RESUMO: Com o advento da internet e o aumento exponencial das relações jurídicas realizadas na rede, bem como a diversidade de negócios que a mesma nos proporciona, além das cifras significativas deste ramo, percebo a importância do estudo destas relações e as possíveis consequências empresariais para os negócios e para os consumidores. Verifico, ainda, um aumento significativo das ações que têm como fundamento estas relações comerciais e, observando as decisões apontadas pelas diversas instâncias, analisando suas tendências, portanto, este trabalho tem como objeto o estudo dos serviços disponibilizados por sites de comparação de preços e sua relação com o CDC, procurando observar qual o tipo de responsabilidade a que estes estão sujeitos. Com uma abordagem histórica da evolução do capitalismo e do comércio varejista, sua relação com o direito empresarial, a evolução dos conceitos de direito empresarial e do conceito de empresa, bem como a evolução do e-commerce, relacionando-os com um estudo contundente sobre a responsabilidade civil, seus fundamentos e conceitos, sua aplicação aos fatos jurídicos que têm relação com estes sites e os serviços prestados por estes, de forma direta ou indireta, além de aspectos da responsabilidade solidária ligada a esta relação. Utilizando o método histórico/monográfico para o caso em tela, visando servir de referência para os casos semelhantes, observo que a legislação atual é suficiente para uma abordagem completa e satisfatória do assunto, além de concluir que estes sites têm responsabilidade objetiva solidária diante dos consumidores, ainda, que se valham somente da afirmativa de servirem como meros publicitários.
Palavras chave: e-commerce. Responsabilidade Civil. Responsabilidade Solidária. Internet. Sites. Comparação de preços.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO..HISTÓRIA DO CAPITALISMO E DO COMÉRCIO..Construindo a liberdade. Da crise à evolução e consolidação jurídica do conceito de empresa. Das prateleiras para a “rede”. DIREITO EMPRESARIAL E AS RELAÇÕES CONSUMERISTAS. Conceitos e princípios do Direito Empresarial . Entendendo as metodologias utilizadas. A RESPONSABILIDADE DOS SITES DE COMPARAÇÃO DE PREÇOS. Da responsabilidade civil .Responsabilidade solidária ou subsidiária. CONCLUSÃO..REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A velocidade das mudanças ocorridas em nossos dias têm nos assombrado e assolapado a dinâmica legislativa na atualização de nossa legislação.
Um país em que um projeto de lei pode demorar décadas para ser votado, não irá manter tal sistema em pleno funcionamento por muito tempo, porquanto, as necessidades e o clamor sociais irão determinar que mudanças sejam feitas de forma célere. Como aponta Eduardo Sabbag:
As mudanças tecnológicas em curso têm gerando enorme surpresa em todas as áreas do convívio social. Afinal, situações ou casos antes tratados como ficção científica já fazem parte do dia-a-dia das pessoas e desafiam os cientistas e técnicos de todos os setores, entre eles os operadores do direito.
As repercussões, no entanto, não se processam do mesmo modo, com as mesmas conseqüências, nos vários quadrantes do direito. Com efeito, no âmbito do direito privado (civil e comercial) vige a liberdade de forma (art. 82 do Código Civil). (SABBAG, 2000)
No entanto, mesmo com a “liberdade de forma” apregoada pelo jurista, a velocidade de mudanças na internet é significativamente superior aos intentos legislativos e, muitas vezes, a atualização do judiciário, principalmente, com relação ao representante direto do Estado na tríade relação jurídica que se vislumbra com a lide, o juiz.
Para isto temos um arsenal de possibilidades que se descortinam na hermenêutica jurídica visando a auxiliar o Estado-juiz na persecução de seu maior intento: aplicar as leis de forma atual e equânime às situações que se descortinam em nosso cotidiano e que são levadas ao arbítrio deste, por conta de sua necessária inércia, para que através dos princípios de interpretação jurídica, possa alcançar tal intento.
