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A mediação e a lei: o mal-estar no Estado Democrático de Direito brasileiro

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15/09/2017 às 14:38
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4 - O Conflito: Permanente e Insolúvel.

O conflito não pode ser resolvido, ele faz parte da natureza da evolução humana. Ele surge sempre onde existe uma sociedade. Onde há sociedade, há o conflito. E por isso em contraposição ao conhecido jargão “ubi societas, ibi jus”, onde há sociedade, há o direito, acrescentaríamos: onde há sociedade, há Mediação, há a possibilidade de autocomposição.

Os conflitos estão sempre presentes em toda nossa vida, como já foi observado:

”Os conflitos estão presentes em todas as manifestações da vida. O conflito em seu sentido mais amplo, aquele que engloba terras e disputas, crises e problemas que provocam conflitos e crises... os conflitos como as enfermidades, nos indicam que alguma coisa esta sucedendo e que, em resumo, podemos retardar, porém não impedir. Nesse sentido, os conflitos são elementos que nos permitem avançar, melhorar, prever sua função regeneradora e tirar proveito”. (Vinyamata, 2007, 24)

O conflito é insolúvel, pode ser administrado, aceito, mas não totalmente resolvido. A controvérsia pontual entre as partes tem possibilidade de chegar a um fim, mas o conflito em si não.

Por isso o Estado de Democrático de Direito tem “esse absoluto não contestável da democracia, segundo o qual todo conflito é aceitável na condição de não colocar em cheque seus fundamentos.” (Benasayag, 2007, p.17). Ou seja, o Estado Democrático suporta os conflitos desde que não rompam a ordem constitucional, pois a ruptura seria uma revolução ou golpe, que nega a ordem anterior. Mesmo que fosse instaurada uma nova ordem revolucionária num Estado novos conflitos acontecerão na nova ordem. O Estado Democrático de Direito é uma tentativa de diminuir os conflitos, mas não tem o poder de eliminá-los.

Somos herdeiros do sonho de um dia terminar com os conflitos. As religiões, as ideologias humanistas, a política, as ONGs e muitos outros movimentos sociais estimulam essa visão de que viveremos em algum momento do futuro, em outra realidade, cheia de paz e amor. Só que esse momento ainda não chegou e dificilmente chegará plenamente.

Nesse sentido, os operadores do Direito têm dificuldade de admitir a impotência do sistema jurídico para resolver os problemas da civilização. Então temos que encarar o conflito como permanente, como já ressaltado: “A questão fundamental que se se coloca em discussão poderia ser formulada assim: como pensar os termos de um conflito diferente da busca de sua superação? Como pensar a permanência do conflito.” (Benasayeg, 2007, p.8)

A Mediação é um modo de pensar o conflito como permanente e de resolver pontualmente controvérsias que ajudam a diminuir o efeito desestruturante dos conflitos. A Mediação é um modo de criar soluções novas, fora dos padrões estritamente jurídicos, e por isso abre novas portas para superar a tendência ao fechamento que o Direito faz, dogmaticamente, na ilusão de eliminar o mal-estar. Temos de aprender a viver com os conflitos e com o mal-estar do Estado de Direito.


5 – Conclusão: Convivendo Com o Mal - Estar no Estado Democrático de Direito Brasileiro.

No Brasil o chamado Estado Democrático de Direito vive momentos de profundo mal-estar social que parece ter começado a partir de 2013 com manifestações de rua, expressando o descontentamento popular contra aumento de passagens de ônibus em São Paulo. Depois, o mal-estar foi crescendo e as manifestações de rua foram tomando cada vez mais força, em especial contra o desemprego, a recessão econômica e a corrupção, na esteira da operação Lava-Jato, desembocando na campanha popular pelo impeachment da então Presidenta reeleita em 2014, o que de fato ocorreu por decisão do Congresso Nacional em 2016. Isso colocou na Presidência o Vice-Presidente, que por sua vez está sendo processado por crime de corrupção junto com muitos ministros e aliados. O conflito não terminou, mudou só de configuração, como é usual acontecer e como estamos mostrando nesta reflexão.

Enquanto isso, a economia brasileira desde 2014 continua em recessão, deu poucos sinais de melhora até agora, com alto desemprego e insatisfação social. Permanece ocorrendo, quase diariamente, denúncias de corrupção pela Procuradoria Geral da República contra o Vice-Presidente, Ministros, senadores, deputados e outras autoridades.

É uma situação típica de mal-estar que a todo momento exige a intervenção do Poder Judiciário, em especial do STF para resolver questões que a sociedade e o Governo não conseguem resolver. A situação política beira ao caos, com pleito de eleição direta para Presidente, Congresso, Governos Estaduais, numa tentativa de resolver o mal-estar.

Isso coloca a necessidade de enfocar a questão que estamos analisando com base numa reflexão mais abrangente e menos casuística, como vem sendo feita pela mídia, que normalmente não é preparada para entender fenômenos jurídicos como o Estado de Direito. Talvez o Brasil não esteja acostumado ao saudável hábito de conviver com a divergência e a liberdade de expressão. Somos herdeiros de uma República em que os Presidentes não terminam os mandatos, em que os golpes são a regra, em que a intervenção da força militar é constante.

