Psicopatia versus direito: uma reflexão à luz do direito penal

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A psicopatia sempre foi tema bastante instigante e polêmico. Há tempos vem sendo estudada por vários teóricos da psiquiatria, psicologia, e ultimamente, por muitos criminólogos. É necessário que as sanções coercitivas e punitivas sejam revistas, e que haja maior rigor nos exames médicos para tal diagnóstico, sem, contudo, esquecer-se do aspecto social dessa psicopatologia.

Resumo: A psicopatia sempre foi um tema bastante instigante e polêmico. E há tempos vem sendo estudada por vários teóricos da Psiquiatria, Psicologia, e, ultimamente, por muitos criminólogos. Face aos vários níveis de psicopatia, existe ainda uma certa dificuldade em diagnosticá-la, outrossim, de encontrar uma sanção penal adequada para os psicopatas autores de infrações penais. Portanto, o objetivo desse trabalho é, por meio de estudos realizados acerca do tema, discutir, questionar e ponderar sobre as sanções penais apropriadas para os crimes cujos autores são portadores de psicopatia, questionar as penas cominadas, a partir de uma observação crítica e objetiva, bem como discutir se o psicopata pode ser considerado imputável, semi-imputável ou inimputável, sempre sob a égide do Direito Penal.


Introdução

Não se ouviu falar tanto em crimes atribuídos a psicopatas. Está cada dia mais frequente a ideia de estarmos vivendo em uma sociedade violenta, individualista, e por conta de um “capitalismo selvagem”, uma busca desenfreada pelo ter, nos deparando com crimes cometidos por pessoas de todas as classes sociais. Antes, o crime em sua maioria, era disposto para pessoas de classe menos favorecida, sendo, portanto, associado à pobreza, miséria e a falta de oportunidades que, geralmente, existem em meio a essa classe. Por isso, os especialistas estudam, numa tentativa de entender as causas do crime. O que altera uma pessoa a cometer crime violento? Quais as causas da psicopatia? Ela pode ser considerada uma doença mental? A sanção penal é adequada e justa?

Esse fenômeno, a psicopatia, deve ser exposto a toda sociedade, como afirma Silva (2008). Pois, são vários anos, ou melhor, são vários séculos de especulações, para que, somente nos últimos anos, fosse possível desvendá-la. Eles (psicopatas) vivem em meio à sociedade, o que nos torna tão vulneráveis a eles.

A escolha desse tema para o artigo predispõe aos estudos realizados por nós tanto na área da Psiquiatria, Psicologia, como do Direito. Sobretudo em uma pesquisa detalhada no que concerne à psicopatia sob a égide do Direito Penal.

Com relação ao conceito,  as  causas,  ao  diagnóstico  da  psicopatia,  o  estudo  foi realizado e fundamentado nas teorias dos autores aqui dispostos, pois o nosso objetivo é destacar e ter um novo olhar mais crítico e científico sobre esse transtorno (psicopatia). Fazendo uma análise se há proporcionalidade entre o crime cometido por um psicopata e a pena cominada.


1. Breve Contextualização

Desde muito antes, pessoas cometem crimes na sociedade. Basta observarmos o passado e verificarmos a veracidade dessa assertiva. A História está carregada de pessoas que cometeram verdadeiras atrocidades contra outras. Em alguns desses crimes podemos perceber indícios de psicopatia. Entretanto, no passado, a psicopatia confundia-se muito com a loucura. Aliás, para leigos, a linha é tênue entre a loucura e a psicopatia. Geralmente são crimes que causam muita revolta, consternação, e assusta toda a sociedade por conta da violência empregada.

Machado de Assis (2010), de maneira irônica criticou a falta de cientificismo em seu livro "O Alienista", com o seu personagem Simão Bacamarte, que conseguiu internar uma cidade quase toda em um asilo chamado "Casa Verde".

Nunca uma opinião pegou e grassou tão rapidamente. Cárcere privado: eis o que se repetia de norte a sul e de leste a oeste de Itaguaí, a medo, é verdade, porque durante a semana que se seguiu à captura do pobre Mateus, vinte e tantas pessoas -  duas ou três de consideração- foram recolhidas à Casa Verde. O alienista dizia que só eram admitidos os casos patológicos, mas pouca gente lhe dava crédito [...] Vingança, cobiça de dinheiro, castigo de Deus, monomania do próprio médico [...] (Machado de Assis, 2010).

Mas, longe da ficção machadiana, existiram os casos concretos na história da humanidade.