Diante desta demanda, surgem as lides digitais, onde as fronteiras são alargadas e as lides dinâmicas, confundindo o direito e sua aplicabilidade, exigindo do operador do direito uma dinâmica nunca vista, anteriormente, de atualização constante, lembrando que o “Direito não é nem deve ser complexo. Deve ser simples e com alto grau de compreensão das relações sociais, estas sim complexas” (PINHEIRO, 2013, p. 49), fazendo-nos chegar à conclusão de que “quando a sociedade muda, deve o Direito também mudar, evoluir” (PINHEIRO, 2013, p. 49), conforme se observa das palavras da Dra. Patrícia Peck.
Estas conclusões têm se tornado um desafio no ramo do Direito Empresarial, em especial no ramo do Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerado um dos mais avançados institutos jurídicos de defesa do consumidor do mundo, tem encontrado diversos incitamentos para a consecução de seus objetivos finalísticos, prenunciados pela Constituição Federal (CF) e delineados pelo próprio CDC, conforme se aduz de seu artigo 1º, á “proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias” (BRASIL, 1990), bem como o que se vislumbra do artigo 4º do mesmo dispositivo legal ao confirmar que “tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (BRASIL, 1990).
Com a multiplicação da tecnologia, que está a serviço do homem, tornou-se possível uma maior concorrência das empresas, incentivando, sobremaneira, a livre iniciativa e a concorrência. Possibilitando que o empreendedorismo tornar-se menos oneroso e que pudesse alcançar, de forma efetiva, um maior número de clientes com um menor investimento. Trata-se da vitrine virtual, que está 24 horas aberta, com o mínimo de pessoas trabalhando, fazendo negócios sem restrições.
Com isto, surgiu a possibilidade de se verificar os preços e a qualidade dos produtos, pelo menos em tese, de forma mais abrangente, trazendo enormes ganhos ao consumidor, no entanto, tal situação, devido a enorme quantidade de fornecedores, inclusive as empresas produtoras, trouxe um problema: o tempo despendido para a pesquisa!
Para se conseguir efetividade nesta nova demanda social consumerista, algumas empresas criaram um serviço que agrega a possibilidade de pesquisa com a análise da qualidade do produto e do fornecedor, feita por consumidores e pela tabulação de dados fornecidos pelos negócios realizados.
Para tanto, empresas como Buscapé, Bondfaro, Zoom etc, disputam a possibilidade de o consumidor fazer negócios por seus portais, de forma “gratuita”, possibilitando ao cliente uma ferramenta útil para a pesquisa das informações acima descritas.
No entanto, tais facilidades criaram uma enxurrada de fraudes, onde empresas fantasmas se utilizam da tecnologia para realizar negócios, angariando os recursos financeiros de seus clientes, sem a respectiva contrapartida, sendo que um grande número de pessoas sofre o prejuízo e não buscam seus direitos, como em qualquer área jurídica, para se verificar tal situação não é necessário um conhecimento profundo de informática ou mesmo jurídico, uma simples pesquisa na “rede” irá nos assombrar, com sites especializados como o site http://www.reclameaqui.com.br/, pioneiro neste ramo, e outros que surgiram onde os consumidores informam os problemas que têm com os fornecedores de suas mercadorias.
Necessário, portanto, um estudo que aborde os conflitos atuais e suas possíveis soluções, a fim de auxiliar o operador do direito na solução destas controvérsias e aplicar, de forma efetiva, os objetivos constitucionais almejados, dirimindo questões sobre as responsabilidades dos atores neste processo e suas implicações, bem como um olhar auspicioso sobre a legislação pertinente, levando-se em consideração as mudanças ocorridas durante a evolução do Direito.
Neste intento surge este trabalho, que busca verificar as relações entre consumidores e os sites de pesquisa de preço, seus enlaces comerciais e jurídicos, de forma a possibilitar um raciocínio claro na possibilidade de responsabilização destes atores.
HISTÓRIA DO CAPITALISMO E DO COMÉRCIO
Não é possível entender o Capitalismo e a liberdade de mercado que ele proporciona, sem olhar para o seu nascedouro e motivos de suas mudanças.
