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Da expulsão do estrangeiro

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SUMÁRIO: 1. Introdução 2.Conceitos gerais. 3. Requisitos da expulsão. 4. Processamento da expulsão. 5. Causas impedientes da expulsão. 6. Expulsão e as Ciências criminais. 7.Considerações finais. 8. Bibliografia.


1.Introdução.

Como sabemos, cada Estado soberano é senhor e juiz de quais alienígenas poderão ingressar ou permanecer no seu território. Um Estado pode livremente estabelecer quais requisitos devem cumprir os estrangeiros que pretendam ingressar em seu espaço geográfico. Este é um princípio de Direito Internacional aceito pacificamente pelas nações civilizadas.

No Brasil, o diploma legal que rege a situação jurídica do estrangeiro é a lei 6815 de 19 de agosto de 1980, modificada pela lei 6964/81, sendo que a filosofia da atual legislação brasileira sobre a entrada e permanência de estrangeiro em nosso território, é inspirada, segundo lição de JACOB DOLINGER, "no atendimento à segurança internacional, à organização institucional e nos interesses políticos e culturais do Brasil" [1]. Para que se ingresse regularmente em solo pátrio, mister se faz a autorização do Poder Executivo, que é feita pela autoridade consular ou diplomática brasileira no país de origem do estrangeiro. O visto é concedido no passaporte do estrangeiro.

O Estatuto do Estrangeiro dispõe em seu art. 26 que o visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado por qualquer dos motivos listados na própria lei. Vale dizer que, ainda que o alienígena ingresse regularmente, a sua estada aqui em solo brasileiro poderá ser obstada por motivos dispostos na legislação especial. Conclui-se que o visto é ato de cortesia, de liberalidade que pode ser denegado sem ao menos expor as razões para tanto.

Nesta ordem de idéias é que se encaixam as situações de saída compulsória do estrangeiro do território nacional, configurando os institutos da extradição, expulsão e deportação. O objeto de nossas reflexões nesta sede é apenas o instituto da expulsão. Faremos uma análise de como os tribunais superiores têm enfrentado a questão. Transcrevemos várias ementas para facilitar o estudo do leitor.


2. Conceitos gerais.

O Estatuto do Estrangeiro cuida do instituto da expulsão no Título VIII dos arts. 65 ao 75. O ilustre JOSE AFONSO DA SILVA define a expulsão como: "é um modo coativo de retirar o estrangeiro do território nacional por delito ou infração ou atos que o tornem inconveniente. Fundamenta-se na necessidade de defesa e conservação da ordem interna ou das relações internacionais do Estado interessado" [2].

A expulsão configura uma das hipóteses de retirada compulsória do estrangeiro do território nacional, quando que este aqui ingressou de maneira regular. Do contrário seria o caso de deportação ou repatriamento. Um dos principais pressupostos para medida extrema da expulsão é que o alienígena esteja em situação regular no Brasil.

O poder de expulsar o estrangeiro está inserido no poder discricionário do Estado, enquanto uma das manifestações de sua soberania. A medida extrema "encontra apoio na necessidade do Estado de defender as suas instituições, assegurar a tranqüilidade pública e eliminar de seu meio os elementos estrangeiros perniciosos ou nocivos" [3]. DOLINGER leciona que o poder de expulsar o estrangeiro talvez seja um dos pontos principais de distinção entre o nacional e aquele, pois o nacional tem o direito inalienável de permanecer em solo pátrio, uma vez que a constituição da República veda o banimento, enquanto que o estrangeiro "não tem esta garantia, pois o Estado, mesmo depois de tê-lo admitido em seu território em caráter permanente, guarda o direito de expulsá-lo se for considerado perigoso para a boa ordem e a tranqüilidade pública" [4]. KELSEN expressa semelhante razão quando diz que "via de regra, apenas os cidadãos (rectius "os nacionais") têm o direito de residir dentro do território do Estado, isto é o direito de não serem dele expulsos" [5].

Ou seja, permanecer ou não no país é questão que se insere no âmbito da soberania do Estado. Entendemos que seria intolerável para qualquer nação ter entre os seus obrigatoriamente um alienígena que de uma forma ou de outra se tornou nocivo para convivência entre os nacionais. Seguindo ainda os trilhos de KELSEN: "o governo habitualmente reserva-se o poder de expulsar estrangeiros a qualquer momento e por qualquer motivo" [6]. Embora a largueza desta assertiva do mestre não se aplique ao direito brasileiro, verdade que é o Estado tem o "poder" de expulsar os estrangeiros segundo os motivos especificados em lei especial.

