Com a criação dos mais diversos tributos ao longo da história do Direito Tributário e as incontáveis modificações que sobrevieram das respectivas alíquotas, fatos geradores e bases de cálculos, criou-se, no Brasil, um desconforto em relação à clareza da incidência dos tributos. Esse emaranhado de normas tributárias obscureceu o entendimento da aplicação da norma e criou no arcabouço doutrinário expressões como “pandemônio tributário”[1], “carnaval tributário” ou “naufrágio fiscal”.
Viu-se, com isto, o fortalecimento do que seria o Princípio da Transparência Fiscal e, mais ainda, ampliou-se o entendimento sobre este. Passando a compreender não apenas a publicidade das normas e alíquotas, mas também a simplificação e clareza com que a norma chega até o contribuinte final. Aspecto de essencial imanência ao desempenho da Administração Fazendária, consoante ao Princípio da Eficiência da Administração Pública.
Em seu posicionamento doutrinário, Ives Gandra reitera que a norma que impõe tributo é norma de rejeição social, pois não se encaixa numa categoria de normas que as pessoas cumpririam mesmo que não houvesse sansão. A teoria parte do pressuposto de que há uma participação desmedida do Estado, porque embora este destine parte da arrecadação para seu funcionamento, outra parte é destinada a cobrir interesses privados dos detentores do poder, num claro desvio de finalidade, ancorando aí o direito de resistência fiscal.
Não me parece tão claro que possamos medir quais normas tributárias teriam mais ou menos adesão pela imposição de sansão, dado o grau de subjetividade; tão pouco que possamos ancorar no desvio de finalidade, exceção à regra, a legitimação do direito de resistência fiscal.
Entretanto, me parece essencial e salutar para a manutenção do Estado de Direito, a observância da legitimidade do instituto no que cumpra sua finalidade de dotar o Estado dos recursos estritamente necessários à prestação dos serviços públicos de qualidade, observado o princípio de eficiência da administração pública.
O financiamento pelo contribuinte de interesses escusos e a injusta carga tributária brasileira caracterizam o desvio da finalidade impositiva do tributo e sua função social, ao passo que desestimulam o crescimento econômico, geração de emprego e geram no contribuinte o sentimento de desequilíbrio na contraprestação.
Vide a crescente carga tributária brasileira, sem o crescimento na mesma proporção da prestação dos serviços públicos em alcance ou qualidade. Consoante ao exposto ROGÉRIO GANDRA DA SILVA MARTINS, exemplifica de forma bastante didática, que aspectos devem ser observados pela política tributária de forma a garantir o menor ônus possível ao contribuinte, ou ainda, o melhor uso dos recursos dispensados pelo contribuinte.
Ocorre, contudo, que nem sempre o dinheiro arrecadado pelos cofres públicos é bem gerido ou bem aplicado, razão pela qual muitas vezes a imposição tributária torna-se:
a) Injusta, na medida em que o Estado não aplica bem os recursos obtidos da sociedade;
b) Inadequada, pois não raras vezes existem outros meios para a alocação de recursos a fim de realizar suas atividades, meios estes que não sejam necessariamente provenientes de receita tributária; e
c) Desmesurada, já que a má-administração dos recursos públicos gera um descompasso nas finanças do Estado, fazendo com que o mesmo, muitas vezes, opte por solucionar seus problemas financeiros através da “via mais fácil”, qual seja, a arrecadação, que, com o tempo, vai onerando drasticamente a produção, o consumo, a renda e a propriedade privada. (MARTINS, et al., 2007)
Existe um grande tabu na sociedade brasileira quando se fala sobre a carga tributária. O problema da carga tributária brasileira não está em ser uma das mais elevadas do mundo. Países como Noruega (40,8%), Suécia (42,8%), Áustria (42,5%) e França (43%) possuem cargas bem maiores que a brasileira (35,7%). Países que possuem um melhor contexto sócio econômico. O grande problema da carga tributária brasileira está no desequilíbrio da contraprestação e na injustiça de sua aplicação.
O IBPT vem realizando estudos, conforme prática internacional, em que se avalia as performances dos países frente ao retorno ao bem estar social em relação à carga tributária aplicada. Trata-se de uma espécie de retorno sobre o investimento (ROI) na linguagem financeira. O índice (IRBES) avalia a relação entre o peso da carga tributária em relação ao PIB e a contraprestação do Estado que se reflete no índice de desenvolvimento humano (IDH).
Parece-me uma avaliação mais justa que a simples verificação da carga tributária, porém, ainda frágil. Neste ranking o Brasil aparece entre os 30 países com melhor desempenho. O país, obviamente, não aparece numa posição confortável e tem muito trabalho pela frente, mas está longe da lanterna.
Outro grande problema da estrutura tributária brasileira está na injustiça social da sua aplicação. Na base da pirâmide fiscal brasileira estão os tributos indiretos, tributos sobre o consumo, que representam parte significativa do desembolso das famílias com baixa renda. Segundo dados da pesquisa de orçamento familiar do IBGE de 2014 a carga indireta sobre a classe de renda familiar de até 400 reais é de 25,07%. O percentual da carga indireta cai até chegar a 9,33% da renda para a última classe analisada com renda familiar de mais de 6 mil reais. Teorias como a do sacrifício equitativo de Stuart Mill e a teoria da tributação ótima ou lei da elasticidade inversa, já foram bastante discutidas na doutrina tributária e precisam ser levadas à práxis com a reforma tributária. Alguns autores que exploraram o assunto com maior profundidade a partir da década de 80 merecem destaque como (RICHTER, 1983), (YOUNG, 1990)[2], (BERLIANT & GOUVEIA, 1993) e (MOYES, 2003).