Embora existam várias críticas sobre o capitalismo atual, é preciso lembrar que, antes do capitalismo, passamos por momentos tristes na história do mundo, sendo, não somente a liberdade, mas um conjunto de medidas e interesses que foram cominando nas conquistas e problemas que temos atualmente, lembrando-se das palavras do professor Mascaro:
O direito não é um fenômeno estático. É dinâmico. Desenvolve-se no movimento de um processo que obedece a uma forma especial de dialética na qual se implicam, sem que se fundam, os polos de que se compõe. Esses polos mantêm-se irredutíveis. Conservam-se em suas normais dimensões, mas correlacionam-se. (MASCARO, 2011, p. 31)
Para a construção do nosso conhecimento faz-se fundamental este entendimento, porquanto, fora ele que proporcionou e proporciona o nosso raciocínio jurídico/filosófico, formulando nossos conceitos e os princípios hoje consolidados em nosso ordenamento jurídico, lembremo-nos que em uma das classificações possíveis de nossa constituição encontra-se o fato desta ser eclética, porquanto fora influenciada por diversas ideologias no momento de sua concepção. (cf. ARAUJO; NUNES JR, 2009, p. 7)
Ademais, nem todas as situações da vida civil são reguladas pelas leis de nosso país, não sendo isto por falta de vontade diante da grande quantidade de leis existentes no Território Nacional, mas por pura impossibilidade prática para tal, logo, os juízes se deparam constantemente com a necessidade de exercitarem a hermenêutica jurídica, fazendo analogia dos casos ou se utilizando dos Princípios Gerais para chegar a solução mais equânime, conforme já asseverado, construindo o conhecimento e possibilitando a construção de um sistema normativo dentro de nossas necessidades.
Construindo a liberdade
Das trocas realizadas entre as pessoas, em tempos remotos, aos famosos escambos, troca de mercadorias realizadas entre comunidades que tinham excedente de produção para suprimento de outras necessidades próprias, geralmente, utilizando-se de mercadorias em estado natural.
Com o passar dos anos e, com crescimento das necessidades e interesses, este tipo de comércio foi evoluindo para outras formas de troca, onde os materiais mais raros eram substituídos por quantidades maiores de materiais abundantes, ou seja, “no início do desenvolvimento do comércio moderno, os produtos eram intercambiados diretamente nos postos de troca, sendo que na época as moedas não tinham a credibilidade financeira para serem universalmente aceitas. Era a fase do escambo”. (NOVAES, 2007, p. 1)
É fácil perceber que neste período já se despontavam algumas características do Capitalismo, como a Lei da Oferta e da Procura, que posteriormente foi estudada e aplicada, com especial enfoque para Steve Jobs, fundador da Apple. Esta evolução continua até a chegada das moedas, somente no século VII a.C., e posteriormente ao papel moeda na Idade Média. (cf. BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2014)
A partir desta fase, a acumulação de riquezas se tornou mais fácil e rápida, propiciando uma corrida fervorosa, em todas as eras, por este “papel” tão desejado. Gostaria de salientar que o interesse na acumulação de riquezas, pelo ser humano, sempre existiu conforme já observava Jesus ao afirmar a seus apóstolos: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui”. (BÍBLIA, 1994, p. 1293)
Mas, esta evolução social deveria vir seguida de outras conquistas, afinal, quanto maiores os mercados, maiores são as possibilidades de multiplicação desta riqueza e de seus benefícios.
Até o início da Era dos Descobrimentos ou Era das Grandes Navegações, século XV, todo o comércio era baseado na produção artesanal e agrícola, tendo um pequeno raio de atuação, que não se estendia para muito longe devido às dificuldades de se conservar os produtos que deveriam ser trocados, além das dificuldades logísticas existentes, fazendo surgir a necessidade de ampliação dos mercados produtores que, por sua vez, fez surgir a ampliação dos mercados consumidores, dando impulso a necessidade de colônias para produção e posterior consumo dos produtos consumidos. Daí a política de negócios das colônias que fora promovido pela Inglaterra para que esta pudesse comercializar os produtos que começaram a surgir na Revolução Industrial, século XVIII.
As mudanças ocorridas, até então, eram lentas, havia a necessidade de séculos de história para que mudanças significativas fossem implementadas, o que acontecia, basicamente, por dois motivos essenciais: 1) a dificuldade de locomoção entre os outros locais do globo, com ênfase à mercadoria; 2) dificuldade de circulação da informação.