A expulsão do estrangeiro está inserida na esfera dos poderes discricionários do Estado. O que vale dizer, que a expulsão não pode ser arbitrária, sob pena de malferir os direitos e garantias fundamentais do cidadão reconhecidos no art. 5º, caput, in verbis: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes..." (itálico nosso). Embora o texto do dispositivo se refira "aos estrangeiros residentes", inegável que os estrangeiros não residentes possam fruir dos direitos e garantias assegurados na Magna Carta. Inegável que o estrangeiro não residente possa impetrar ordem de Hábeas corpus para remediar ilegalidades à sua liberdade de locomoção, por exemplo. O ilustre constitucionalista mencionado linhas atrás aduz: "Isso não quer dizer que os estrangeiros não residentes, quando regularmente se encontrem no território nacional, possam sofrer o arbítrio, e não disponham, de qualquer meio, incluindo os jurisdicionais, para tutelar situações subjetivas. Para protegê-los, há outras normas jurídicas, inclusive de Direito Internacional, que o Brasil e suas autoridades têm que respeitar e observar... " [7].

Discrição não se confunde com arbítrio. Este implica uma conduta da autoridade que não respeita os limites impostos pela ordem jurídica. Consubstancia-se em autêntica ilegalidade. Já a discricionariedade, não, "tem inserida em seu bojo a idéia de prerrogativa, uma vez que a lei, ao atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela administração diante do caso concreto; ela implica liberdade a ser exercida nos limites fixados na lei" [8](destaque nosso). Com efeito, apesar de ser um direito reconhecido internacionalmente a qualquer Estado soberano, não poderia um ato tão grave deste mesmo Estado desprezar as regras do devido processo legal com os corolários da ampla defesa e contraditório. Não podemos esquecer que o cidadão estrangeiro entrou e está regularmente no solo pátrio. Como se trata de poder discricionário do Executivo, não caberia, então ao Poder Judiciário aferir da conveniência e da oportunidade do ato expulsório. O egrégio Superior Tribunal de Justiça assim tem se manifestado sobre a espécie:

"HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. TRÁFICO DE DROGAS. EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO. INGERÊNCIA DO JUDICIÁRIO NO PODER EXECUTIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não cabe ao Poder Judiciário examinar a conveniência e a oportunidade de ato Poder executivo consistente na expulsão de estrangeiro cuja permanência no país é indesejável e inconveniente à ordem públicas.(...). 3. Hábeas corpus denegado. HC 16.819/PA. 1ª Seção. Rel. Peçanha Martins. DJ 15/04/2002, pág. 162" [9].

Compete aos juízes aferir da legalidade da expulsão, não da conveniência e do mérito. Ao Judiciário compete tão somente a apreciação formal e constatação da existência ou não de vícios de nulidade do ato expulsório, não o mérito da decisão do Poder Executivo.


3. Requisitos da expulsão do estrangeiro

.

O Estatuto dos Estrangeiros contempla em seu art. 65 as hipóteses fáticas ensejadoras da expulsão: atentado à segurança, à ordem política e social; atentado à tranqüilidade, moralidade pública e economia popular; ou procedimento nocivo à conveniência e aos interesses nacionais. No parágrafo único deste mesmo artigo traz outras hipóteses, in verbis:" É passível, também, de expulsão o estrangeiro que: a) praticar fraude a fim de obter sua entrada ou permanência no Brasil; b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação; c) entregar-se a vadiagem ou mendicância; ou d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro".

No caput do artigo são contemplados vários conceitos indeterminados que permitem uma ampla margem de discricionariedade por parte da autoridade pública na apreciação dos casos passíveis de expulsão. A largueza destes conceitos permite inserir várias condutas do estrangeiro em solo pátrio que poderão levá-lo a retirada compulsória do território nacional. Por exemplo, o estrangeiro sujeito à jurisdição nacional que aqui cometa um delito pode se inserir na hipótese "de atentado à ordem social e à tranqüilidade públicas" (art. 65, caput da lei 6815/80). A sua expulsão poderá ocorrer ainda que esteja respondendo a ação penal ou que tenha sido condenado, à luz do que dispõe o art. 67 do referido Estatuto.