Aproximadamente 1.550 anos, na Hungria, Elisabeth Bathary3, conhecida como “A Condessa de Sangue”, que vivia com os pés entre o sadismo e a loucura, cometeu crimes tão horrendos, que chegam a ser inacreditáveis.  Divertia-se torturando empregados do seu castelo, com as próprias mãos. Sangrava virgens até a morte, apenas para banhar-se com o sangue, prática que ela acreditava que a rejuvenesceria. Um detalhe chocava mais ainda as pessoas: as vítimas teriam que permanecer vivas durante todo o ato de tortura. Eis algumas “proezas” da perversa condessa:

•   Arrancar a pele das vítimas ainda vivas;

•   Fazer experiências enxertando partes de cadáveres em pessoas vivas;

•   Queimar genitália com tochas;

•   Provocar queimaduras terríveis ao mergulhar as vítimas em óleo fervente;

•   Costurar bocas e narizes, deixando a vítima sem condições de respirar;

•    Banhar-se com fluídos dos corpos esmagados pelas máquinas desenvolvidas por ela mesma.

Outro sanguinário perverso, conhecido é Adolf Hitler (ditador alemão). Este Austríaco cometeu um verdadeiro genocídio que ficou conhecido como Holocausto. Ordenou o extermínio de negros, judeus, homossexuais e ciganos em todo território de domínio alemão. Ao todo dados extraoficiais destacam, seis mil pessoas foram mortas por dia.

Em Londres, houve um serialkiller4   conhecido como “Jack, o estripador”5. Sua identidade até hoje não fora descoberta, matava apenas prostitutas. Em abril de 2001, foi revelada uma carta “esquecida” nos arquivos da “Scotland Yard6”. A data era 28 de outubro de 1888. Tendo sido endereçada a Thomas HorrocksOpenshaw, encarregado de examinar os cadáveres das vitimas do estripador.

No cinema também existem personagens tão perversos, ou até mais do que os dos casos concretos. Como, Dr. Hannibal Lecter, um psiquiatra e serialkiller.

No Brasil, houve vários casos de crimes cometidos por psicopatas que deixaram a população assustada, como o caso de João Acácio Pereira da Costa, 25 anos7. Era fascinado pela cor vermelha. Dizia que era “a cor do diabo”. Assassinou friamente na década de 60 várias pessoas, era um ladrão que aterrorizava as noites da capital paulistana e só atacava mansões. O mesmo roubava e obrigava as vítimas a cozinharem de madrugada para ele. Estuprava e, às vezes, assassinava. Começou a ser chamado de "Bandido da Luz Vermelha", referência a um assaltante e homicida norte-americano que ficou conhecido mundialmente, Caryl Chessman. Chessman agia sempre sob uma Lâmpada vermelha igual dos carros de polícia e sempre alegou ser inocente.

Entre 1997 e 1998, o motoboy Francisco de Assis Pereira, também conhecido como o “Maníaco do parque”, estuprou, torturou e matou aproximadamente 11 mulheres no parque do Estado, situado na região sul da cidade de São Paulo. Após ser apreendido pela polícia, estes ficaram impressionados por ser um homem feio, pobre, de pouca instrução e que não portava armas, curiosos em como aquele homem feio conseguiu convencer suas vítimas, as autoridades perguntaram no interrogatório e ele não hesitou ao falar “bastava falar aquilo que elas queriam ouvir.” (SILVA, 2008).

Destacamos que a psicopatia vai muito mais além do que nos mostram a mídia sensacionalista. Tantos crimes absurdos e inexplicáveis para a maioria da população, necessita-se de maior clareza, bem como conhecimentos acerca do assunto, no sentido de desmitificar a psicopatia diante da psiquiatria forense. Compreender o que é a psicopatia é imprescindível na hora da cominação da pena.  Ajustando, pois, a sanção adequada, à condição mental do agente passivo do crime.


2. Conceito de psicopatia

A psicopatia é um dos transtornos de personalidade mais estudados, considerando que causa forte impacto negativo na sociedade. Vários estudos apontam que a psicopatia se manifesta em um conjunto de condutas cujos fatores podem ser de ordem biológica, personalidade e ambientais. (SOEIRO & GONÇALVES, 2010).

Definir psicopatia reveste-se de grande complexidade. Na verdade, definição deste conceito foi salvo de varias influências, quer em termos de sua evolução na vertente cientifica, quer em termos da sua utilização ao nível da linguagem de senso comum, onde este conceito surgiu como sinônimo de “louco” ou “criminoso”.

