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Da expulsão do estrangeiro

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5. Expulsão e as Ciências Criminais.

Sob esta epígrafe, intentamos discutir como o instituto da expulsão se relaciona especialmente com o Direito Penal e o Processo penal. Sabemos que a expulsão não se constitui em pena, e uma vez decretada e efetivada a expulsão vedada é a concessão de visto ao estrangeiro expulso e o seu reingresso ao solo pátrio, salvo se a expulsão tiver sido revogada, consoante disposto no art. 7º, III da lei 6815/80.

O art. 338 do Diploma criminal prevê o crime de "Reingresso de estrangeiro expulso" punido com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena. Esta figura delituosa está inserida no capítulo III do Título XI, compondo o elenco dos crimes contra a administração da Justiça. Entendemos que sua inserção neste capítulo II está equivocada, uma vez que tal infração penal em nada atenta contra a dignidade da administração da Justiça [13], e sim contra a autoridade de decreto Poder Executivo Federal. Trata-se de delito próprio, porquanto só poderá ser cometido pelo alienígena expulso previamente do país. Sujeito passivo é a administração pública e o próprio Estado. Os bens jurídicos tutelados são: "o prestígio e a eficácia do ato administrativo, que determinou a expulsão do solo pátrio do estrangeiro indesejável" [14]. O núcleo da ação típica consiste em entrar de novo, penetrar novamente em território nacional o estrangeiro expulso. Pressuposto indeclinável do delito é a existência de decreto expulsório contra o estrangeiro e sua efetiva retirada compulsória do território nacional. Não caracteriza o crime de reingresso o estrangeiro que permanece no país após a expedição do decreto expulsório, ainda que em situação irregular ou se sua reentrada foi autorizada por autoridade consular [15]. A consumação do delito se produz no momento em que "o agente já expulso, volve ao território pátrio, isto é, penetra-o, pouco importando se o deseja fazer para uma permanência breve, como pondera Logoz" [16]. Indiscutível que o processo e julgamento da infração comentada é da competência da Justiça Federal, à luz do disposto no art. 109, X da CF/88. Autorizados comentadores do Código penal lecionam que o crime de reingresso de estrangeiro expulso é permanente, como o fazem MIRABETE [17] e PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR [18]. Em se tratando de crime permanente, como classificam os referidos autores, a prisão em flagrante poderia ocorrer a qualquer tempo enquanto não cessada a permanência, conforme art. 303 do CPP. Outros penalista tão ilustres classificam-no como delito instantâneo, como o fazem DAMÁSIO. E DE JESUS [19] e CEZAR ROBERTO BITENCOURT [20]. Mas em recente decisão em sede de conflito de competência o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA fixou o seguinte entendimento:

"CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. REINGRESSO DE ESTRANGEIRO EXPULSO. CIDADÃO CHILENO QUE RETORNA AO BRASIL LOGO APÓS EFETIVAÇÃO DE SUA EXPULSÃO. CRIME PERMANENTE X CRIME INSTANTÂNEO.. CONSUMAÇÃO NO MOMENTO DO REINGRESSO. DELITO INSTANTÃNEO. COMPETÊNCIA FIRMADA PELO ART. 70 DO CPP. CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE CORUMBÁ/MS DECLARADA. Hipótese em que foi oferecida denúncia contra cidadão de nacionalidade chilena, por ter reingressado em território nacional pouco depois de sua expulsão do Brasil através de fronteira com a Bolívia, pela cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Controvérsia a respeito da classificação do delito: se instantâneo, a competência é verificada pelo local onde se deu reingresso do estrangeiro expulso. Se permanente: será alterada pelo lugar em que ocorreu a prisão do estrangeiro, pois enquanto permanecer em território nacional, o delito estará sendo praticado. O reingresso de estrangeiro expulso é crime instantâneo, consumando-se no momento em que o estrangeiro reingressa no país. A competência é firmada, nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, pelo lugar da consumação do delito. Evidenciada a cidade de Corumbá/MS como o local em que estrangeiro reingressou no país, consumando a infração, sobressai a competência do juízo daquela localidade para o processo e o julgamento do feito. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo federal da 1ª vara de Corumbá/MS, o suscitante.(CC 40112/MS. Rel. Min. Gilson Dipp. 3ª Seção. DJ. 1602/2004. Pág. 202.)".

Com todo respeito aos autores supra citados, que classificam o delito como permanente, penso que a razão está com a egrégia superior corte de justiça. O núcleo da ação típica é o verbo reingressar, que quer dizer entrar de novo. Entrando novamente, após efetivação da expulsão em território nacional, o estrangeiro terá consumado o delito. O referido decisório do STJ tem sérias repercussões quanto à prisão em flagrante, que não mais poderá ser efetuada fora das hipóteses do art. 302 do CPP.

Pertinente ainda algumas considerações a respeito da situação jurídica do estrangeiro condenado em processo penal a cumprir pena corporal em regime fechado. Uma ordem de questões que se impõe dizem respeito à possibilidade de progredir no regime penitenciário determinado na sentença condenatória e no direito ao livramento condicional.

