As custas processuais representam a taxa devida pela prestação, por parte do Poder Judiciário, do serviço público de julgamento de uma ação ou um recurso. Essa taxa deveria ser a principal fonte de receitas do Judiciário, a garantir um bom atendimento ao cidadão, uma razoável duração do processo, e uma boa estrutura física dos Tribunais. Mas não é o que vemos na prática. Ademais, o objetivo deste texto não é tratar das fontes de receita do Judiciário, mas, sim, como o sistema de cobrança de Custas Processuais, quando cotejado com as concessões de Assistência Judiciária Gratuita, em especial nas Justiças Estaduais, está deturpado.
Tiremos como exemplo a Justiça Estadual baiana.
Digamos que você, com muito esforço, conseguiu dar uma entrada de R$ 8 mil para adquirir um pequeno imóvel de R$ 140.000,00, ainda na planta, o qual, além de pequeno, certamente, pelo valor, estará em bairros menos nobres da capital Salvador, por exemplo. Para quitar o imóvel, programou um financiamento pela CAIXA em 30 anos, com parcelas em torno de R$ 900,00 (já inclusos os juros da operação), realizando o sonho da casa própria.
Eis que você é surpreendido, ao longo da construção, com algum sério problema causado pela construtora, sejam problemas de qualidade construtiva, seja atraso de obra, seja qualquer outro imprevisto. Por tal motivo, faz-se necessário o ajuizamento de uma ação judicial, que deve ter como valor da causa o valor do próprio contrato de compra do imóvel, ou seja, R$ 140.000,00.
De acordo com a Tabela de Custas do TJ/BA, versão 2017, qual seria o valor das custas que você teria que pagar para ingressar com essa ação? R$ 4.950,00.
Isso mesmo. R$ 4.950,00, sem falar nas custas de citação, dentre outras.
Ou seja: você teria que pagar, apenas para INICIAR sua ação, o equivalente a 5,5 parcelas do seu próprio imóvel, ou UM SEMESTRE de pagamentos dele. Ou, ainda, algo em torno de 62% do valor que você economizou por anos para dar de entrada no imóvel.
Ah, mas é claro, você pode pedir a Justiça Gratuita, né? Vejamos a decisão proferida nos autos do processo nº 0331442-39.2013.8.05.0001, em trâmite na atual 5ª Vara cível de Salvador/BA:
Requereu a parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita afirmando ser pessoa economicamente carente e, portanto, sem condições de arcar com as despesas do processo. Ocorre que, tendo, contratado financiamento bancário superior a R$ 100.000,00, certamente demonstrou, na contratação, capacidade econômica que também lhe permite pagar as custas processuais. Ademais, o deferimento indiscriminado da justiça gratuita é prejudicial ao serviço e àqueles que realmente são pobres e precisam da justiça, além de causar perda de arrecadação que custeia o serviço judiciário.
Aquisição de imóvel de R$ 100.000,00 (onde se encontra um desses atualmente?) demonstra capacidade de pagamento de custas (que, neste caso, seriam de R$ 3.245,26, ou 3,3% DO VALOR DO IMÓVEL). É quase o Judiciário agindo como Corretor de Imóveis. A entrada dada pela Autora na compra do imóvel desse caso concreto citado, aliás, foi de R$ 3.500,00.
Ah, mas o valor será devolvido pela construtora ao final do processo, correto? Correto. Em tese, né? Afinal, quantas construtoras faliram ou entraram em Recuperação Judicial nos últimos anos? Quantos processos desses, que, muitas vezes, levam 5 anos só para ter uma Sentença, de fato, chegarão ao seu final, e não em um acordo aceito por desespero do Autor? Em processos que duram até 15 anos, quem garantirá a liquidez da construtora ré quase 2 décadas depois do ajuizamento?
Pois bem. O fato, meus caros, é que esse valor de custas processuais inviabiliza o ajuizamento de ações até por pessoas que, efetivamente, possuem boa renda e/ou patrimônio. Imagine que se você adquiriu um imóvel de R$ 650.000,00, terá que pagar praticamente R$ 17.000,00 – até pouco tempo atrás, necessariamente à vista – simplesmente para ter sua ação INICIADA. Se a citação for não exitosa; se o Réu falir, mudar de endereço, omitir-se; se não houver liquidez por parte do Réu; você terá despendido R$ 17.000,00 não retornáveis para ouvir um verdadeiro “não podemos fazer nada” do Judiciário.
Você tem, hoje, R$ 17 mil disponíveis para arriscar nessa aventura? Provavelmente não, ainda que possua um patrimônio e renda razoáveis. O que, então, você fará, já que não pode simplesmente desistir de sua ação? Requerer Justiça Gratuita.
E aí que começa o ciclo vicioso. Parece-me que, em um caso desse, seria absolutamente razoável que o Juiz, diante da análise da liquidez financeira do Autor, de fato, concedesse a Gratuidade da Justiça, já que, de outro modo, estaria a obstar o Direito Constitucional de Acesso à Justiça (art. 5ª, inciso XXXV, da Constituição Federal).
Ora, mas quem, então, será obrigado ao pagamento das Custas Judiciais, já que pouquíssimas pessoas possuem meios de efetivamente arcar com custas tão elevadas? Ou os Juízes aceitarão a fixação do valor da causa muito inferiores à REAL pretensão econômica do Autor com a ação?
É verdade que o Novo CPC trouxe a possibilidade de parcelamento das custas processuais, mas trouxe, repito, a POSSIBILIDADE: ficará nas mãos do Juiz a decisão de permitir ou não o parcelamento, e o número de parcelas em que ele se dará?
O que se vê hoje nas Justiças Estaduais é, na prática, o uso da Tabela de Custos como forma de permitir ao Judiciário a seletividade daqueles casos que poderão ou não prosseguir. Afinal, por que não editar uma Tabela de Custas mais equilibrada, como a da Justiça Federal? Isso, também, reduziria drasticamente a concessão da Gratuidade da Justiça.
Deixo, ao final, a pergunta, caros leitores: A quem interessa um sistema de Custas Processuais que força, na prática, ou a concessão da gratuidade da justiça (e redução da arrecadação do Judiciário) ou o impedimento do acesso do cidadão ao Poder Judiciário?