão que, pelo menos em tese, mais entende das técnicas de fiscalização e auditoria públicas, sendo uma instituição de cátedra no mister de acompanhar a execução orçamentária e financeira. Aliás, é a Lex Legum [3], no caput do seu art. 70, que determina o âmbito da fiscalização a ser exercida pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União, abarcando as áreas contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional.

É cediço que os Tribunais de Contas muito tem evoluído no desenvolvimento das técnicas de auditoria, aperfeiçoando-se constantemente nas suas missões institucionais. A recente Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF é uma prova cabal da ampliação significativa das funções das cortes de contas, eleitas, naquela norma, como principal órgão incumbido de zelar pela fiel observância das regras de transparência e de gestão fiscal responsável.


3. O Controle de Mérito contemplado nas Auditorias Governamentais

Na esteira desse desenvolvimento contínuo, os tribunais de contas passaram a exercer um controle de mérito, ultrapassando a mera legalidade dos atos governamentais. Como bem leciona o ilustre Conselheiro Citadini (1995, p. 18), acerca do controle de mérito, "...parece claro que esta forma de verificação, que procura analisar o ato administrativo vinculando-o com o sucesso de seu objetivo, bem como analisando se os meios utilizados pela Administração foram os mais adequados, traz grande realce às auditorias no julgamento dos atos administrativos." O controle de mérito visa, sinteticamente, apreciar se o ato da Administração Pública atingiu adequadamente seu objetivo e com o menor custo para o Erário.

O controle de mérito está absorvido pela auditoria operacional, que se configura, com base na definição do professor e autor Inaldo Araújo (2001, p. 27), na análise e avaliação do desempenho de uma organização, no todo ou em parte, objetivando formular recomendações e comentários que contribuirão para melhorar os aspectos de economia, eficiência e eficácia. Cabe registrar alguns sinônimos para auditoria operacional, ainda conforme o citado autor: auditoria de custo-benefício, auditoria de economia e eficiência, auditoria de resultados, auditoria de performance, auditoria de responsabilidade. Resta claro que, objetivamente, a auditoria operacional tem como desiderato verificar o desempenho e a forma de operar dos diversos órgãos de uma organização.

Os Tribunais de Contas, mesmo que de maneira comedida e incipiente, vêm executando auditorias operacionais, que, como já afirmado, é um tipo de fiscalização com sede constitucional.

A partir de auditorias operacionais, pode-se aferir o grau de eficiência de um determinado órgão. Nunca é demais lembrar que hoje a eficiência é um dos princípios constitucionais estabelecidos como norte a toda a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A partir da Emenda Constitucional n.º 19/98, a eficiência [4] deixou de ser tratada como simples dever do administrador, passando a ser uma mandamento nuclear de qualquer ação do administrador público.

Na douta opinião do Promotor baiano Paulo Modesto, o conceito de eficiência deve ser dado no seu sentido amplo, consistindo na "exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhes fazem as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público." [5]

A eficiência administrativa impõe que o cumprimento das normas em geral seja concretizado com um mínimo de ônus social, buscando o puro objetivo do atendimento do interesse público de forma ideal, sempre em benefício ao cidadão. Nas palavras de Juarez Freitas (1999, p.85), "o administrador público está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo".

Destarte, cabe aos Tribunais de Contas em geral, na sua função de controle da eficiência das ações do Estado, através das auditorias operacionais, verificar o manejamento que faz o gestor público de sua responsabilidade e capacidade funcionais. Vale dizer, deve ser exigida a persecução dos melhores resultados com os meios disponíveis, a fim de ser atendido o interesse público.

As cortes de contas já vinham, mesmo que timidamente, exercendo um controle de desempenho, como pode-se observar na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Porém, a partir da Emenda Constitucional n.º 19/98, a eficiência do serviço publico, como princípio norteador, deve fazer parte dos escopos das auditorias, estendendo-se tanto às pessoas físicas quanto jurídicas, públicas ou privadas.

Resta evidenciado que os tribunais de contas, como órgão constitucionalmente responsável pelo controle da eficiência das ações estatais, não devem ser alijados dos inúmeros debates em torno do controle externo do Judiciário.


4. Controle Interno X Controle Externo

Cabe comentar que nos Estados Unidos, o controle externo do Poder Judiciário é realizado pela Comissão de Assuntos Judiciais do Senado da República. Tudo pode ser discutido nessa Comissão, conforme argumenta o Ministro Edson Vidigal [6], ela é exatamente o fórum onde se discutem as estratégias e se analisa o desempenho das gestões. Naquele país, portanto, mantém-se a coerência, continuando, exclusivamente, com o poder legislativo a função de controle externo.

O ilustre professor e autor Zaffaroni (1995, p.184) entende, em sua obra, que a questão da governabilidade do Poder Judiciário vem sendo colocada, no Brasil, como um problema de "controle" e se fala de um "controle externo", em oposição ao "controle interno". Ele faz a seguinte advertência: "a rigor, parece que estão confundindo problemas e termos, o que pode ser perigoso."