A forma progressiva de cumprimento de pena corporal consiste na transferência do sentenciado de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso quando demonstradas condições de readaptação ao regime mais benigno. Assim é quando progride do regime fechado para o semi-aberto, e deste para o aberto. Poderia o estrangeiro sentenciado a pena corporal progredir de regime ou isto se torna incompatível com a existência de decreto expulsório? O tão citado MIRABETE ensina que "não se pode conceder a progressão para o regime semi-aberto ao estrangeiro quando sua expulsão foi decretada, sob pena de poder vir a frustrar-se a própria ordem de expulsão, pela fuga, à igualdade do que ocorre com o estrangeiro que se encontra no território nacional e que, condenado, não pode obter o livramento condicional..." [21]. O entendimento firmado no STJ é o mesmo expendido pelo ilustre mestre retro-citado:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PROGRESSÃO. REGIME SEMI-ABERTO. ESTRANGEIRO COM DECRETO DE EXPULSAÕ DO PAÍS. IMPOSSIBILIDADE. Este Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, firmou entendimento no sentido de impossibilidade de deferir-se a estrangeiro progressão para o regime semi-aberto, se contra o mesmo já fora expedido decreto de expulsão do país. Hábeas corpus denegado.(HC 18747/SP. Rel. Min. Vicente Leal. 6ª Turma. DJ 11/03/2002. pág. 283).

O mesmo tratamento processual é dispensado quando se trata de deferir-se a liberdade condicional ao sentenciado estrangeiro. Verificada existência de decreto expulsório do país, inviável se torna a concessão do benefício, uma vez que será impossível cumprimento de requisito subjetivo imposto no art. 132 da lei de Execuções penais: obtenção de ocupação lícita, se for apto para o trabalho. Ora, se foi decreta a expulsão, a permanência do estrangeiro no país é irregular, sendo proibido aqui exercer atividade laboral. Recente decisão do STF em sede de Hábeas corpus feriu esta questão ora ventilada:

EXECUÇÃO PENAL: LIVRAMENTO CONDCICIONAL: INADMISSIBILIDADE. O decreto de expulsão, de cumprimento subordinado à prévia execução da pena imposta no país, constituí empecilho ao livramento condicional do estrangeiro condenado. Unânime.

(HC 83723/MG. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Informativo STF 339. 09/03/2004) [22].

Vale lembrar que a tão-só condição jurídica de estrangeiro não é óbice para concessão dos benefícios contemplados no ordenamento jurídico. Seria uma afronta ao dispositivo constitucional que consubstancia o princípio da isonomia e ao. Art. 3º da lei de Execuções penais que não distingue entre nacionais e estrangeiros. Para que indeferido os benefícios contemplados na lei mister se faz a existência prévia de decreto expulsório do país condicionado ao cumprimento integral da pena imposta na sentença. Tudo isto, como disse MIRABETE por que "o interesse social é expulsá-lo depois de cumprida a pena, não havendo como liberá-lo antes para que reingresse na comunidade onde se fez indesejável" [23].


7. Considerações finais.

A expulsão do estrangeiro nocivo aos interesses nacionais é medida legítima inserida no âmbito da discricionariedade do Poder Executivo federal. Apenas este é juiz da conveniência e oportunidade de expulsar ou revogar expulsão. Como a medida expulsória é efetivada através de regular processo administrativo, necessário se faz a observância dos preceitos legais cabíveis à espécie. Regularmente processada, o mérito desta se torna intangível ao Poder Judiciário. Somente poderá ser obstada pelos motivos constantes em lei.

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Efetivada a expulsão pela Polícia Federal, produz esta três conseqüências de relevo: afasta do território nacional o estrangeiro expulso, veda seu reingresso antes de revogado o decreto de expulsão e torna delituosa a conduta de reingresso de estrangeiro expulso (art. 338 CP).


Bibliografia

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AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Medidas compulsórias, a Deportação, a Expulsão e a Extradição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

IRINEU, Strenger. Direito internacional Privado. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2000.

JACO DOLINGER. Direito Internacional Privado. Parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

___. Manual de Direito Penal. Vol. III. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MAGALHAES NORONHA. Direito Penal. Vol. 4. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

OSCAR TENÓRIO. Direito Internacional Privado. Vol. I. 10. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1970.


Notas

1 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. Parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pág. 206.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 341.

3 OSCAR TENÓRIO. Direito Internacional Privado. 10. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1970, pág. 287.

4 Op. Cit. Pág. 242.

5 HANS KELSEN. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pág. 339.

6 Idem, ibidem.

7 Silva, José Afonso. Op. Cit. Pág. 192.

8 Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pág. 86.

9 Cf também HC 9539/RJ STJ no qual o mesmo tema é ventilado.

10 DOLINGER, Jacob. Op. Cit. Pág. 246.

11 AMORIM, Edgar CARLOS DE. Direito Internacional Privado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,pág. 97.

12 Cf. também HC 29080/DF Dj 08/09/2003, pág. 216.

13 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal.Vol. III. 19. ED. São Paulo: Atlas, 2004, pág. 403.

14 E. MAGALHÃES NORONHA. Direito Penal. Vol. 4. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, pág.356.

15 MIRABETE. Op. Cit. Pág. 404.

16 E. MAGALHÃES NORONHA. Op. Cit.pág. 358.

17 MIRABETE. Op. Cit, pág. 404.

18 COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pág.1082.

19 JESUS,Damásio Evangelista de. Direito Penal. 4º Vol. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 279.

20 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 1147.

21 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2002, pág. 389.

22 Cf. HC 33293/SP do STJ de 07/06/2004 com igual entendimento da matéria.

23 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, pág. 526.

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Sobre o autor
Antoniel Souza Ribeiro da Silva Júnior

acadêmico de Direito da Universidade Católica do Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro. Da expulsão do estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 526, 15 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6047. Acesso em: 26 abr. 2024.

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