Mas, em 1445, o alemão Johannes Gutenberg criou a tipografia, gerando a solução para o problema da circulação do conhecimento, conforme abaixo:
Desde 1436, Gutemberg pesquisava uma liga consistente e maleável de chumbo, mas só em 1445 conseguiu compor e imprimir o primeiro livro de que há registro: o Juízo Final (Weltgericht), com 74 páginas, do qual resta somente uma folha de 28 linhas, guardada na Biblioteca Estadual de Berlim. Em 1450, Gutemberg contraiu um empréstimo com João Fust para dedicar-se a uma obra de fôlego: a produção de uma bíblia – a Bíblia de 42 linhas. (CÂMARA, 2009)
Isto proporcionou a proliferação do conhecimento de forma rápida, ampliando a possibilidade de alcance e, consequentemente, introduzindo o mundo em uma nova era, a Revolução Industrial, que se inicia no século XVIII, como bem observa Amauri Mascaro que entre as “conquistas da Revolução Industrial do século XVIII, a utilização das forças motrizes distintas da força muscular do homem e dos animais foi um dos acontecimentos de maior destaque, porque permitiu a evolução do maquinismo”. (NASCIMENTO, 2013, p. 34)
Com a mecanização do trabalho e a produção em larga escala de diversos utensílios, substituindo os antigos trabalhos manuais criou-se um excedente de materiais industrializados e, mais uma vez uma necessidade de ampliação dos mercados consumidores, principalmente por parte da Inglaterra, que tinha o maior parque industrial do mundo conhecido.
Esta demanda, associada a difusão do conhecimento, fez surgir diversos pensadores que trabalhavam sobre as teorias econômicas que seriam aplicadas à época.
O mercantilismo, entre 1450 e 1750, foi o primeiro dos pensamentos econômicos a surgir, sendo divulgado pelo trabalho do “mercantilista Montchrétien (1575-1621), reconhecendo a importância da indústria e do comércio, publica, em 1615, o primeiro tratado sobre o assunto, Economia política, defendendo, também, a liberdade de trabalho” (NASCIMENTO, 2013, p. 45), sendo contraposto pela Escola Fisiocrática, em 1750, “insurgindo-se contra o excessivo protecionismo e a regulamentação detalhada e exaltando o princípio de uma ordem natural e espontânea” (NASCIMENTO, 2013, p. 45).
Começa aqui uma especialização do direito empresarial, até então visto como pessoal (Período Subjetivo), conforme aborda André Luiz:
Durante a Idade Media, todavia, o comercio já atingira um estagio mais avançado, e não era mais uma característica de apenas alguns povos, mas de todos eles. E justamente nessa época que se costuma apontar o surgimento das raízes do direito comercial, ou seja, do surgimento de um regime jurídico especifico para a disciplina das relações mercantis. Fala-se, então, na primeira fase desse ramo do direito. E a época do ressurgimento das cidades (burgos) e do Renascimento Mercantil, sobretudo em razão do fortalecimento do comercio marítimo. (RAMOS, 2010, p. 2)
Neste mesmo entendimento, Fábio Ulhoa, também se debruça sobre este assunto, conforme abaixo:
Na Idade Média, o comércio já havia deixado de ser atividade característica só de algumas culturas ou povos. Difundiu-se por todo o mundo civilizado. Durante o Renascimento comercial, na Europa, artesãos e comerciantes europeus reuniam-se em corporações de ofício, poderosas entidades burguesas (isto é, sediadas em burgos) que gozavam de significativa autonomia em face do poder real e dos senhores feudais. Nas corporações de ofício, como expressão dessa autonomia, foram paulatinamente surgindo normas destinadas a disciplinar as relações entre os seus filiados. (ULHOA, 2011, p. 24)
Seguiu-se, a esta escola, a famosa Escola Clássica Liberal, que praticamente consolidou o Capitalismo, tendo como principal precursor Adam Smith, autor do livro Riqueza das nações, onde “sustenta que a riqueza das nações só é possível mediante a espontaneidade e o interesse de quem trabalha, e, para esse fim, a pessoa deve ser livre” (NASCIMENTO, 2013, p. 46) surgindo, desta forma, o Liberalismo Econômico com a concepção de “uma sociedade política instituída pelo consentimento dos homens que viviam em estado de natureza e na qual cada um, sob a direção da vontade geral, vive em liberdade e igualdade e com a garantia da propriedade de tudo o que possui” (NASCIMENTO, 2013, p. 47), portanto, o governo seria simples intermediário entre o povo e a vontade geral.