A psicopatia, em âmbito aos preceitos teóricos da Psiquiatria, é um transtorno mental, não devendo, portanto, ser considerada doença (FILHO, 2012, p.  52). Existe uma característica muito peculiar que as difere, que é a capacidade de apreender o mundo. No transtorno mental, há uma redução nessa capacidade, ao passo que na doença mental essa capacidade permanece intacta, podendo, portanto, haver uma alteração na capacidade volitiva com relação às pulsões. (FILHO, 2012, p. 52)

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De acordo com o DSM-IV-TR8  (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), em um texto revisado pela Associação americana de Psiquiatria, em que declara, a psicopatia é um Transtorno de Personalidade Antissocial, cuja característica fundamental é a falta de respeito e empatia para com o outro, não respeitando limites, regras, e uma excessiva violação de direitos alheios. (MEDEIROS, 2012, p. 11)

Já segundo o CID-109, uma Classificação Internacional de Doenças elaborada sob a égide da Organização Mundial da Saúde (OMS), a psicopatia é um Transtorno da Personalidade Adulta.10

2.1 Fatores

Existem várias possibilidades que originam a psicopatia em um individuo. Dentre as quais citaremos as três principais:11

2.1.1 Fatores Genéticos

Sigmund Freud (2002) discorreu que as exigências da sociedade em detrimento do indivíduo causam um grande mal-estar, sendo que o mesmo é inimigo da civilização. O mesmo autor, (FREUD, 1927), afirma que sempre existirá uma parte da sociedade que nunca se adaptará as exigências sociais. Portanto apresentarão patologias em função do excesso pulsional, permanecendo assim, associal.

2.1.2 Fatores Ambientais

Um ambiente considerado não propício a um desenvolvimento saudável acredita-se ser um forte desencadeador da psicopatia. Durante a infância, o indivíduo precisa estar em um ambiente tranquilo, no qual não haja propensão a desenvolvimentos dos ímpetos destrutivos. É fato que toda criança precisa crescer, desenvolver-se em um ambiente no qual haja regras de conduta, respeito, amor, carinho, para que ela receba valores, e não seja educada tendo como base a violência e a falta de respeito para com os outros. A criança sim é afetada pelo meio no qual se encontra inserida.

2.1.3 Lesões Cerebrais

O caso clássico desse tipo de psicopatia é o do Phineas Gage. Phineas sofreu um acidente, provocando uma lesão cerebral por causa de um tipo de ferro introduzido em sua cabeça atingindo o córtex frontal.

Phineas a partir daí começou a ter mudanças no seu comportamento, tornando-se violento, com sintomas de psicopatia.

Mais de 150 anos após o acidente, a neurociência tem uma explicação aproximada sobre o que aconteceu com Phineas. Sabemos hoje que a região mais anterior do cérebro é responsável pela nossa capacidade de planejamento, a fundamental capacidade de prever o que vai acontecer caso façamos isto ou aquilo. Assim, nos ajuda a tomar a decisão correta, às vezes até de forma não consciente.

Portanto, percebemos que poderia haver uma ligação entre a lesão sofrida por Phineas e o desenvolvimento da psicopatia.

2.2 Características

Conforme Silva (2008), as seguintes características foram identificadas nos indivíduos com comportamento psicopático:

•   Eloquência;

•   Egocentrismo;

•   Megalomania;

•   Ausência de sentimento de culpa;

•   Ausência de empatia;

•   Manipulação por meio de mentiras;

•   Impulsividade;

•   Nível de autocontrole reduzido;

•   Comportamento transgressor;

•   Necessidade de excitação;

•   Suicídio raramente concretizado;

•   Vida sexual e interpessoal trivial e deficitariamente integrada e

•   Fracasso em seguir um plano de vida.

Silva (2008) relata que psicopatas são indivíduos fisicamente iguais a nós. Contudo, possuem uma diferença que os colocam em um lugar distante dos outros indivíduos: não possuem consciência.

Muitos seres humanos são destituídos de responsabilidade ética que deveria ser a base essencial de nossas relações emocionais com os outros. Sei que é difícil de acreditar, mas algumas pessoas nunca experimentam ou jamais experimentarão a inquietude mental, ou o menor sentimento de culpa ou remorso por desapontar, magoar, enganar ou até mesmo tirar a vida de alguém. (SILVA, 2008)

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