Situações mais concretas se inserem nas hipóteses consignadas no parágrafo único do pré-falado art. 65. O estrangeiro, que aqui se dedique a algumas daquelas vedações prescritas no art. 106 do Estatuto estará sujeito à expulsão. À guisa de exemplos: é vedado ao estrangeiro ser proprietário ou comandante de navio (inciso I), ser proprietário de empresa jornalística e de televisão, bem como acionista ou sócio das referidas empresas (inciso II), participar da administração e representação de sindicatos (inciso VII), etc.

Vedado também está participação em atividade política, nem se imiscuir direta ou indiretamente nos negócios públicos do Brasil, organizar associações ou entidades de caráter político, organizar desfiles, comícios ou passeatas com fins políticos, etc (art. 107, caput e incisos). Com relação a estas atividades de cunho político, tais disposições não se aplicam ao Português beneficiário do estatuto da igualdade ao qual tiver sido reconhecido o gozo de direitos políticos (art. 107, parágrafo único). Contemplada ainda no Estatuto dos estrangeiros outra hipótese de expulsão, o disposto no art. 87. Neste caso, não retirando o Estado solicitante de extradição o seu nacional de território brasileiro, o extraditando poderá responder a processo de expulsão, se o motivo da extradição o justificar.


4.Processamento da expulsão.

Compete ao Ministro da Justiça instaurar ex officio ou mediante solicitação de outra autoridade administrativa o processo de expulsão do estrangeiro (art. 70 da lei 6815/80). Caso se trate de infração penal dolosa ou crime contra segurança nacional, ordem política e social, moralidade e saúde pública, deverá o órgão do Ministério Público enviar ao Ministério da Justiça cópia de sentença penal condenatória transitada em julgado e folha de antecedentes criminais do réu estrangeiro. Tudo isto em até 30 (trinta) dias do trânsito em julgado. São mandamentos do art. 68 e parágrafo único do estatuto do alienígena.

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Os dispositivos da lei 6815/80 foram regulamentados pelo dec. 86725/81 que nos seus arts. 100 "usque" 109 disciplina o processo administrativo de expulsão. Segundo reza o art. 102 do referido decreto, compete à Polícia Federal, mediante portaria, instaurar o inquérito de expulsão mediante requisição do Ministro da Justiça. Atendendo ao devido processo legal, notifica-se ao expulsando da instauração do inquérito com designação de dia e hora para o interrogatório, com antecedência mínima de dois dias úteis (art.103, &1º). Não sendo encontrado o estrangeiro, será notificado por edital publicado no Diário oficial da União por dez dias, por duas vezes (art. 103, &2º). Atendida notificação o estrangeiro será interrogado, identificado e fotografado, podendo indicar provas que desejar produzir e indicar seu defensor (art. 103, &4º). Não comparecendo ou não indicando defensor, ser-lhe-á indicado defensor dativo. Tanto o expulsando quanto o defensor têm o prazo de seis dias, "que correm em cartório", para ter vista dos autos e formular defesa ( art. 103, && 6º e 7º). Concluída a instrução, o inquérito deverá ser remetido relatado em 11 dias para o Departamento Federal de Justiça do Ministério da Justiça, que por sua conta o encaminhará com parecer ao Ministro da Justiça que submeterá ao presidente da República. Isto tudo quanto dispõe os arts. 105 e 106 do decreto regulamentar da lei 6815/80. Compete ao chefe do Executivo Federal decretar a expulsão do alienígena ou revogá-la segundo seus critérios de oportunidade e conveniência (art. 66 da lei 6815/80). Caberá pedido de reconsideração no prazo de 10 dias, consoante faculdade oferecida pelo art. 72 da lei e 107 do decreto sob comentários.

À evidência que o decreto expulsório presidencial que não for amparado pelo processo administrativo em que seja assegurada a defesa do estrangeiro, será anulado pelo Judiciário caso seja este provocado pela via própria do Hábeas corpus aplicável como remédio jurídico para assegurar a liberdade do estrangeiro.