Tal entendimento corroborou para o desenvolvimento do capitalismo de forma mais determinante, onde o acumulo de riquezas, o individualismo e a liberdade eram não somente necessárias, mas essenciais, desta forma estruturou-se o Estado capitalista conforme aborda Amauri Mascaro, “nessa fase do pensamento humano predomina a ideia do individual, da plena expressão da personalidade, na libertação das faculdades de cada um para um desenvolvimento que ao Estado competiria assistir” (NASCIMENTO, 2013, p. 47)
No plano do direito empresarial, até este período, para ser comerciante bastava estar inscrito nas corporações, era o período subjetivo, onde o comerciante era a base do direito comercial, não importando o ato praticado por este. Essa fase vigorou do século XII até meados do século XVII. Esse sistema gerava confusão, pois essas pessoas também praticavam atos civis, estranhos ao comércio.
Começam a surgir as codificações jurídicas, iniciando-se pelo direito civil, para a proteção de liberdades individuais, constantemente invadidas pelos monarcas. Fase de temores, fazendo com que as constituições desta época trouxessem características marcantes de não envolvimento do Estado.
Eclode a Revolução Francesa, 1789, com um forte apelo libertário, forçando o surgimento dos códigos para afirmar, não somente a individualidade dos homens, como sua proteção contra o Estado autoritário e opressor, conforme salienta Amauri Mascaro:
Caberia aos jusnaturalistas, nos Códigos e Constituições modernas, a tarefa de realizar o individualismo jurídico com base nas doutrinas dos direitos inatos, da lei e do estado natural, do contrato social, coordenados com premissas do cartesianismo e do empirismo. (NASCIMENTO, 2013, p. 48)
Os Estados começam a reivindicar, no plano jurídico, o monopólio de criação das de leis, porquanto, o direito empresarial era exercido pelos próprios comerciantes, conforme aponta André Luiz:
As corporações de oficio vão perdendo paulatinamente o monopólio da jurisdição mercantil, na medida em que os Estados reivindicam e chamam para si o monopólio da jurisdição e se consagram a liberdade e a igualdade no exercício das artes e ofícios. Com o passar do tempo, pois, os diversos tribunais de comercio existentes tomaram-se atribuição do poder estatal. Assim é que, em 1804 e 1808, respectivamente, são editados, na França, o Código Civil e o Código Comercial. O direito comercial inaugura, então, sua segunda fase, podendo-se falar agora em um sistema jurídico estatal destinado a disciplinar as relações jurídico-comerciais. Desaparece o direito comercial como direito profissional e corporativista, surgindo em seu lugar um direito comercial posto e aplicado pelo Estado. (RAMOS, 2010, p. 4)
Ainda, nesta toada, Fabio Ulhoa, faz a mesma consideração:
No início do século XIX, em França, Napoleão, com a ambição de regular a totalidade das relações sociais, patrocina a edição de dois monumentais diplomas jurídicos: o código civil (1804) e o comercial (1808). Inaugura-se, então, um sistema para disciplinar as atividades dos cidadãos, que repercutirá em todos os países de tradição romana, inclusive o Brasil. (ULHOA, 2011, p. 25)
Nasce período objetivo que concentra o ato de comércio como sendo a essência do Direito Comercial. De fato, a partir do Código Mercantil de Napoleão, em 1807, é considerado comerciante qualquer pessoa que praticar, ainda que de forma acidental e isoladamente, determinados atos especifica dos na lei. E, com isso, o Direito Comercial passa a ser aplicado a qualquer pessoa e não apenas aos filiados a determinada associação profissional, como era o caso das Corporações de Ofício. Essa fase vigorou do século XVII até 1.942.