Temos de compreender que o mal-estar no Estado no Estado Democrático de Direito é um modo normal de conviver com a lei, que agrada uns e outros, mas não contenta todos. Pensar que seremos felizes para sempre só porque conseguimos no Brasil ter uma Constituição mais democrática, em 1988 , que substituiu a anterior ordem baseada no Poder Militar, é um grave equívoco.

A natureza humana é complexa e conflitiva, dentro ou fora do Estado de Direito. Cabe ao Direito apenas a função de ser um auxiliar da homeostase, pois por si mesmo o Direito não é capaz de produzir soluções profundas no ser humano. Precisamos deixar de lado a ilusão do normativismo e a ilusão nos julgamentos dos Juízes. Eles são falíveis e de um modo geral despreocupados com a questão do sentimento de Justiça de suas decisões, embora tudo seja decidido, formalmente, em nome da tão decantada e mitológica Justiça.

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Precisamos aproveitar as dores dos conflitos atuais que apontam as disfuncionalidades da sociedade brasileira e aprender com elas, eliminando as causas das controvérsias e não apenas aplicando cuidados paliativos. As causas são econômicas, sociais, políticas, psicológicas e, sobretudo, estão dentro da consciência de cada ser humano que precisa, espontaneamente, respeitar os direitos dos semelhantes.

Como ensinou Jung com clareza sobre a insuficiência das leis gerais que tentam enquadrar os fatos com lógica e punições, mas ignoram a imprevisibilidade dos fatos e circunstâncias, os chamados acasos:

“Em última análise, podemos dizer que a conexão causal dos fatos, de acordo com a lei geral, é uma teoria que se confirma na prática em cinquenta por cento dos casos. Os outros cinquenta por cento ficam por conta da arbitrariedade do demônio chamado acaso!” (Jung, 1993, p.58).

Não adianta sonhar com um Estado inteiramente racional de bem-estar e com toda segurança jurídica. Melhor lutar para diminuir a necessidade de tanto normativismo. Temos que aceitar que o Estado Democrático de Direito causa mesmo mal-estar, é da natureza da sociedade ser conflitiva, e temos de deixar de acreditar no punitivismo como grande solução para os males, pois isso é uma ilusão.

O caminho é pela não violência, com aumento da consciência social e crença na capacidade da atividade da coletividade para construir modos de relacionamentos menos cínicos e mais consonantes, através da autocomposição das controvérsias, através da Mediação.

Temos que conviver com esse mal-estar como condição necessária para tentar melhorar a situação adversa que o Direito sempre traz, apesar de ser um modo razoável de tentar afastar a violência nas relações sociais.

O mal-estar do Estado Democrático de Direito no Brasil, nesse confuso momento de corrupção e instabilidade institucional pode gerar sim novos caminhos de maturidade da nossa sociedade. Para isso é preciso ir deixando de lado o infantil sonho de que a reforma das leis trabalhistas, previdenciárias, tributárias, políticas, partidárias e novas reformas do Estado resolvam os problemas da Nação, como está acontecendo.

É na autocomposição das controvérsias pela Mediação, abandonando o ativismo judicial da heterocomposição patrocinada pelo Estado no Brasil que está o caminho de uma sociedade que pode autoconstruir a solidariedade, diminuindo o mal-estar do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

Mediar é preciso e litigar não vai ser mais hegemônico no futuro, pois será reduzido ao mínimo inevitável. Essa é uma promessa possível da Mediação se a consciência de cada um de nós caminhar nesse sentido. Nada de esperar por milagres ou salvadores da Pátria. Temos de acreditar nas próprias forças da vida humana, no empoderamento e na importância de cada um. Essa mensagem a Mediação traz em seu seio.

Enquanto no Direito Positivo há caminhos prontos, na Mediação o caminho se faz ao caminhar e essa dose de imprevisibilidade está mais consonante com a complexidade do ser humano. A Mediação, embora exija muito esforço e virtude de seus praticantes, é o melhor remédio para o mal-estar do Estado Democrático de Direito.


Bibliografia.

BENASAYAG, Miguel – Eloge Du Conflit. Paris: Decouverte, 2007.

DAMASIO, Antonio – Em Busca de Spinosa. Cia das Letras, 2004.

EAGLEMAN, David – Incógnito As Vidas Secretas do Cérebro. RJ: Rocco, 2012.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio – Função Social da Dogmática Jurídica. SP: RT, 1980.

FREUD, Sigmund – O Mal-Estar Na Civilização. SP: Abril Cultural, 1978.

JUNG, C.G. – Civilização Em Transição. SP: Vozes, 1993.

VINYMATA, Eduard – Conflitologia. Barcelona: Ed.Ariel, 2007.

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Sobre o autor
Ademir Buitoni

advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUITONI, Ademir. A mediação e a lei: o mal-estar no Estado Democrático de Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5189, 15 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60348. Acesso em: 22 nov. 2024.

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