Questão assaz delicada discutiremos em seguida. Conforme o art. 69 da lei dos estrangeiros poderá o Ministro da Justiça determinar a prisão por até 90 (noventa) dias do estrangeiro caso seja necessário para instrução e execução da medida de saída compulsória do estrangeiro. Tal dispositivo deve ser interpretado cum grano salis, à luz da Constituição da República. Senão, vejamos. O dispositivo constitucional do art. 5º, inciso LXI:" Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei". A única modalidade de prisão administrativa admitida no direito brasileiro é a que se refere às transgressões disciplinares militar, na forma da lei. Não poderá, portanto o Ministro de Estado expedir ordem de prisão para o estrangeiro. Deverá representar a autoridade judiciária para que expeça tal mandado de prisão a ser cumprido pela Polícia Federal. Neste particular, devemos interpretar o disposto no art. 69 de lei 6815/80 conforme a Constituição.

A situação é análoga a da prisão preventiva do extraditando, quando no art. 82 desta mesma lei, a doutrina e jurisprudência têm com acerto interpretado como inconstitucional tal medida decretada pela autoridade administrativa, devendo, nestes casos, o Ministro relator no STF determinar a prisão preventiva do extraditando. Nossa interpretação da prisão do expulsando, é ampara pelo disposto no &2º do decreto 98961/90 que cuida da expulsão do estrangeiro condenado por tráfico de drogas e entorpecentes, ipsis literis:" Na hipótese de atraso do decreto de expulsão, caberá ao Ministro da justiça requerer ao Juiz competente, a prisão, para efeito de expulsão, do estrangeiro de que trata este decreto" (grifos nossos).Vale dizer, prisão preventiva do expulsando só aquela decretada pelo Judiciário.

O Tribunal Regional da 2ª Região sobre este tema recentemente decidiu em sede de Hábeas corpus assim ementado:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO DE ESTRANGEIRO PARA EXPULSAÕ. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. LEI 6815/809. DIPLOMA LEGAL RECEPCIONADO PELA CF/88. DENEGAÇÃO DA ORDEM. I-A prisão de estrangeiro para finas de expulsão, constitui medida baseada no art. 69, caput, da lei 6815/80. II-Com a promulgação da Carta Magna, a decretação da prisão, consubstanciada no aludido diploma legal – Estatuto dos Estrangeiros-, é cabível, desde que determinada por autoridade judiciária, conforme o art. Art. 5º, LXI. III- Portanto, não se vislumbra qualquer ilegalidade na decisão que determinou prisão administrativa, mas sim um ato emanado de autoridade competente, devidamente fundamentado e respaldado pela legislação que disciplina a matéria – lei 6815/80- a qual restou recepcionada pela Constituição Federal de 1988. IV. Ordem denegada.( itálico nosso) ( HC 3421. TRF 2ª Região. Rel. Juiz Arnaldo Lima. DJU 08/03/2004, pág. 287).

De tudo quanto foi exposto linhas atrás, é fácil concluir que a medida expulsória não é pena. Trata-se de medida administrativa exercida em proteção do Estado, como manifestação de sua soberania [10]. Para tanto é imperativo o atendimento aos dispositivos constitucionais que asseguram a ampla defesa e contraditório no processo administrativo, bem como a observância do rito prescrito no decreto 86715/81. O decreto expulsório há de ser motivado. Fora dos parâmetros do ordenamento jurídico, a expulsão do estrangeiro é medida arbitrária a ser oportunamente rechaçada pelo Judiciário.


5.Causas impedientes da expulsão.

Em se cuidando de ato discricionário do Estado, e não de medida arbitrária, o ato expulsório deve se cingir aos limites do ordenamento jurídico pátrio. Tanto o legislador constitucional quanto o ordinário fixaram limites à atuação do Executivo. A Constituição federal assegura aos litigantes em geral nos processos administrativos a ampla defesa e o contraditório, consignando, ainda, que as prisões em geral hão de emanar de ordem de autoridade judiciária competente, salvo nos casos que ela mesma especifica. No estatuto do estrangeiro o legislador estabeleceu os pressupostos fáticos a autorizar a medida expulsória.