Para uma maior justiça fiscal e contraprestação equitativa dos serviços públicos é fundamental a participação social e uma maior consciência fiscal, como forma de controle social, que deve ser estimulada pelo Estado primordialmente através da transparência fiscal.
A publicidade das informações sobre alíquotas e bases de cálculo, por si só não garante a transparência, se os cidadãos não interpretarem essas informações e não puderem utilizá-las para o controle social. Sem o acesso simplificado a esta informação, torna-se dificultoso a participação política do contribuinte no controle da arrecadação e mais ainda da aplicação dos recursos públicos decorrentes do fisco.
Dessa forma, a transparência se consagra como uma condição indispensável para o exercício da cidadania. Além disso, ela estimula os administradores a agirem com responsabilidade e zelo na gestão dos recursos públicos. Os administradores públicos e legisladores devem estar incansavelmente empenhados em se tornarem compreendidos pelo contribuinte, trazendo informações úteis, valorosas e simplificadas para completo esclarecimento.
Em seu manual de transparência fiscal, o FMI (2001b, p.5) reitera este princípio como aspecto fundamental para o exercício da boa governança. Com efetivo fortalecimento das políticas fiscais decorrente de um maior comprometimento tanto dos gestores públicos quanto dos contribuintes.
A transparência fiscal faz com que as autoridades encarregadas da elaboração e implementação das políticas fiscais se tornem mais responsáveis pelos seus atos. Como resultado, tem-se(sic) políticas fiscais mais fortes e mais dignas de crédito, merecedoras do apoio de um público bem informado; acesso aos mercados de capital internos e internacionais em condições mais favoráveis; e redução da incidência e gravidade das crises.
Neste sentido, ganha cada vez mais força a ideia de um direito do contribuinte e de um Código de Defesa do Contribuinte, tal como o que foi arquivado no Congresso Nacional em 2011, o projeto de Lei Complementar nº 646/99, de autoria do senador Jorge Bornhausen.
O projeto foi conduzido pelo professor Torquato Jardim, que coordenou um grupo de trabalho composto pelos tributaristas Roque Antonio Carrazza, Eduardo Botallo, José Souto Maior Borges, Ricardo Lobo Torres e Paulo de Barros Carvalho. Não obstante a enorme capacidade do elenco, várias críticas podem ser feitas ao projeto, como a fragilidade do instituto ao que tange o problema da sonegação fiscal e ao amparo do contribuinte. Porém, me parece irresponsável que não seja trazido à apreciação dos brasileiros uma ampla discussão sobre o tema.
No que tange aos tributos indiretos, principalmente os de consumo, há neles uma grande carga de injustiça fiscal, observado o disposto no art. 150, §5º, da CF/88. Nele o constituinte preconiza que a “(...) lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. (BRASIL, 1988) Este talvez seja o dispositivo mais explícito do que viria a ser o princípio da transparência fiscal em seu sentido estrito. Por muito tempo o texto constitucional apresentou uma lacuna, que em parte seria preenchida somente em 2012, vinte e quatro anos após a promulgação da carta constituinte. Um dano irreparável ao exercício da cidadania e ao amadurecimento da sociedade na formação da sua consciência fiscal.
Por se tratar de tributos que são repassados ao contribuinte de fato através do preço final ao consumidor, estes, na maioria das vezes, passam despercebidos e não apresentam a real participação do tributo no custo final. Privando o contribuinte de conhecer o valor real que está destinando à manutenção do poder público e, com isto, fazendo-o perder a referência do seu real esforço e do quão exigente ele deve ser para com o Estado. Por este motivo, o constituinte reservou a lei complementar, legislar sobre o esclarecimento daquele aos contribuintes.
Sacha Calmon (COELHO, 2003) após analisar o tema, aduz que:
(...) há um rol de impostos “indiretos” ou “de mercado” que muitas vezes passam despercebidos ao consumidor de mercadorias e serviços em função do fenômeno financeiro da “repercussão” ou “translação” dos encargos fiscais. Quem recolhe o imposto, isto é, o “contribuinte de jure”, necessariamente não é quem suporta financeiramente o encargo financeiro, e sim o “contribuinte de fato”.
Com esta finalidade, foi aprovada, em dezembro de 2012, a Lei 12.741, que dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, de que trata o § 5º do artigo 150 da Constituição Federal. A medida que entrou em vigor em junho de 2013 obrigou aos estabelecimentos que emitem nota fiscal ao consumidor, por ocasião de venda de mercadorias ou serviços, informar o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi nos respectivos preços de venda. Mas este é assunto para um próximo artigo.
Notas
[1] V. REZENDE,2004
[2] Vale a pena conferir o trabalho de (YOUNG, 1990) que desenvolveu um modelo empírico viável de análise do sacrifício equitativo. Apesar de receber diversas críticas, principalmente por parte dos defensores da teoria da tributação ótima, o trabalho merece destaque pela simplicidade da aplicação do modelo e pela transparência dos critérios normativos.
REFERÊNCIAS
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