No campo comercial, começam a surgir as lojas com vendas diretas, embora estas somente trabalhassem com vendas a granel. Eram vendidos os produtos in natura, o cliente pedia o produto e o comerciante pesava e embalava o produto para o cliente, conforme aponta Renato Pompeu a descrever este momento:
Lojas mais parecidas com as de hoje começaram a surgir no século 18. Desde o tempo em que todo o varejo era feito em barracas, até o século 19 e particularmente até os anos 1930 nos países mais adiantados, o modelo predominante era o do pequeno estabelecimento especializado em poucos produtos, como padarias, quitandas, armazéns, com funcionários que atendiam os fregueses e iam pegar a mercadoria solicitada em balcões ou prateleiras, ou guardadas a granel em barris e sacos. Os alimentos e os produtos em geral não eram em balados em tamanhos e pesos padronizados, de modo que cada freguês escolhia o quanto queria levar de cada alimento. (POMPEU, 2011)
Existindo indícios de mudanças nas atitudes comerciais, conforme aponta Ana Flávia ao citar Morgado e Gonçalves, em sua dissertação, conforme segue:
De acordo com Morgado e Gonçalves, em meados de 1840 o varejo descobriu a mágica da rotação dos estoques, por meio da venda por catálogo ou de especialistas em “palácios de mármore”. Com a crise dos anos trinta, ocorreu uma ênfase na eficiência operacional e na adaptação às novas características da demanda pelos produtos, preços e tipo de atendimento. Esta necessidade de novas maneiras de atender levou ao surgimento do auto serviço, segundo Morgado e Gonçalves em 1912 no Sul da Califórnia, onde Jonh Hartford, filho do fundador da Great Atlantic and Pacific Tea Company persuadiu seu pai abrir um tipo de loja que não venderia na caderneta e não entregaria o produto em casa, sendo esta uma das primeiras lojas de mercearia a trabalhar com o auto-serviço. (CHAVES apud MORGADO e GONÇALVES, 2002, p. 36)
Tal mudança foi significativa para o incremento das vendas e o início do comércio como conhecemos atualmente. Obviamente, o intento foi na possibilidade de incremento das vendas e do lucro, não se concebendo, desde o princípio dos tempos empresas que não tenham como foco principal o lucro.
Da crise à evolução e consolidação jurídica do conceito de empresa
Com o rápido advento da industrialização dos mercados europeus, surgem os problemas com a liberdade exacerbada do comércio e as consequências advindas desta liberdade, a multiplicação do conhecimento e o advento de novos ramos científicos, começam a determinar os rumos filosóficos, jurídicos e comerciais, até então delineados.
Em 1929, com o crash das bolsas e a grande depressão, os Estados começaram a sentir a necessidade de controle sobre os mercados que, com a liberdade total, viam-se como gafanhotos devoradores de outros mercados, sem controles ou limites, havendo muitos prejuízos advindos desta época, principalmente nos campos sociais, demonstrando o crescente descontentamento com estas políticas liberais.
No plano internacional, surge o paradigma teórico do Realismo, pensamento que determina a atuação dos atores internacionais, tendo como proposições básicas: 1) o Estado é o ator principal no meio internacional; 2) os Estados são atores unitários; 3) os Estados são atores racionais; 4) a segurança nacional é a questão de maior importância para a agenda de política exterior de qualquer Estado; tal pensamento, associado à crise econômica instalada em 1930 possibilitou o terreno ideal para a eclosão das duas Grandes Guerras, que devastaram o parque industrial do Velho Mundo, mudando o foco do comércio internacional dos mercados europeus para a América, e possibilitando o desenvolvimento do mercado Americano de forma a torna-lo o ator principal das mudanças econômicas a partir desta época. (cf. SOUZA, 2012, p. 21-30)
Com o término da 2ª Guerra Mundial, e o retorno do crescimento econômico, em especial nos Estados Unidos, consolidou-se no cenário internacional a necessidade de um sistema jurídico e de relações internacionais, mais complexas e dependentes, conforme denota Rizzato Nunes:
A partir da Segunda Guerra Mundial o projeto de produção capitalista passou a crescer numa enorme velocidade, e, com o advento da tecnologia de ponta, dos sistemas de automação, da robótica, da telefonia por satélite, das transações eletrônicas, da computação, da microcomputação etc., a velocidade tomou um grau jamais imaginado até meados do século XX.