No art. 75 de lei 6815/80 encontramos as vedações legais à expulsão, in verbis: "I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou II - quando o estrangeiro tiver: a) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente". Em relação ao primeiro inciso o estatuto proíbe que o expulsando seja enviado compulsoriamente ao país de origem, podendo configurar hipoteticamente uma extradição mascarada de expulsão. Nesta medida de retirada compulsória do estrangeiro, este escolherá o país para onde quer ir. EDGAR CARLOS DE AMORIM contempla hipótese de estrangeiro que comete crime político em seu país e aqui no Brasil é condenado por tráfico de drogas. Não poderá ser expulso para o país de origem por configurar caso de extradição não admitida pelo direito brasileiro [11]. Em relação ao inciso seguinte, intenta-se proteger a entidade familiar que poderia ficar desagregada sem um dos seus elementos. A existência de menor sob a guarda do expulsando ou que viva às suas expensas constitui vedação à saída compulsória na qual o interesse da criança sobrepuja o interesse do Estado. Com a presença do estrangeiro em solo pátrio garante-se o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar e a respectiva obrigação alimentícia. Neste tema, em recente decisão em sede de Hábeas corpus o STJ já se pronunciou:

"HABEAS CORPUS – lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro). ESTRANGEIRO COM PROLE NO BRASIL. FATOR IMPEDITIVO. TUTELA DO INTERESSE DA CRIANÇA. Arts. 227 e 229 da CF/88. Decreto 99.170/90 – CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. 1. A regra do art. 75, II, b, da lei 6815/80 deve ser interpretada sistematicamente, levando em consideração, especialmente, os princípios da CF/88, da lei 8069/90 (ECA) e das convenções internacionais recepcionadas pelo nosso ordenamento jurídico. 2. Proibição de expulsão de estrangeiro que tenha filho brasileiro objetiva resguardar os interesses da criança, não apenas no que se refere à assistência material, mas à sua proteção em sentido integral, inclusive com a garantia do direito à identidade, à convivência familiar, à assistência dos pais. 3. Ordem concedida. ( HC 31. 449/DF. Rel. Francisco Falcão. 1ª Seção. DJ 31/05/2004, pág. 169) (12).

Desrespeitando tais limites legais, eivado de nulidade está o ato administrativo que decreta expulsão, e fatalmente será anulado pela autoridade judiciária. O Estatuto do refugiado (lei 9474/97) contempla, ainda duas outras proibições em matéria de expulsão do estrangeiro. No art. 36 veda expulsão do refugiado que esteja regularmente registrado, salvo por motivos de segurança nacional ou de ordem pública e no artigo seguinte prescreve que "A expulsão do refugiado do território nacional não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada quando da certeza de sua admissão em país onde não haja riscos de perseguição".

Por fim, cabe ainda alguns comentários aos parágrafos 1º e 2º do art. 75. O primeiro dispõe que a adoção ou reconhecimento de filho brasileiro superveniente ao fato que a motivar não obstará a expulsão. O dispositivo considera que o expulsando pode ter procurado obstar sua expulsão consitutindo prole após o fato motivador da expulsão. Seria uma tentativa de burlar a lei. No segundo parágrafo, dispõe que "verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo". Temos que esta hipótese de abandono do filho é inconstitucional, pois não ampara os melhores interesses da criança. Quid iuris se o abandono for para furtar-se à obrigação alimentícia? Não ficaria o menor desamparado? O STJ já decidiu:

"HABEAS CORPUS - ESTRANGEIRO COM FILHO BRASILEIRO - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. A vedação a que se expulse estrangeiro que tem filho brasileiro atende, não apenas ao imperativo de manter a convivência entre pai e filho, mas um outro de maior relevo, qual seja, do de manter o pai ao alcance da cobrança de alimentos. Retirar o pai do território brasileiro é dificultar extremamente eventual cobrança de alimentos, pelo filho". (HC 22446/RJ. Rel. Eliana Calmon. DJ 31/03/2003, pág. 141. 1ª seção).

Andaria melhor a lei se considerasse que "verificada a emancipação ou maioridade do filho, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo". Em nosso sentir, nestes casos provavelmente não haveria mais dependência econômica dos filhos em relação aos pais. O STF editou ainda antes da CF/88 a súmula n.1: " É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro dependente da economia paterna".

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Sobre o autor
Antoniel Souza Ribeiro da Silva Júnior

acadêmico de Direito da Universidade Católica do Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Antoniel Souza Ribeiro. Da expulsão do estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 526, 15 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6047. Acesso em: 23 dez. 2024.

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