Esse brilhante posicionamento esclarece o debate em torno do tema e a advertência deve ser levada em consideração por todos que opinam e podem influenciar na concretização da reforma do Judiciário. Será que o Conselho Nacional de Justiça, nos moldes em que está contemplado no Projeto, não deveria ser substituído por um controle interno atuante, imparcial e eficaz? Creio que se fosse melhorada a legislação, com vistas a fortalecer o controle interno, propiciando-lhe condições efetivas de punição, teria-se uma boa alternativa para correção das eventuais falhas no Judiciário.

Existe uma prática bem comum na administração pública brasileira, que é a de se criar novos Ministérios, Secretarias e Órgãos, inflando, desnecessariamente, a estrutura do Estado. Sempre quando não se sabe como resolver o problema, cria-se um novo órgão, como se fosse uma verdadeira panacéia. Nesse diapasão, apresenta-se o Conselho Nacional de Justiça.

Essa prática deve ser combatida, pois, na maioria das vezes, só serve para criar empregos para afilhados políticos, como bem sintetiza o advogado e ex-Ministro da Justiça Saulo Ramos, "a meta é criar empregos." Na opinião de José Alberto Couto Maciel [7], a discussão sobre o controle externo do Judiciário é infantil, pois o que se pretende é criar um órgão superior, formado por quem não é magistrado.


5. Considerações Finais

O brilhante Montesquieu, há séculos, já preconizava que cabe ao Poder Legislativo exercer, exclusivamente, a função de controle. Em sua famosa obra "O espírito das Leis", escreveu que, em um Estado livre, o Poder Legislativo não deve obstruir a ação do Poder Executivo; deve, sim, ter a faculdade de verificar de que maneira são executadas as leis que aprovou. Analogamente, deve-se estender essa verificação ao Poder Judiciário. Com essa afirmação, que se tornou clássica, o escritor francês pôs em evidência a célebre divisão de poder, na qual a função de controle é destinada ao Legislativo.

Portanto, a solução para o eterno e disputado debate em torno do controle do Poder Judiciário pode ser a mais coerente e lógica possível: o controle externo ficaria a cargo dos Tribunais de Contas, órgão pertencente ao Legislativo, sendo reformulado, por completo, o sistema de controle interno do Poder Judiciário. Para se cumprir satisfatoriamente o controle, as Cortes de Contas teriam de se aperfeiçoar cada vez mais para exercer, efetivamente, um controle operacional, enfatizando a eficiência dos magistrados no desempenho de suas funções e ao controle interno deveria, lege ferenda, ser garantida a imparcialidade e segurança necessárias.

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Assim, seguindo os ensinamentos de Montesquieu, o controle externo continuaria a cargo do Legislativo, assim como é nos EUA. Não seria criado um novo órgão, apenas aperfeiçoado os Tribunais de Contas, com suas estruturas e competências já existentes. Também resolveria-se o problema em torno da quebra de independência dos poderes, a partir da reestruturação do sistema de controle interno do Poder Judiciário. Oxalá essa solução possa ser ainda debatida nas votações das Casas Legislativas.


Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Inaldo da Paixão Santos. Introdução à Auditoria Operacional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

CITADINI, Antônio Roque. O Controle Externo da Administração Pública. São Paulo: Max Limonad, 1995.

FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997.

GABARDO, Emerson. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. São Paulo: Dialética, 2002.

MELO, José Tarcízio de Almeida. Reformas. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

MODESTO, Paulo. Notas para um Debate sobre o princípio da Eficiência. Revista Interesse Público n.º 07. São Paulo: Notadez, jul./set., 2000.

MONTESQUIEU, Barão de. Tradução de Pedro Vieira Mota. O Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2004.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

REVISTA CONSULEX, n.º 173, Distrito Federal: Ed. Consulex, 2000.


Notas

1 Passagem extraída do discurso do ministro Nelson Jobim, na sua posse como Presidente do STF, em 03/06/2004.

2 Em 23/03/2004, o então Presidente do STF, juntamente com os demais Presidentes dos outros Tribunais Superiores, formalizaram uma Nota Conjunta encaminhada ao Senado, apelando para que fosse revista a composição do Conselho Nacional de Justiça, conforme publicação na Revista Consulex, n.º 173, de 31/03/2004.

3 "Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder."

4 Em redação anterior, quando do trâmite legislativo da Emenda Constitucional n.º 19/98, o princípio da eficiência era denominado de "qualidade do serviço prestado".

5 MODESTO, Paulo. "Notas para um Debate sobre o princípio da Eficiência". Revista Interesse Público n.º 07. SP: Notadez, jul./set., 2000.

6 Cf. Revista Consulex n.º 173 DF: Ed. Consulex Ltda., março 2000, p. 28.

7 Cf. Revista Consulex n.º 173 DF: Ed. Consulex Ltda., março 2000, p. 30

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Sobre o autor
Luciano Chaves de Farias

agente de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, bacharel em Direito e em Turismo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Luciano Chaves. Os Tribunais de Contas e o controle externo do Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 519, 8 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6031. Acesso em: 5 nov. 2024.

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