A partir de 1989, com a queda dos regimes não capitalistas, o modelo de globalização, que já se havia iniciado, praticamente completou seu ciclo, atingindo quase todo o globo terrestre.
O direito não podia ficar à margem desse processo, e em alguma medida seguiu a tendência da produção em série, mormente de especialização (outra característica desta nossa sociedade). Mas, de início, a alteração observada foi a do lado do fornecedor, que passou a criar contratos-padrão e formulários (que depois vieram a ganhar o nome de contratos de adesão) de forma unilateral e a impingi-los aos consumidores. (NUNES, 2012, p. 116)
Neste passo, nos cenários internos, surge a necessidade de se definir, de forma mais específica, as relações negociais e as grandes redes começam a proliferar nos Estados Unidos, seguidos dos supermercados e dos grandes varejistas, como salienta Renato Pompeu:
Nos anos 1930, por pressão dos pequenos comerciantes, surgiram leis federais restritivas ao crescimento das redes que, porém não foi afetado e continuou acelerado, estimulado pelo governo, por causa da colaboração das redes com os programas sociais e com o esforço de guerra na Segunda Guerra Mundial. Uma ameaça maior às redes de lojas foram os supermercados, que surgiram nos anos 1930 (o primeiro foi no bairro de Queens, na cidade de Nova York) e de início eram cada um de um pequeno empresário ou formavam pequenas redes, mas eram muito mais espaçosos e tinham muito mais itens à venda do que qual quer loja de rede na mesma vizinhança. Os supermercados americanos dominaram o mercado de alimentos e de utensílios domésticos nos anos 1940 e 1950; na década de 1950 começaram a se espalhar pela Europa e em seguida pela América do Sul. (POMPEU, 2011)
Neste ínterim surge, na evolução do direito comercial, o período da empresa, colocando a empresa como a linha divisória entre o direito civil e o direito comercial. Para esta teoria a empresa é a atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Este período iniciou-se na Itália, em 1.942, com a edição do Código Civil, que unificou o Direito Civil e o Direito Comercial. Portanto, o Direito Comercial passa a ser o ramo do direito privado que disciplina o exercício da atividade empresarial. Sendo assim, o comerciante ou empresário é a pessoa que exerce a atividade empresarial. Esta teoria é a adotada pelo Código Civil de 2002. Esta transição fora abordada por Fábio Ulhoa como segue:
A insuficiência da teoria dos atos do comércio forçou o surgimento de outro critério identificador do âmbito de incidência do Direito comercial: a teoria da empresa.
Em 1942, na Itália, surge um novo sistema de regulação das atividades econômicas dos particulares. Nele, alarga-se o âmbito de incidência do Direito comercial, passando as atividades de prestação de serviços e ligadas à terra a se submeterem às mesmas normas aplicáveis às comerciais, bancárias, securitárias e industriais. chamou-se o novo sistema de disciplina das atividades privadas de teoria da empresa. O Direito comercial, em sua terceira etapa evolutiva, deixa de cuidar de determinadas atividades (as de mercancia) e passa a disciplinar uma forma específica de produzir ou circular bens ou serviços, a empresarial. (ULHOA, 2011, p. 26-27)
Mas, a evolução, como se mostra neste preâmbulo e, como se aduz dos estudos de Patrícia Peck, ao mencionar os pensamentos de Tofler sobre o que este chama de overchoice – um mundo com possibilidades infinitas – quando descreve a evolução da humanidade em três períodos ou três ondas: 1) Era Agrícola; 2) Era da Revolução Industrial; 3) Era da Informação. (cf. PECK, 2013, p. 52), é uma construção constante e progressiva, que se apropria dos conhecimentos anteriores e agrega valores modernos.
Das prateleiras para a “rede”
Com o advento da Guerra Fria, as teorias internacionais de Globalização, a necessidade de ampliação de mercados e novas teorias logísticas e demandas mercadológicas surge, iniciando em 1960, a web, controlada por militares e, inicialmente, disponibilizada para as universidades e, posteriormente, para o mundo. Contribuindo para isto as melhorias significativas nas plataformas de computação, como o surgimento do Windows:
Em 20 de novembro de 1985, dois anos após o anúncio inicial, a Microsoft começa a vender o Windows 1.0. Agora, em vez de digitar comandos do MS-DOS, basta mover o mouse para apontar e clicar nas telas ou "janelas". Bill Gates afirma que "é um software único, projetado para aqueles que realmente usam computador". (MICROSOFT, 2013)
Esta inovação abre a possibilidade de multiplicação dos negócios em escala global, sem o empecilho dos entraves burocráticos que as fronteiras determinam, unindo empresas e pessoas em tempo real, criando “um mundo em que as possibilidades de escolhas são infinitas”. (PINHEIRO apud TOFLER, 2013, p. 53)
Conforme aborda Guilherme Cezaroti:
O advento do comércio eletrônico introduziu no mundo dos negócios diversas características até então inexistentes, tal como a possibilidade de desmaterializar bens físicos, e acentuou outras já existentes, tais como a globalização dos mercados e a massificação das informações. (CEZAROTI, 2005, p. 15)
Isto propiciou um “boom” no comércio virtual, multiplicando sobremaneira os lucros e as cifras deste novo negócio logo passaram dos US$200 milhões, tornando-se importantíssimo para diversas economias. (cf. MASSARELLI JR., 2013, p. 10-16)
Na construção do conhecimento até aqui abordado, deparamos com o autosserviço, com mudança paradigmática dos procedimentos realizados no comércio, tendo como base a definição proposta por Ana Flávia Chaves, “no qual o cliente não sofre a influência, nem a abordagem do vendedor, ele escolhe os produtos sozinho e depois se dirige a um caixa para efetivar a compra, pagando-a” (CHAVES, 2002, p. 36).
É possível observar que toda a construção das soluções demonstradas, até aqui, têm o condão de saciar duas necessidades, a primeira com relação ao lucro, e a segunda com relação à satisfação e facilitação de disponibilidade de mercadorias para o cliente, porquanto, quanto mais disponível a mercadoria, mais possibilidades de negócios existem.
Logo, a internet, tornou-se a grande vitrine mundial, com a possibilidade do cliente “entrar” em uma loja qualquer, “pegar” o produto e pagá-lo, sem a necessidade de estar fisicamente no local, portanto, conforme Souza:
...o comércio eletrônico, se utiliza dos recursos e dos meios eletrônicos, como a internet para a concretização e consolidação das transações comerciais realizadas entre diversos agentes, fazendo com que o contato físico presencial se torne dispensável, além de também tornar irrelevante a distância geográfica entre eles. (SOUZA; SOUZA, Paulo; PREDEBON, 2005, p. 4)
Estas relações, agora, são mais complexas que outrora, aliás, como estudado, o grau de complexidade das relações tende a ampliar-se, conforme Patrícia Peck nos ensina:
A complexidade de tal sistema, do ponto de vista jurídico, está nas relações resultantes desta interação, principalmente as relações comerciais. Este ambiente de pessoas conectadas tornou-se extremamente propício para o comércio – aqui surge o conceito de e-commerce. A grande vitrine virtual passa a atrair não apenas empresas, mas também profissionais liberais, shopping centers, consumidores, redes de ensino a distância, hospitais, laboratórios, bancos, corretoras e todo aquele interessado em obter uma informação, colocar um produto ou serviço à venda, ou simplesmente buscar entretenimento... Todas essas relações entre pessoas e empresas passam a exigir novas regras, princípios, regulamentos, assim como possibilitam a aplicação de antigos princípios que continuam tão atuais para o Direito como o eram em sua origem. (PINHEIRO, 2013, p. 64-65)
Destas relações surgem dimensões do e-commerce, definido como “a realização de um negócio jurídico, de forma não presencial e instantânea, capaz de permitir o consentimento e a concretização, deste negócio, mesmo sem a presença física dos interessados, validamente” (MASSARELLI JR., 2013, p. 16), onde temos, basicamente, dois tipos de relações, B2B e B2C, que se trata respectivamente de negócios business-to-business e business-to-consumer, respectivamente. (cf. MASSARELLI JR., 2013, p. 17)
Entremos, agora, no cerne do estudo, o direito empresarial posto e suas relações consumeristas.